Na reunião da Câmara de Abrantes, realizada esta terça-feira, 12 de janeiro, após as intervenções dos membros do executivo antes da ordem do dia, havia que aprovar a ata da reunião anterior. De recordar que a última reunião do Executivo, a 22 de dezembro, foi interrompida pela entrada do ex-empresário Jorge Ferreira Dias, seguida de agressões e ameaças.
O vereador do Bloco de Esquerda apontou para a existência de “uma parte” da ata que “se refere a um resumo de uma situação que se passou fora desta sala. Como não assisti a essa ocorrência, fiz um pedido aos serviços para que pudesse ser retirado esse texto da ata uma vez que eu não a posso votar favoravelmente, tendo em conta algo a que não assisti. Se a ata reproduz o que se passou na reunião de Câmara, é entendimento meu, do meu grupo e de outras pessoas que consultei sem referir a situação, mas todos dizem que este texto não se enquadra naquilo que será a ata”. Armindo Silveira revelou que a proposta não foi aceite e confessou “não saber como” é que o relato possa ficar nos registos do Município sem integrar a ata da reunião de Câmara. “Isto sem pôr em causa o relato de quem fez a ata”, acrescentou o vereador, que afirmou ter preparada uma Declaração de Voto contra a inclusão do texto, mas sem saber se a podia apresentar. A dúvida de Armindo Silveira prendeu-se com o facto “de isto poder vir a ter implicações judiciais e eu não posso estar a responder por uma situação a que não assisti”.
Rui Santos, vereador do PSD, começou por afirmar que “as atas relatam obrigatoriamente tudo aquilo que se passar e afetar o bom funcionamento do que está a ser relatado”. Falando concretamente da situação abordada por Armindo Silveira, Rui Santos lembrou que o ocorrido até podia ter acontecido na primeira porta pois “tudo aquilo que se passa dentro deste edifício onde decorre a sessão de Câmara e que ponha em causa o bom funcionamento da reunião, tem obrigatoriamente de ser relatado”.
No dia 22 de dezembro, lembrou o vereador social-democrata, “eu e os restantes vereadores, excluindo o sr. presidente e o sr. vice-presidente, ponderámos ainda continuar a reunião. Portanto, a reunião foi brutalmente interrompida mas não foi interrompida por quem a dirige. Foi à posteriori que se entendeu que não havia condições psicológicas e que essa reunião não podia continuar”. Rui Santos afirmou ainda “que o que é relatado ali, foi o que se passou e que todos nós vimos” e que “não vejo qualquer necessidade de haver uma alteração ao texto”.
Manuel Jorge Valamatos disse compreender “o que o vereador Armindo Silveira diz” e que “não deixa de ser pertinente”, mas deu razão a Rui Santos quando afirmou que “a ata deve transcrever tudo aquilo que tem a ver com a reunião, com o que envolve a reunião e o que interfere com os nossos trabalhos”. “Eu julgo que a ata transcreve tudo aquilo que verdadeiramente aconteceu”, declarou o presidente que afirmou que iria colocar a ata a votação e cada um dos vereadores que votasse em conformidade.
E foi o que fez. Todos os vereadores do Partido Socialista voltaram favoravelmente, bem como o vereador do PSD e ata contou com o voto contra do vereador do Bloco de Esquerda.
Luís Dias lembra acontecimentos no Capitólio e faz analogia com declarações do BE
As palavras mais duras surgiram depois da votação por parte do vereador Luís Dias que, “enquanto cidadão, enquanto vereador desta casa e enquanto lesado no crime que foi aqui perpetrado há três semanas, não posso ficar indiferente e também eu gostaria de deixar aqui a minha opinião, que pode servir como Declaração de Voto face ao sentido favorável sobre aquilo que está aqui lavrado”.
“O que eu continuo aqui a perceber, e nomeadamente na declaração inicial do senhor vereador Armindo Silveira, é que nós continuamos a assistir, em relação a este caso, a um constante relatório de situações que são do foro judicial e que estão constantemente a ser apresentadas do ponto de vista político”, começou por afirmar o vereador. Luís Dias comunicou que havia “uma questão que quero deixar em aberto, e eu não sou jurista, mas que diz respeito ao Código Penal e, designadamente, a algo que recentemente tivemos oportunidade de assistir nos Estados Unidos, em que está em cima da mesa o facto do próprio presidente dos Estados Unidos poder estar a ser julgado por incitamento ao ódio e à violência”.
Para o vereador socialista, “perante um crime público, e neste caso perante ameaças veladas e continuadas por parte de um cidadão que neste momento está a braços com a justiça, e onde todos nós e trabalhadores desta casa fomos vítimas (…), o Código Penal diz mesmo que as questões de incitamento ao ódio e à violência podem ser apresentadas de múltiplas formas”.
“E o que sinto, enquanto vereador e enquanto cidadão”, continuou Luís Dias, “é que as reiteradas declarações do senhor vereador Armindo Silveira estão muito perto deste incitamento e eu gostaria, ou através dos nossos juristas ou enquanto cidadão, de tudo fazer para tentar que todas as ocorrências associadas a este processo pudessem ser verdadeiramente analisadas para saber se, de facto, não há aqui um constante incitamento a esse ódio e a essa violência que foi hoje aqui mais uma vez apresentada, reportando novamente a um caso que é não político mas da justiça”.
Luís Dias referia-se a uma intervenção inicial de Armindo Silveira onde o vereador bloquista falou do comunicado emitido pelo Município de Abrantes aquando da ocorrência na última reunião de Câmara. Armindo Silveira voltou a falar do processo que envolve Jorge Ferreira Dias e a Câmara de Abrantes, dizendo que “é nosso dever explicar tudo aquilo que está em causa”, apontando esclarecimentos relativamente ao comunicado.
É que, segundo o vereador bloquista, ao referir no comunicado “que a 25 de novembro de 2019 saiu o resultado da sentença que deu razão ao Município, esta informação está incompleta e induz os munícipes em erro. Esta sentença é unicamente referente à decisão do Tribunal de 1.ª Instância e a massa insolvente da Construções Jorge Ferreira Dias, Lda recorreu para o Tribunal da Relação. E depois da sentença da Relação, ainda poderá haver recurso para o Tribunal Supremo Administrativo por ambas as partes”.
Confrontado com as declarações de Luís Dias, Armindo Silveira quis novamente usar da palavra porque “atentam contra a minha honra e repudio de forma veemente essa insinuação de incitamento ao ódio. Comparar-me ou querer comparar-me a Trump é uma coisa completamente descabida e que, sinceramente, não esperava ouvir na minha vida, especialmente vindo do senhor vereador Luís Dias, por quem tenho muita estima”.
O vereador do Bloco de Esquerda considerou as afirmações de Luís Dias como “muito graves, tendo em conta tudo aquilo que aconteceu com a invasão do Capitólio. Eu poderia adjetivar mas não estou em condições para o fazer”.
Armindo Silveira deixou, no entanto, a intenção de utilizar os serviços jurídicos da Câmara para “poder agir sobre estas declarações que o senhor vereador fez a título pessoal”.
Para encerrar este tema, o presidente Manuel Jorge Valamatos disse ao vereador do Bloco para apresentar uma Declaração que ficasse junto à ata “porque o que nós queremos é passar por cima deste assunto, deixar que estas matérias sejam tratadas nos tribunais e que nós não estejamos aqui a alimentar um assunto que diz mais respeito aos tribunais do que a qualquer um de nós politicamente”.