Um consórcio internacional liderado pelo investigador do GreenUPorto, centro de investigação da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), Gabriel Marais, sequenciou, com sucesso, os cromossomas sexuais gigantes da planta Silene latifolia, de nome comum “Assobios”, muito presente em zonais rurais em Portugal e na Europa e também nos Estados Unidos. Entre centenas de genes, os investigadores identificaram ainda quais os envolvidos na determinação do sexo desta planta. Com esta descoberta, será possível melhorar a produção das plantas em que só um dos sexos é produtivo.
Como? Trata-se de uma planta dioica, ou seja, uma espécie com indivíduos masculinos e femininos separados. No caso das plantas cultivadas que são dioicas, apenas um dos sexos produz fruto. Por isso, conhecendo antecipadamente o mapa genético desta espécie, que serve de modelo para as plantas dioicas, será possível editar e melhorar os genes para rentabilizar a produção de alimentos.
Existem 13% das plantas cultivadas que são dioicas ou descendentes de um ancestral selvagem dioico entre as quais se encontram a videira, o morangueiro, o kiwi, os espargos, o mamão, a tamareira e o diospireiro. Regra geral, apenas um sexo tem utilidade para fins económicos. Por exemplo, apenas as tamareiras fêmeas produzem tâmaras, e apenas os espargos machos são consumidos.
“A identificação dos cromossomas sexuais permite o desenvolvimento de marcadores genéticos para a determinação precoce do sexo, permitindo aos agricultores reter apenas o sexo útil e otimizar a produção”, explica Gabriel Marais, investigador francês e autor correspondente do estudo, radicado em Portugal há 5 anos e que recentemente integrou a equipa do GreenUPorto.
“Encontrar uma agulha no palheiro”
A investigação mereceu destaque e publicação na revista Science, onde é revelado um complexo trabalho na área da genómica. O investigador principal adianta a razão: “O cromossoma Y desta planta é dez vezes maior do que o cromossoma Y humano, o que o torna mais complexo de sequenciar – é uma espécie de “monte Everest” da área da genómica”. Os cromossomas sexuais são caracterizados por várias regiões de tamanhos diferentes e são quase sempre ricos em sequências repetitivas.
Em 1923, foi com o estudo desta planta dioica por Kathleen Blackburn, que, pela primeira vez, se identificaram cromossomas sexuais nas plantas. Mais de um século depois, os investigadores conseguiram desvendar os cromossomas gigantes da Silene Latifolia utilizando uma nova técnica de sequenciamento de leituras longas (Oxford Nanopore Technology) e métodos bioinformáticos sofisticados para tratar os dados.
O cromossoma Y da planta assobios contém centenas de genes. Identificar os genes do determinismo sexual é, por isso, como “encontrar uma agulha num palheiro”. Neste trabalho, os investigadores usaram um conjunto de plantas com fenótipo sexual alterado artificialmente devido a deleções de porções do cromossoma Y causadas por tratamento químico ou radioativo. Compararam então os cromossomas Y alterados com o cromossoma Y normal, identificando os genes que faltavam nas plantas com fenótipo sexual alterado.
A técnica desenvolvida no trabalho publicado na Science pode ser aplicada a qualquer espécie de planta dioica e é particularmente valiosa para plantas com cromossomas sexuais que contêm grandes regiões não recombinantes e, por isso, muitos genes, como o cânhamo e o lúpulo.
A manipulação dos genes de determinação do sexo possibilita modificações no sistema reprodutivo dessas plantas. “Por exemplo, poderia permitir a criação de variedades hermafroditas [em que todas as plantas produzem fruto] capazes de autofecundação em culturas dioicas onde tais hermafroditas não existam, garantindo assim que 100% das plantas cultivadas sejam produtivas”, destaca Gabriel Marais.
Este trabalho contou ainda com a participação de Catarina Branco (coprimeira autora), Raquel Linheiro e Raquel Tavares, investigadoras do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (BIOPOLIS-CIBIO)da Universidade do Porto.
Faculdade de Ciências da Universidade do Porto