Os Bombeiros Municipais de Sardoal comemoraram este mês 70 anos de existência. São 70 anos de uma história de dedicação à causa pública, mais concretamente no socorro e proteção de pessoas e bens.
A cerimónia de comemoração teve lugar no domingo, no Centro Cultural Gil Vicente, mas nem pelo facto de se celebrar tal idade e de o dia ser de festa, se esconderam “as injustiças” que uma corporação de bombeiros da Administração Local enfrenta.
As primeiras palavras de Nuno Morgado foram dirigidas, “como não podia deixar de ser”, aos Bombeiros de Sardoal. O comandante dos Bombeiros Municipais de Sardoal destacou “o empenho, dedicação e espírito de missão” dos seus operacionais em ações de proteção e socorro das populações.
“Continuamos a nunca virar as costas àquilo que são as necessidades de todos aqueles que de nós necessitam”, referindo também o trabalho desenvolvido em apoio à Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) e a outras corporações de bombeiros, “designadamente no combate aos incêndios rurais que assolaram a nossa região, assim como outros locais de Portugal continental”. Nuno Morgado lembrou ainda a missão da Força Conjunta Portuguesa que esteve no apoio ao combate aos fogos florestais no Chile e que integrou dois elementos dos bombeiros de Sardoal, o próprio Nuno Morgado e Rui Alexandre.
Contudo, havia uma questão latente e que não podia ser esquecida; a situação diferenciada dos Bombeiros Municipais do país em relação às Associações Humanitárias. “Somos claramente a favor da partilha de meios e recursos, apoio mútuo entre entidades e onde, de uma vez por todas, o Estado Central entenda que deverá suportar os territórios – e por inerência, todas as entidades nele inseridas – tendo por base os perigos e os riscos existentes, e não excluindo os corpos de bombeiros da Administração Local como infelizmente continua a acontecer”, apontou Nuno Morgado. O comandante dos Bombeiros de Sardoal acrescentou que continua sem entender “o porquê de não apoiarem de forma igual todos os corpos de bombeiros, considerando as idênticas missões que todos eles desenvolvem (…). Para nós, é esse o caminho. Só pode ser esse o caminho”. No entanto, “e mesmo não concordando com esta descriminação negativa, iremos continuar a colaborar em tudo o que nos for solicitado por parte da ANEPC e demais entidades públicas, desde que para tal tenhamos essa capacidade, tanto em socorro e salvamento, como em ações de formação, planeamento, logística, infraestruturas, comando ou coordenação, entre outras atividades”, garantiu Nuno Morgado.
“As divisões trouxeram-nos problemas, (...) os comandos entraram em ebulição”
Em representação da Federação dos Bombeiros do Distrito de Santarém, esteve o seu presidente. O comandante Adelino Gomes falou da divisão do distrito em dois centros sub-regionais de comando da Proteção Civil e das dificuldades que esta situação tem trazido aos operacionais.
“O distrito, com todas as evoluções que foram feitas, foi dividido. Eu costumo dizer que «é bom dividir para reinar», penso que não é bem o caso. O que é certo é que estas divisões trouxeram-nos problemas, problemas estruturais, também operacionais e fundamentalmente problemas das direções, dos comandos que entraram em ebulição”, denunciou Adelino Gomes. O presidente da Federação dos Bombeiros de Santarém defendeu que “é importante dizer a estes homens e mulheres o que é que se quer deles, porque no terreno todos sabemos o que queremos... todos. Não se distinguem os sapadores dos municipais ou dos voluntários. No terreno todos têm uma causa que é defender os bens e a vida dos seus concidadãos e dos vizinhos. É um ato de solidariedade que é praticado entre todos e que não é no terreno, não é entre os homens que essas diferenças se fazem”.
“Foi feita uma legislação por quem não percebia muito disto”, afirmou Adelino Gomes, acrescentando que “foram dados alguns poderes às associações, que não conheciam o problema”.
Despesas do DECIR ainda não foram pagas
O Secretário do Conselho Executivo da Liga dos Bombeiros Portugueses, comandante Guilherme Isidro, destacou a capacidade técnica dos Bombeiros Municipais de Sardoal, bem como os comandos que por ali têm passado. Não esqueceu também o trabalho da Liga pelos problemas de financiamento dos corpos de Bombeiros dizendo que “a Liga dos Bombeiros Portugueses tem vindo a manter um diálogo constante, franco, aberto, com o Ministério de Administração Interna assim como todos os grupos parlamentares da Assembleia da República”. Denunciou que “o valor do ordenado mínimo para 2024 é sensivelmente o dobro de 2016, mantendo-se o financiamento aos corpos de bombeiros e às entidade detentoras com os pressupostos de 2015”.
Lembrou que a secretária de Estado da Proteção Civil, Patrícia Gaspar, “concluiu e referiu publicamente que era maioritariamente transversal ao país três problemas: o financiamento dos corpos de bombeiros, as carreiras e os regulamentos dos bombeiros e o reequipamento dos corpos de bombeiros”.
Foi pois, “com muita estranheza, que a Liga dos Bombeiros Portugueses não encontre no Orçamento de Estado para 2024, qualquer medida que possa mitigar os problemas identificados. Verificamos sim, que a verba para 2024 inscrita para os bombeiros tem um acréscimo de 3% quando a inflação de 2022 se situa nos 5,2. Com todos os custos de contexto mais caros e além destes não sendo possível determinar qual será o acréscimo no preço dos combustíveis”.
