A associação Ambientalista “Zero” declarou na manhã desta terça-feira, 23 de julho, “juntamente com membros da comunidade local, a “morte” da ribeira de Rio de Moinhos. Tratou-se de uma ação simbólica a que se juntaram elementos do movimento local “Salvem a Ribeira” ou de forças políticas como a CDU ou o movimento ALTERNATIVAcom. Esta ação serve, de acordo com a “ZERO” com um “alerta para a destruição ambiental devido ao projeto de requalificação” que ali decorre. “Este evento, que irá simbolizar a morte ecológica do curso de água, tem o objetivo de chamar a atenção para os graves impactes ambientais resultantes do projeto de suposta requalificação da ribeira, que teve início em outubro de 2023, e que resultou na completa descaracterização das áreas”, afirma a “ZERO”.
Os ativistas da “Zero” e do grupo “Salvem a Ribeira” entraram no leito, no início da obra, a norte da localidade de Pucariça, para deixar uma “cruz preta” a simbolizar esta “morte da ribeira”. Os ativistas estavam munidos de cartazes com fotografias da ribeira, do seu leito original, que mostraram no momento em que a cruz ficou cravada na ribeira.
Mesmo sob aviso do “responsável de segurança da obra” de que não poderiam estar dentro de uma obra os ativistas fizeram aquilo que se propuseram.
A “Zero” critica um investimento de “milhões de euros para destruir em vez de reabilitar” pela “perversão dos objetivos de reabilitação.” A Zero lembrou ontem, em comunicado, que a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) subscreveu um protocolo de colaboração com o município para a execução da obra de “Reabilitação da rede hidrográfica da ribeira de Rio de Moinhos com soluções de engenharia natural para diminuir a zona ameaçada pela cheia”, facto que permitiu viabilizar uma candidatura de 2,7 milhões de euros (ME), dos quais dois milhões seriam comparticipados.
Na Pucariça, na manhã desta terça-feira, e tendo como pano de fundo as obras num pontão da ribeira, Sara Correia da associação “Zero” vincou que o objetivo da ação foi chamar a atenção das entidades públicas “para o impacto que esta, suposta, requalificação tem em relação à ribeira.” É uma intervenção que, de acordo com Sara Correia, “de engenharia natural tem muito pouco.”
A ambientalista revelou que deveria existir uma obra que requalificasse “as características da ribeira, ecológicas e ambientais, e a verdade é que isso foi completamente pervertido.”
Sara Correia explicou que a “Zero” já questionou um conjunto de autoridades, sobre a intervenção, nomeadamente a APA, a COMPETE (entidade gestora dos fundos comunitários que suportam esta obra) e vai ainda ser questionada a Inspeção Geral do Ambiente, para que fiscalizem tudo o que está em volta desta obra. A APA já respondeu aos ambientalistas e defende a intervenção, tendo indicado que “a ribeira estava totalmente destruída, após a tempestade ELSA, e que tinha de haver uma intervenção. Alegam que é a intervenção adequada e nós temos de discordar dessa posição.” Já o COMPETE “disse já não haver mais verbas para esta obra. O que estava previsto foi pago até ao final do ano anterior. Subsiste a dúvida se os restantes fundos transitam, ou não, para o COMPETE 2030, informação que ainda vamos tentar aferir.”
Sara Correia, Associação Ambientalista “ZERO”
O movimento local “Salvem a Ribeira” que tem sido dos mais ativos a contestar esta obra esteve presente, com alguns dos moradores a dizerem que a intervenção avançou sem a informação correta junto dos habitantes, principalmente dos mais idosos.
João Paulo Carvalho, foi o porta-voz do movimento, que aos jornalistas defendeu a paragem imediata da intervenção.
“É preciso parar a obra. Garantir que os proprietários, que todos os afetados sejam ressarcidos dos estragos causados pela obra. É necessário que seja retirada daqui uma lição, porque a utilização de fundos ambientais destes montantes para uma obra que destrói o ambiente só é possível com uma série de cumplicidades que deveriam ser denunciadas. A APA portou-se extremamente mal. Os técnicos da APA não sabem o que estão a fazer.” João Paulo Carvalho referiu ainda que esta ribeira tinha um ecossistema muito vivo e que foi destruído com esta intervenção. E apontou às fotografias que os elementos presentes na manifestação tinham e que mostravam troços da ribeira antes das obras.
João Paulo Carvalho referiu que a intervenção prejudica de tal forma que, apesar de ter sido um inverno muito chuvoso nenhum dos açudes existentes encheu o suficiente para haver água nas caleiras. “Isto era um vale fértil, mas a água não era apenas para regar. Há ali, perto da capela, um depósito de água que servia para os bombeiros e regar ali tudo para baixo e este ano não há água.” O porta-voz do movimento “Salvem a Ribeira” vincou as cumplicidades no processo, a começar na Câmara de Abrantes, que considera ser “a maior responsável disto tudo, depois a cumplicidade da APA, do Ministério da Agricultura, do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, do COMPETE que financiou a obra, do Tribunal de Contas, da própria empresa a quem foi adjudicada a obra e num processo que dura há dez meses com máquinas pesadas a estragar tudo o que há neste vale, que a Câmara de Abrantes deveria proteger e garantir.”
