Ao longo dos anos o Município de Mação foi adquirindo pinturas e desenhos do artista Carlos Saramago. E resolveu organizar uma exposição em nome do pintor surrealista de Mação, mostrando mais de 30 obras que pertencem ao espólio artístico que foi sendo construído ao longo de cerca de três décadas.
Só que, mais do que abrir portas a mais uma exposição, o Município de Mação quis prestar uma homenagem, larga, ao artista e deixar uma marca que perdurará para o futuro. Só que esta homenagem, ou este momento, acabou por ser uma tarde de emoções fortes para quem conhece o Carlos Saramago e mesmo para quem não o conhece muito bem ou só conhece a obra não ficou indiferente. E por entre os vários momentos de aplausos houve mesmo, a espaços, uma lágrima no canto do olho.
O Carlos Saramago é um artista, mas acima de tudo um homem resiliente. A doença ou as doenças, desde cedo começaram a marcar a sua vida e, por entre lápis ou pincéis a vontade interior de criar o fantástico, desenhar ou pintar o surrealismo, foi sempre mais forte. Foi sempre a sua grande força para se adaptar à vida e às contrariedades. A epidermólise bolhosa, doença que lhe afetou as mãos não o impediu de continuar a trabalhar. Mesmo depois de um cancro que lhe amputou um braço, adaptou-se e continuou agarrado às telas e ao surrealismo.
O Carlos é um resistente e não se esconde na doença, nem mesmo agora que vai regressar a tratamentos agressivos.
E nessa força o Município de Mação, e muitos amigos, resolveram organizar uma homenagem, mais do que uma exposição ou uma placa com o seu nome. Teve mais lastro. Teve Presidência da República, Governo, Câmara de Mação e amigos. Um reconhecimento justo que o deixou emocionado, a dizer que não merece, por um lado, mas por outro, ao lado da família, a abrir a sua alma em jeito de agradecimento. Foi, seguramente, um 4 de fevereiro, que o Carlos não mais irá esquecer, por foram, pelo menos, cinco os momentos de emoção.
Ainda na rua, o professor “Pina” de Educação Visual
Mal acabara de sair do carro, conduzido pela mulher, e após o cumprimento ao presidente da Câmara Municipal de Mação, uma surpresa, um abraço e um desfolhar de memórias.
João Pina, o seu professor de Educação Visual dos tempos da escola de Mação, lá dos anos 80, estava ali para o abraçar. É que foi este homem, hoje reformado, que viu no traço do miúdo Carlos um traço de artista. Ainda sem a carga de um estilo, muito menos surrealista, João Pina viu um miúdo que sabia desenhar, que sabia o que fazia.
E foi neste sábado que, por volta do meio-dia, viu uma mensagem do Duarte Marques, a convidá-lo, mesmo em cima da hora, para vir a Mação. João Pina contou que a mulher insistiu que se deslocasse a Mação para esta homenagem.
Um abraço emotivo e à Antena Livre o professor Pina faz questão de dizer que foi acompanhando o trabalho do Carlos. Num misto de memória e orgulho agarra no telemóvel para mostrar um “surrealismo” do Carlos que tem em casa e depois ainda mostra uma fotografia de ambos na Nazaré. “Um dia encontrei o Carlos na Nazaré e ele fez uma caricatura minha, que ainda guardo”, diz João Pina ao mesmo tempo que recorda os primeiros desenhos do Carlos: “Um dos quadros foi para o Papa João Paulo II. Foi na altura que o Papa começou a sensibilizar a comunidade para a destruição da camada de ozono [daí vem o prémio do Al Gore “Uma verdade inconveniente”]. Uma vez fui levar um quadro à Nunciatura Apostólica e ele depois recebeu uma carta do Vaticano a dizer que tinha recebido o quadro.”
No desfolhar das memórias, lembra um outro trabalho do Carlos quando o ministro Silva Peneda veio inaugurar um lar a Envendos ou o cartaz da primeira Feira Mostra de Mação “que tenho emoldurado em casa” que tem o desenho que foi para o Papa, trata-se “da Terra, a desfazer-se o gelo...” e é hoje uma memória.
“E aquele trabalho em banda desenhada que fizeste, o “Eurico, o Presbítero”, lembras-te?"
E o Carlos Saramago lembrou-se, claro! E lembrou-se que recebia incentivos do professor Pina, “ele é que acreditava mais em mim”, diz com uma voz, um tanto ou quanto, trémula, pelo momento.