Guilherme Isidro acusou ainda a tutela de, à semelhança do que aconteceu no ano passado, “ao dia de hoje, já passado o nível IV do DECIR, as entidade detentoras não tenham sido ressarcidas de qualquer valor das verbas que tiveram que assumir referentes aos fogos rurais”. Situação que considerou “inadmissível”.
“Não podemos deixar que as preocupações se transformem em frustrações”
O 2.º comandante Sub-regional de Emergência e Proteção Civil do Médio Tejo, João Pitacas, teve palavras de gratidão para com os Bombeiros de Sardoal e lembrou que as operações são compostas por pessoas. “Nada do que irei colocar aqui em palavras conseguirá transmitir-vos o sentimento de gratidão e respeito que tenho, pessoalmente e profissionalmente, de estar aqui hoje junto de vocês. É uma casa que sempre me disse muito, como operacional, e que também diz muito ao sistema”, começou por dizer.
Aos parabéns, associou a solidariedade para com a instituição que “tem conseguido lidar, ultrapassar e adaptar-se às constantes alterações e mudanças ao longo da sua existência, chegando até o dia de hoje com estabilidade e atualizada. Habitualmente e em ocasiões como a de hoje, dá-se grande ênfase às organizações e ao coletivo, é para isso que todos trabalhamos, mas nunca podemos esquecer que esse coletivo é composto por várias unidades individuais: as pessoas. E se normalmente as pessoas são um problema, as pessoas também são a solução”.
Dirigindo-se diretamente aos bombeiros da corporação de Sardoal, João Pitacas disse que “a todos vós devemos estar gratos por cumprirem sempre a vossa missão, por garantirem a salva-guarda da vida e dos bens dos vossos concidadãos, por serem um exemplo de disponibilidade, força de vontade e por honrarem todos os dias o vosso lema”.
João Pitacas deu ainda seguimento às preocupações levantadas pelo comandante Nuno Morgado, apelidando-as de legítimas, e deixou ainda uma palavra ao presidente da Câmara, Miguel Borges, para que continue a defender a Proteção Civil do seu concelho e da região.
“Senhor Presidente, é de inteira justiça ou reconhecimento na sua pessoa a estabilidade e progresso que este corpo de bombeiros representa atualmente. Sabemos das suas vontades, sabemos da sua visão para a proteção civil para lá do que é o seu patamar ou para lá que do que são as suas responsabilidades no patamar municipal, e da sua incessante preocupação com a prevenção e com a antecipação, já diz aquela “velha máxima”: «a antecipação é tudo». E sabemos também do exigente esforço e trabalho que tem efetuado para a manutenção, capacitação e desenvolvimento deste corpo de bombeiros, num corpo de bombeiros municipal, tanto a nível do reforço do quadro de pessoal e na renovação dos equipamentos, entre outras que foram aqui elencadas pelo senhor comandante”, reconheceu o 2.º comandante sub-regional do Médio Tejo.
Contudo, João Pitacas lembrou que “acima de tudo, não podemos deixar que estas preocupações se transformem em frustrações. Aí vamos tirar o foco da solução e passamos a estar focados só no problema”.
“É esta desorganização política que nós queremos para a nossa Proteção Civil?”
Miguel Borges, presidente da Câmara Municipal e responsável máximo da Proteção Civil no concelho de Sardoal, lembrou que em 10 anos da sua presidência, as conversas, as dificuldades e os queixumes são reiteradamente os mesmos, o que o “entristece”. E disse que o problema não é operacional mas sim político.
“Ouvi o que aqui foi dito, principalmente pelos senhores comandantes, estamos em sintonia e não podemos ignorar”, disse o presidente, que questionou ainda se “o dia 17 de junho de 2017 foi assim há tanto tempo? Não serviu de exemplo a ninguém?”
Miguel Borges revelou que não se referia à questão operacional porque “no que toca à emergência, venham de um lado ou do outro, são todos iguais. Igualmente empenhados, com grande vontade, com grande esforço, com grande dedicação, para responder àquilo que são as necessidades. E nesse momento, tudo se esqueceu”. Para o autarca, “os responsáveis são só os políticos”, acrescentando que “nós temos excelentes operacionais que têm dado provas ao longo de todos estes anos, mas infelizmente não posso dizer o mesmo dos políticos, onde eu me incluo”.
As injustiças, a memória curta e as responsabilidades da Proteção Civil foram referidas pelo autarca que disse faltar planeamento. Considerou injusto que “aquilo que falamos, sugerimos, e é fruto de muitas horas de conversa, caia sempre em saco roto”. E recordou o que já diz há muito tempo: “temos um sistema de proteção Civil assente em pés de barro”. Miguel Borges reconheceu que o barro está atualmente “um bocadinho mais forte” mas não escondeu a preocupação pelo facto de “termos a memória mesmo muito curta”.
Bombeiros no âmbito da Administração Local “é assunto que não interessa mexer”
Bombeiros Municipais é assunto que não interessa mexer, denunciou Miguel Borges que apontou falta de coragem política para alterar o paradigma. Lembrou ainda a missão internacional no Chile onde o a ANEPC transfere o dinheiro das ajudas de custo para as Associações Humanitárias mas não o faz para as câmaras municipais.
“Qual vai ser o futuro daqui a cinco anos? É esta desorganização política que nós queremos para a nossa Proteção Civil?”, questionou Miguel Borges
Entre injustiças, falta de planeamento, falta de financiamento e outras denúncias, o dia acabou mesmo por ser de festa e convívio entre entidades, bombeiros e familiares na comemoração dos 70 anos dos Bombeiros Municipais de Sardoal, onde foram distinguidos, por anos de serviço, 14 operacionais.
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