Abrantes e o Médio Tejo podem ser um cluster nas energias renováveis e é para aí que está a ser desenhado um caminho. Manuel Jorge Valamatos, presidente da Câmara de Abrantes, deixa as pistas do que está a acontecer e que aponta nesse caminho. Há, por outro lado, um conjunto de problemas para os quais se procura a solução. A falta de médicos, com uma nova USF, ou a necessidade de rever a cota 35 para permitir operações urbanísticas em Rossio ao Sul do Tejo, principalmente. O autarca espera compensações para a região pela escolha da localização do aeroporto e que o governo assuma a ponte Mouriscas/Alvega. Por outro lado, diz que a imigração é bem-vinda, porque há falta de mão de obra nas empresas, mas espera que se integrem na nossa sociedade ocidental.
Entrevista por Jerónimo Belo Jorge
As Festas de Abrantes mantêm o modelo dos últimos anos, com pequenos ajustes. Mas há um reforço de cartaz?
Sim, temos que ir ajustando o enquadramento das Festas em resultado do ano anterior. Por exemplo, mantemos o palco no largo da Câmara (Praça Raimundo Soares), mas os DJ’s vão passar todos para o largo 1.º de Maio. Entendemos que a praça da Câmara começa a ser curta para a quantidade de jovens que estão nesses espetáculos. Mesmo do ponto de vista da segurança e do equilíbrio da Festa faz mais sentido ter os DJ num espaço maior e com mais segurança. São também instruções de acordo com as reflexões da PSP, do nosso gabinete de Proteção Civil e dos nossos Bombeiros.
Ainda nas Festas, este ano o palco da Praça Raimundo Soares retoma os concertos com bandas do concelho e há um reforço das marchas populares, este ano são 10…
… as Festas também são aquilo que as pessoas quiserem que elas sejam. As marchas têm muitas pessoas das nossas instituições envolvidas. Sei que há um grande entusiasmo em torno das marchas, que tem uma ação sociológica muito importante. O ano passado tivemos três, este ano são 10 e esperemos que no futuro possam ser mais. Vamos criar todas as condições para este ano termos um espaço para as marchas, com conforto para as pessoas assistirem e com condições para desfilarem.
Este ano são 9 dias. Não serão muitos dias de Festas, até tendo em conta quem tem de trabalhar, por exemplo, nas tasquinhas. É uma fonte de receita, é certo. Mas 9 dias é para manter ou repensar?
Sabe que é difícil conjugar o Dia da Cidade com os fins de semana. Dois ou três dias é um investimento muito grande para tão pouco tempo. Temos de ir equilibrando em função do dia 14 de junho. Este ano serão 9 dias extraordinários e de muito empenho das associações. Dias de muito trabalho, mas de amealhar para o resto do ano.
“...acho que não há muito que pensar, o governo vai ter de assumir a ponte rodoviária (Mouriscas/Alvega)”
As Cerimónias Oficiais da Cidade vão ser na ESTA, que receberá a Medalha de Mérito Municipal. A ideia é continuar a “rodar” esta cerimónia?
Temos associado sempre ao Dia da Cidade a distinção de diferentes áreas da comunidade. Já o fizemos com as escolas, com os Bombeiros, com as IPSS, com o Centro Hospitalar, com o RAME e teremos outras áreas que queremos ver realçadas. Este ano é a ESTA, porque faz 25 anos, porque é um património enorme para nós de ciência, de inteligência. E Abrantes marca a vida dos estudantes, mas também dos docentes e dos não docentes. Por outro lado, queremos chamar a atenção porque estamos num processo...
… vai convidar os gestores do Fundo para um Transição Justa (FTJ) a vir a esta cerimónia?