A Galeria Carlos Saramago
Os poucos metros até à entrada para a Biblioteca e para a Galeria do Centro Cultural Elvino Pereira é feito com muitos abraços e cumprimentos. Pensava o Carlos que estavam todos ali para ver a sua exposição. Pensava bem, mas havia mais, muito mais do que a exposição.
Carlos Saramago viu o seu nome atribuído ao espaço que, em Mação, acolhe a arte e os artistas, locais e de fora. A sala do Centro Cultural Elvino Pereira passa assim a chamar-se Galeria Carlos Saramago. Uma homenagem merecida, deliberada por unanimidade em reunião de Câmara e que, nas palavras de Vasco Estrela, Presidente da autarquia representa “uma honra” para o Concelho.
Descerrada a placa que fica à entrada da Galeria, abrem-se as duas portas para mostrar os trabalhos do Carlos Saramago, pertencentes à coleção adquirida pelo Município. O artista diz ao presidente da Câmara que quer dizer umas palavras ao que Vasco Estrela lhe pede uns instantes para poder avançar com os outros momentos, que eram apenas do conhecimento de poucas pessoas.
O Embaixador para a Arte do Concelho de Mação
A Câmara Municipal de Mação deliberou igualmente Carlos Saramago “Embaixador para a Arte do Concelho de Mação”. E para assinalar este momento Vasco Estrela entregou ao artista um Certificado com a nomeação, assim como colocou a Medalha ao peito de um, agora muito emocionado, Carlos Saramago.
Vasco Estrela referiu, na altura, que em momentos destes “todas as palavras que se possam dizer acabam por parecer fúteis perante aquilo que sentimos, todos, nos nossos corações, em cada um de nós”.
As mensagem do Presidente da República e do ministro da Cultura
Mas havia mais, e não apenas da Câmara Municipal de Mação. O ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, enviou uma mensagem em vídeo que foi exibida na Galeria. Pedro Adão e Silva dirigiu-se a Carlos Saramago com uma nota de parabéns pelo seu trabalho referindo que “a cultura é um fator de mobilização e energia e é na cultura que nos encontramos connosco”.
E as emoções não terminaram, pois, para além do governo, seguiu-se uma mensagem escrita do Presidente da República.
Vasco Estrela leu a carta enviada a Carlos Saramago por Marcelo Rebelo de Sousa em que se dirige de forma muito pessoal e assertiva ao artista e à sua arte, realça o facto de ser autodidata e de enfrentar as sucessivas maleitas com determinação pela forma como se “adapta, reinventa, se supera”. “Por tudo isso”, conclui Marcelo Rebelo de Sousa, “o saúdo e me junto à homenagem que Mação tão justamente lhe presta”.
Mensagem do Presidente da República lida por Vasco Estrela
Carlos Saramago agradeceu a aquisição das obras e aquele momento proporcionado pela Câmara Municipal de Mação referindo, com a humildade que o caracteriza, que “ninguém merece tanto”. E as emoções falaram mais alto e “impediram” o Carlos de falar, pelo que o melhor seria mesmo visitar a exposição.
Vasco Estrela destacou que no certificado de Embaixador para a Arte está referido o sentimento desta comunidade "pela sua relevante contribuição para a elevação do nome de Mação, pelo exemplo que é para toda a comunidade, pelo Homem e pelo Artista que Mação tem a honra de ter entre os seus."
Vasco Estrela concluiu a tarde referindo tratar-se de um momento “importante para todos, numa fase que está a ser difícil para o Carlos, mas que superará como o grande Homem que é”. E concluiu dizendo que “estamos tão-só a fazer justiça”.
As explicações, exclamações e emoções
Aos jornalistas Vasco Estrela explicou as homenagens e depois, visivelmente, emocionado, acabou também por explicar o sentimento destas homenagens ao pintor surrealista de Mação. “É uma forma de reconhecer o trabalho deste artista. O presidente da Câmara de Mação não é um crítico de arte, mas todos os relatos que temos indica a excelência do trabalho do Carlos”, começou por dizer Vasco Estrela, acrescentando depois o valor humano do lutador, de toda uma vida com muitas vicissitudes, com muitos aspetos negativos, nomeadamente em termos de saúde. “A forma como encara a vida, a forma como não desiste, acho que isso tudo é revelador do caráter da pessoa. E nesse sentido, a Câmara Municipal de Mação interpretou de uma forma muito clara aquilo que é o sentir desta população relativamente ao Carlos”, adiantou.