João Paulo Carvalho, movimento “Salvem a Ribeira”
O movimento ALTERNATIVAcom tem mostrado a sua discordância com a obra e o deputado municipal José Rafael Nascimento, presente na ação da “Zero” voltou a defender o que tem defendido, desde o início. “Um amplo debate com presença de todos os proprietários e entidades envolvidas, para ser explicado.”
O deputado municipal revelou que a 21 de janeiro foi convidado para uma caminhada para conhecer a realidade do que estava para ser feito e “ficámos muito chocados. Eu fiquei chocado e sou uma pessoa bastante informada. Imagine-se quem não conheça, está completamente fora, quer do valor da ribeira, natural e económico, mas também do que pretendia fazer.”
José Rafael Nascimento mantém a mesma posição que é “há falta de debate. E o vereador Vasco Damas usou uma frase que é ‘todos, ao mesmo temo na mesma sala’. Ou seja, juntar projetistas, financiadores, construtores, juntar os cidadãos, os regantes e esclarecer. Não foi acolhido, fomos atacados e ofendidos, na Câmara e na Assembleia Municipal.”
E nesta terça-feira disse que buscou mais esclarecimentos das entidades que poderiam estar na ação de protesto.
José Rafael Nascimento vincou a preocupação nas questões de financiamento que de acordo com a “Zero”, na sua interpretação, poderá onerar num “gasto” de mais de um Milhão de Euros para o Município de Abrantes.
Questionado sobre próximos eventuais passos a dar pelo ALTERNATIVAcom, José Rafael Nascimento, apontou a sua posição inicial “debate e esclarecimento, mas de todos. Repito, todos ao mesmo tempo, e na mesma sala.”
José Rafael Nascimento, ALTERNATIVAcom
Chaleira Damas, membro da CDU, fez uma breve história da Ribeira, desde o arranque dos regantes até aos dias de hoje. Depois referiu-se a uma informação do Município de Abrantes de 11 de janeiro de 2023, sobre a empreitada, para dizer que as pessoas, na sua boa-fé, leram a descrição da obra e concordaram.
E essa descrição aponta à recuperação da qualidade das massas de água, proteção do eco-sistema, promoção da biodiversidade, promoção da defesa contra cheias de pessoas e bens (...) com aplicação de técnicas de engenharia natural. “O que a gente vê é a destruição de tudo o que era habitat natural e contraria tudo o que foi exigido aos proprietários desta terra, com propriedades na outra encosta desta terra.”
Chaleira Damas aponta no processo da obra “todo um conjunto de dificuldades que nos deixam perplexos perante isto.”
Chaleira Damas repetiu o que a CDU tinha anunciado esta segunda-feira, em comunicado. Exige para a Ribeira de Rio de Moinhos o investimento necessário e essencial, nomeadamente em: saneamento básico para ligar todas as habitações, deste belo vale, à rede pública doméstica a construir; construção de pontões para pessoas e viaturas, capazes de escoar a água da Ribeira e não entupirem; construção de bacias de retenção temporária das águas da Ribeira de Rio de Moinhos e dos seus afluentes, que contribuem para atrasar e reduzir o volume do escoamento, espaçar a junção das águas e minimizar os danos a jusante.
Chaleira Damas, PCP (Abrantes)
O PSD de Abrantes não esteve presente na ação dos ambientalistas, mas à margem de uma conferência de imprensa realizada na terça-feira reagiu a esta ação de protesto.
José Moreno Vaz, presidente da concelhia social-democrata foi questionado sobre a ação da associação Zero. Revelou que reside na freguesia de Aldeia do Mato e Souto e tem propriedades na zona. “Acho que a intervenção era necessária. Tecnicamente não tenho formação para dizer se era esta ou outra, mas era necessária.” Depois vincou que a grande maioria da população, proprietários que confinam com a ribeira. “Temos de separar as pessoas que têm propriedades que confinam com a ribeira e outras pessoas que estão contra a obra, mas não têm terrenos a confinar com a ribeira, outras que não têm terrenos na freguesia, não residem na freguesia ou no concelho e são os principais opositores à obra.”
Indicou que a maioria dos proprietários (99 em 105) e as duas juntas de freguesia concordam com uma intervenção necessária, não comentando os aspetos técnicos da obra em si.
José Moreno Vaz, PSD Abrantes
As obras de requalificação na ribeira têm sido alvo de contestação popular e originaram já participações judiciais e duas providências cautelares, no final de 2023, para correções no projeto.
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