Sim, vamos convidar a CCDR. Sabemos que a ESTA não tem capacidade de crescer no sítio onde está. Depois é muito importante ter a ESTA próximo das empresas e dentro do Parque de Ciência e Tecnologia e isso pressupõe o crescimento da Escola. Temos o projeto concluído e estamos em condições de lançar a empreitada. Aquilo que estamos a trabalhar de forma intensa é em encontrar o financiamento. Precisamos de 7 Milhões de Euros. É a única maneira de afirmarmos a escola, sob pena de ficar estagnada. Da CCDR já todos perceberam a importância da ESTA. O FTJ pretende mitigar os efeitos do encerramento da Central a Carvão do Pego. A maior parte da verba é para empresas que se fixem no Médio Tejo, e também em Abrantes, mas há uma parte de componente de investimento público e uma das questões que importa reforçar é a qualificação das pessoas. Não seria mais justo do que financiar a ESTA, não só por licenciaturas e pós-graduações, mas também na formação profissional e microcredenciações.
A ESTA no Parque de Ciência e Tecnologia, a Endesa também tem projetado o centro de investigação, a Zona Livre Tecnológica está a quase a aparecer. Podemos já falar em Abrantes como um ‘cluster’ das energias renováveis?
É disso que andamos à procura. E não é Abrantes, é o Médio Tejo. Não é por acaso que temos um autocarro movido a hidrogénio que percorre a nossa região. Queremos uma afirmação do Médio Tejo na transição energética e com uma ligação muito forte nas questões que dizem respeito ao hidrogénio. A ZLT vai ter três áreas sendo uma delas, na ligação ao Tagusvaley. Depois haverá uma, a norte do concelho, com ligação à biomassa e uma, a sul, com o epicentro na Central do Pego. E queremos criar zonas que tenham uma agilidade processual, uma via verde, para projetos de inovação. Existe no FTJ possibilidade de grandes investimentos. Há um primeiro aviso para PME’s onde há uma empresa de Abrantes apoiada, há um segundo aviso para as grandes empresas, ainda sem aprovações, e há um terceiro aviso onde há a expetativa de instalação de uma grande empresa em Abrantes. Mas há o concurso público do Ponto de Injeção na Rede do Pego, para metade da capacidade. E o projeto da Endesa é o maior projeto de sempre em Abrantes com investimento de 600 milhões de euros com solar, eólico, hidrogénio, baterias, que está já na fase dos estudos de impacte ambiental. Neste momento parece que nada está a acontecer, mas daqui a um ano ou dois todos vão perceber o impacto desta transição energética. Temos que aguentar com as dores de sofrimento neste período, depois do encerramento da Central que sabíamos que ia acontecer, mas daqui a dois ou três anos vamos ter uma capacidade económica superior à que tínhamos.
O Ponto de Injeção na Rede só concessionou metade da sua capacidade. Há perspetivas sobre o valor remanescente?
O que sabíamos do governo anterior é que a metade da capacidade do Ponto de Injeção na Rede do Pego iria para leilões, para concurso, com novos projetos e novas abordagens. Com este governo vamos voltar a fazer as conversas. Temos capacidade disponível. Saibamos nós resolver os procedimentos capazes de avançar com soluções.
“Não houve preocupação nenhuma com a coesão territorial (sobre escolha da localização do aeroporto)”
Estamos a chegar ao verão. As praias de Aldeia do Mato e Fontes voltam a ter bandeira azul. O ano passado falou em apostar em novas infraestruturas no Castelo de Bode. Vão avançar onde? E o Tejo, pode voltar a ter praia fluvial?
A água é um elemento central e de futuro. Percebemos as preocupações do Ministério do Ambiente porque há dois milhões de pessoas a beber dali, incluindo todo o concelho de Abrantes. Mas entendemos que temos mais dois ou três espaços para a criação de praias. E são espaços que já são procurados pelas pessoas. Não têm estruturas de segurança ou de apoio e temos vindo a trabalhar com a Agência Portuguesa do Ambiente. Queremos iniciar uma nova praia, porque o processo de licenciamento muito complexo, e depois pensar em mais duas entre as que já existem. Em relação ao Tejo, tivemos, em tempos, uma praia no Aquapolis, depois tivemos anos “diabólicos” em relação à qualidade da água. Neste momento a água nem sempre tem os parâmetros necessários, é aceitável. E a APA, tal como nós (Município), todos os dias faz análises à água. E para ser praia fluvial tem de estar três anos dentro dos parâmetros exigidos. Mas as coisas têm vindo a melhorar em relação à qualidade da água, já não podemos dizer o mesmo da quantidade da água. Ainda agora a Comunidade Intermunicipal acompanhou uma queixa do proTEJO à União Europeia, para que o Tejo tenha um caudal regular. Depois é um contrassenso que nos estão a criar com a cota 35 que está completamente desajustada. De acordo com o Ministério do Ambiente nessa cota ou abaixo quase nem requalificações podemos fazer. E não há cheias no Tejo há mais de 30 anos. Isto é uma luta que vamos ter.
