Já lá vão uns anos quando foram vistos os primeiros animais em zonas urbanas. Um dos primeiros vídeos divulgados foi registado em junho de 2020, junto à Pousada da Juventude de Abrantes. Nos últimos três anos os animais têm “perdido a vergonha” e parecem começar a circular nas ruas de Abrantes, durante a noite, de uma forma “quase normal”. Ou seja, quando alguém vê javalis nas ruas ou próximo de urbanizações já é considerada uma situação “normal”.
Há, depois, um conjunto de opiniões diversas. Há quem aponte o dedo aos humannos que “roubaram” os espaços dos animais. Outros falam da falta de alimento. Outros ainda acham giro. Outros apontam à defesa dos animais de forma generalizada. Depois vêm os que olham com desconfiança em relação à saúde pública [podem ser portadores de peste suína] ou os que olham para hipotéticos ataques se os animais se sentirem ameaçados.
Depois das decisões anunciadas pela Câmara de Abrantes enviamos uma série de perguntas ao Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) que respondeu no final do mês de agosto.
Jerónimo Belo Jorge
1 - Qual o ponto de situação que têm sobre presença de javalis em número elevado na área urbana de Abrantes?
A presença de animais nas zonas urbanas pode prender-se com o agravamento das condições de seca meteorológica, que origina uma redução de alimento e água disponíveis nas áreas preferenciais de habitat da espécie.
2 - O que é que está a ser feito par minimizar esta situação?
Tratando-se uma espécie com uma grande mobilidade, o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) tem atuado na esfera das suas competências (artigo 39.º da Lei 173/99, de 21 de setembro, assim como o artigo 147.º do Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto, na sua atual redação), no sentido de promover um controlo mais eficaz da população. Constatando-se que a redução da densidade da espécie por via do exercício da caça dentro das zonas de caça não se tem revelado suficiente, tem sido autorizada pelo ICNF, aos responsáveis pela gestão das zonas
de caça do concelho, a realização de ações de correção extraordinária de densidade da população de javalis, ao abrigo das disposições contidas nos Editais de Correção Extraordinária da Densidade de Javalis, sucessivamente publicados.
Contudo, importa notar que o desempenho das várias competências a nível de gestão e ordenamento de recursos cinegéticos só incide sobre terrenos cinegéticos.
3 - Sendo uma zona urbana, perto de um Hospital ou de uma escola, não poderão ser feitas montarias ou batidas?
Uma vez que estas áreas são consideradas terrenos não cinegéticos, conforme indicado no artigo 19.º da Lei 173/99, de 21 de setembro e na alínea a) do n.º 2 do referido artigo, regulamentado pela alínea b) do artigo 53.º Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto, o ICNF não tem competência para agir diretamente.
Compete às forças de segurança pública, em articulação com as diversas entidades com competências nestas áreas, o enquadramento das ações conducentes à resolução/minimização da situação. Estando o ICNF disponível para apoiar tecnicamente, encontrando-se já a trabalhar com a Câmara Municipal de Abrantes no estudo de eventuais ações a desenvolver para tentar minimizar as situações relatadas.
Estas ações (montarias ou batidas) só poderão ser efetuadas onde existam condições de habitat favoráveis para o efeito e em que se verifique a presença dos animais em parte significativa do ano, e desde que os terrenos sejam considerados cinegéticos, nomeadamente em terrenos afetos às zonas de caça do concelho, estando devidamente enquadradas na Lei da Caça.
4 - A forma de resolver será com recurso a uma associação de caçadores com intervenções cirúrgicas para reduzir o número de animais?
Qualquer solução passará pelo enquadramento dado pela Lei. Ao longo dos anos o controlo da densidade da espécie tem sido feito pelas entidades gestoras das zonas de caça, nomeadamente por via do aumento do esforço de caça e do recurso à correção extraordinária de densidade de javali, nos terrenos cinegéticos.
Poderão acontecer intervenções cirúrgicas, coordenadas pelas forças de segurança pública, como se referiu no ponto anterior, e que poderão envolver associações de caçadores.
Estas ações devem igualmente ser conjugadas com formas de ordenamento e gestão do habitat, nomeadamente a gestão das áreas de mato, onde ocorrem os vulgarmente chamados “acames”, no sentido de reduzir áreas com condições favoráveis à presença dos animais na zona urbana.
5 - Quando é que se prevê? Que resolução ou ações concretas no terreno?
Conforme acima referido, nos terrenos cinegéticos já têm estado a ser concretizadas ações pelas Zonas de Caça na área envolvente da cidade de Abrantes, no sentido do aumento do esforço de caça e execução de ações de correção de densidade excessiva de javali.
Atendendo a que se trata de um desafio que se verifica a nível nacional, já existe um estudo promovido pelo ICNF em conjunto com a Universidade de Aveiro - Plano Estratégico e de Ação do Javali em Portugal que pode ser consultado em (https://www.icnf.pt/api/file/doc/9b58e09ea7d2c2a4) em que se propõem várias
medidas que estão agora a ser estudadas com o envolvimento das partes interessadas.
Nas zonas urbanas é fundamental limitar o acesso às fontes de alimentação, o que passa pelo correto acondicionamento e boa gestão dos resíduos. Também nas áreas periurbanas é de primordial importância o controlo das zonas de mato, de modo a reduzir os “acames” dos animais e as condições que potenciem a presença da espécie.
6 - Qual o conselho do ICNF para a população, sendo que há quem tenha medo e há quem ache isto (os animais nas ruas) "muito giro"?
À semelhança do que tem sido feito noutros locais, onde se verifica a presença ocasional de espécies selvagens junto de aglomerados urbanos, o município poderá disponibilizar formas de aviso aos cidadãos, no sentido de não serem adotados comportamentos de risco, nomeadamente passeios com animais de estimação (cães) em locais e horas de maior probabilidade de encontro com javalis, de modo a evitar o
confronto entre estas duas espécies.
7 - Em caso de serem vistos próximo de áreas urbanas o que é que o cidadão pode e deve fazer? Quem deve contactar? De que forma?
Não devem ser adotados comportamentos de risco e deverão ser contactadas as forças de segurança pública e os serviços municipais de proteção civil.