A Câmara era quem tinha que fazer esta homenagem, mas, acrescentou “penso que estamos aqui a representar toda a comunidade de Mação que reconhece as particularidades deste homem.”
Numa tarde com vários momentos, Vasco Estrela disse que estão na exposição cerca de três dezenas de quadros do Carlos e referiu que já em 2017 tinha sido editado um livro com as obras de Carlos Saramago. Já nessa altura foi uma forma de agradecimento.
E agora “acho que é adequado [que este espaço do Centro Cultural Elvino Pereira se passe a chamar Galeria Carlos Saramago], o Carlos é ímpar, é diferente e nós temos que tratar de forma diferente o que é diferente. E acho também que o senhor Elvino [ex-presidente da Câmara de Mação entre 1980 e 2001], esteja ele onde estiver deverá estar, nesta altura, contente com esta decisão, porque também era um homem justo e reconhecerá a justeza desta decisão.”
Há ainda uma componente simbólica e é uma novidade, não está ainda regulamentado, mas que neste momento é o menos importante, que foi a atribuição do título de Embaixador da Arte do Concelho de Mação.
A tarde foi de emoções, e de tal forma que a pergunta feita a Vasco Estrela sobre a carga emocional desta homenagem deixou o cidadão Vasco com a voz trémula e com lágrimas nos olhos. “Não é fácil, porque há relações pessoais, que tenho com o Carlos e que dificultam muito esta homenagem. Temos de ter noção da vida que ele tem, que é uma pessoa nova e não é fácil fazer a gestão destes processos. Temos de ser fortes, temos de as fazer. Mas não é fácil. Acho que ninguém queria estar na pele do Carlos. É uma lição de vida. É difícil perceber aquilo que pode vir a acontecer. Quem me dera daqui a dois ou três anos, já não como presidente de Câmara, somente como amigo estar a inaugurar uma outra exposição do Carlos. Era isso que desejava,” concluiu o autarca de Mação.
Vasco Estrela, presidente da Câmara Municipal de Mação
E o artista, mostrou-se grato pela homenagem. Pelas homenagens. E começou com o primeiro abraço do professor Pina. “Ele é que me incentivou para a pintura”, e mesmo avisado em cima da hora (meio-dia) fez cerca de 300 quilómetros para estar presente. “Foi um grande apoio inicial. Era o meu professor de Educação Visual, e na altura falava-se muito no ambiente e destruição da camada de ozono.”
O artista não sabia ao que vinha. “Pensava que vinha só mostrar o trabalho. Depois foi (pausa com suspiro) emoções atrás de emoções... ainda estou sem palavra. Nunca me passou pela cabeça, com 50 anos, chegar aqui, a ser reconhecido pelo Município onde vivo.”
Carlos Saramago falou com os jornalistas, mesmo cansado de tanta emoção, disse “não saber o que é” ser nomeado Embaixador para a Arte no Concelho de Mação, mas entre risos garantiu ir pesquisar para saber o que “isso representa”.
Já sobre as mensagens de Marcelo Rebelo de Sousa e Pedro Adão e Silva garantiu estar “sem palavras. São portas que se abriram e é um reconhecimento, vindo de quem veio.”
A exposição é de obras que foram adquiridas ao longo de anos, adquiridas por vários presidentes de Câmara e que mostram diversas fases.
Sobre a sua vasta obra não se acha o “Picasso de Mação”, mas diz, bem-disposto, “já me chamaram o Dali de Portugal, mas Picasso de Mação... vai ficar na memória.”
Carlos Saramago diz, sempre com uma boa disposição que impressiona que “pintar é um ‘Brufen’ que tomo que fico ali a delirar e transmitir tudo o que quero transmitir a mensagem e à espera que quem veja a obra possa interpretar a mensagem.”
Nesta conversa com os jornalistas diz continuar a sua luta e revela que continua a ter nas cores azuis as suas cores preferidas e gostava de ser recordado como “Carlos Saramago, o pintor de Mação.”
Carlos Saramago, artista
As mais de 30 obras expostas são de vários momentos da vida e carreira de Carlos Saramago sendo o quadro mais antigo de 1993, há vários de várias épocas e décadas sendo, os mais recentes, de 2022.
A exposição vai estar patente até dia 10 de abril de 2023. Pode ser visitada nos dias úteis das 09 às 17:30 e, ao sábado, das 14:30 às 17:30.
Galeria de Imagens