É uma intransigência técnica esta questão da cota 35?
Eu acho que é alguém que não consegue sair do gabinete e vir perceber a realidade dos factos junto da comunidade. Estamos com um fundamentalismo nesta matéria que dificulta a vida, em questões de urbanismo, a pessoas e empresas. Acho que estão a fazer equações com números de há 100 anos que não se justificam.
Antes do governo cair andava a marcar reuniões com o Ministério das Infraestruturas sobre a ponte Mouriscas/Alvega que é da Tejo Energia que a quer entregar, ou ao Estado, ou ao Município, e ainda sobre o ramal ferroviário que também é propriedade da mesma empresa. Qual o ponto de situação?
É um dos assuntos que tínhamos feito uma análise e estávamos à espera de uma posição do governo. Vamos ter de voltar a fazer essas conversas. A Tejo Energia colocou-nos a questão e nós enviamos logo para o governo. Eu acho que não há muito que pensar, o governo vai ter de assumir a ponte rodoviária, porque se tornou uma via importantíssima do país. Queremos fazer parte das soluções e acho que o governo vai assumir, independentemente dos partidos. No troço ferroviário é diferente, mas penso que é um ativo tão importante que penso que vai ser aproveitado pelas empresas que ali se venham a instalar…
… quando tivermos parque industrial do Pego. Está em elaboração o Plano de Pormenor? Quanto teremos esse documento?
Está a andar. Repare que andamos há mais de 15 anos para fechar o PDM de Abrantes, vamos fechar este ano, e andamos à espera de dezenas de pareceres de instituições. Temos o PDM que já ultrapassou a consulta pública. E o PDM define, de forma clara, essa zona industrial. Após termos o PDM em vigor avança esse plano de pormenor.
O Aeroporto vai ser no Campo de Tiro de Alcochete e não em Santarém como era desejo da região. A CIMT já avançou com um pedido de compensações que Abrantes acompanha…
… antes das compensações gostaria de fazer um comentário. Estou aqui com uma esperança qualquer que Santarém ainda possa ser considerado. Todas as localizações apresentavam pontos positivos e negativos, mas havia um argumento enorme para o Aeroporto ser em Santarém que era a Coesão Territorial, era o sítio onde a coesão territorial se poderia afirmar de uma vez por todas. Sempre ouço falar nisto em todos os partidos políticos. E não houve preocupação nenhuma com a coesão territorial. No Médio Tejo listamos um conjunto e infraestruturas que desejamos que sejam resolvidos. Pelo menos cumpram os planos que já estão decididos, IC13, IC9, Ponte da Chamusca, Ponte sobre o Tejo entre Abrantes e Constância. Se não temos o Aeroporto em Santarém, antes de começarem com esse processo, terminem lá aqui na região aquilo que tem de ser feito e que foi prometido por vários governos.
E o Aeródromo de Tancos vai voltar a estar em cima da mesa?
Claro que sim. No âmbito da CIMT pedimos uma reunião para a abordagem de Tancos. Temos de olhar como uma unidade de apoio e em que a área militar entende que é compatível com uso civil.
Na saúde, há problemas claros com a falta de médicos de família. Acredita que uma nova USF (para o norte do concelho) venha resolver os problemas que existem?
A falta de médicos é um problema do país, do norte, do centro e do sul. Deixe-me dizer isto desta forma. Se tivermos um problema na educação falamos com os professores. Se for na segurança falamos com os polícias. Há problemas na saúde falamos com os médicos e enfermeiros. Aquilo que sabemos é que as USF são os modelos com capacidade de captar profissionais para responder às necessidades de saúde familiar. Não é na forma tradicional que conseguimos captar médicos. Querem trabalhar em condições estruturais e físicas boas, querem trabalhar em equipas e com linguagens contemporâneas. Queremos manter os espaços físicos em Mouriscas, Rio de Moinhos ou Carvalhal, mas queremos que o modelo organizacional passe por uma USF. E o que acordámos para a criação desta USF foi valorizar ao atual centro de saúde de Alferrarede para outras especialidades. Para o médico dentista, psicólogo, para a saúde pública. E depois precisamos de transformar a antiga escola das Hortas para ter cincou seis gabinetes médicos e outros específicos para, do ponto de vista organizacional, captar novos profissionais. Nós estamos a fazer a nossa parte. Já há garantido, através do PRR, financiamento para a USF norte e para a requalificação do Centro de Saúde de Alferrarede.
“Acho que é alguém que não consegue sair do gabinete e vir perceber a realidade (sobre cota 35)”
Há uma questão que temos muito na ordem do dia e em que a Câmara tem e não tem responsabilidade direta. Tem a ver com a limpeza de ruas e arruamentos. Modo geral essa responsabilidade é das juntas de freguesia, mas mesmo assim, como é que olha para esta área que tem cada vez mais o olhar crítico dos munícipes?
Sabe o que é que mudou, mesmo não sendo justificação para tudo? Deixámos de usar herbicidas. É proibido. Podemos usar alguns, mais ecológicos, mas menos eficientes. Aquilo que fazíamos era por um herbicida e só seis meses é que rebentavam novamente. E depois temos as mudanças climáticas. Vou ser sincero, não temos capacidade para limpar tudo em todo o lado tantas vezes como seria necessário. Dou um exemplo. Ali perto do hospital, há 15 dias fez-se a limpeza. Hoje passei lá e a erva já cresceu novamente. As pessoas também devem colaborar. Não podemos estar sempre à espera que seja a junta ou a câmara que têm trabalhadores para fazer isso. As pessoas devem colaborar e há algumas que o fazem. Mas esta é uma realidade, cortamos hoje e daqui a 15 dias ou três semanas temos de as cortar outra vez. Eu entendo os problemas dos presidentes das juntas de freguesia.
O mundo está em suspenso, com guerras, o que cria muita imigração. É uma realidade que se vive no país e em Abrantes. Sabemos que as escolas estão a dar conta do recado, nesse acolhimento. E fora da escola, na sociedade, na empregabilidade?
Temos de enaltecer esse trabalho das escolas, dos professores e dos agentes educativos. Estas escolas (secundárias) tem mais de 20 nacionalidades e estamos a conviver com isto há dois ou três anos. Depois há questões culturais, religiosas, sociológicas e as escolas têm feito essa aprendizagem. Quem vem tem de saber enquadrar-se na nossa sociedade e no nosso estilo de vida. Estas pessoas fazem-nos falta porque precisamos de mão de obra. E agradecemos a todos os que vêm por bem e que integram e respeitam as nossas regras. E a integração começa logo nas escolas e é aí que este trabalho é prioritário.
“Quem vem (imigrantes) tem de saber enquadrar-se na nossa sociedade e no nosso estilo de vida”
Para finalizar, qual é o maior desafio, nesta altura, que tem em mãos?
A minha grande preocupação é não deixar ninguém para trás. A minha maior aflição é perceber que há pessoas que estão a passar por grandes dificuldades. Eu não sou o dono do Município, não há pessoas mais importantes que outras. E a mais frustração é não conseguir responder a todas as situações com que somos confrontados. Temos um grande desafio com a transição energética, o fecho da Central do Pego, e depois precisamos mudar os índices demográficos. E estamos a fazer esse caminho. 40 fogos para atrair jovens. A creche para ajudar na vida dos casais. É sempre tentar fazer o melhor que sei e que posso.