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Abrantes: A floresta tem mesmo de mudar, senão não haverá meios de combate a incêndios que cheguem (c/áudio)

25/01/2025 às 11:57

O Rotary Clube promoveu uma conferência para trazer para discussão o futuro da floresta. O Clube pretende debater temas estruturantes da sociedade por isso a Comissão de Ambiente do Distrito Rotary 1960 organizou uma sessão sobre a água, no Algarve, e agora sobre, floresta, em Abrantes.

Para montar a estrutura o clube encontrou na Associação de Agricultores de Abrantes uma parceria considerada certa para criar um painel de convidados abrangente a um tema que tem muitas questões, desde logo os incêndios e entra depois na propriedade e na própria floresta.

E foi o próprio Governador do distrito Rotary, Paulo Taveira de Sousa, a lançar o tema ao apontar a floresta e o mar como os maiores ativos do país. Mas notou o dirigente que a floresta é conhecida por bons e maus motivos, apontando os incêndios como maus e sempre presentes na lista mediática, principalmente quando morrem humanos. “Mas quando há um incêndio há sempre aspetos negativos, mesmo sem morte de humanos.”

Paulo Taveira Sousa, afirmou ainda que “têm faltado políticas públicas que mudem a floresta e as questões negativas e prejudiciais.”

 

Paulo Taveira Sousa, Governador Rotary Distrito 1960

Manuel Jorge Valamatos, autarca de Abrantes, também esteve na sessão de abertura e vincou que o concelho de Abrantes tem um território ligado à floresta, principalmente no norte do concelho. E destacou que “70% do território é floresta. Apresenta, por isso, desafios e riscos, como os incêndios florestais.” E depois saltou para uma das políticas municipais para esta área dos fogos rurais, nomeadamente a importância dos kits de primeira intervenção das juntas de freguesia e associações de caçadores. Trata-se de um contributo fundamental para uma resposta rápida à ignição de incêndios, num investimento superior de 1 Milhão de Euros nos últimos cinco anos. E acrescentou que para 2025 1,3 ME do orçamento municipal está alocado à proteção civil, cujo serviço municipal tem apenas dez anos.

 

Manuel Jorge Valamatos, presidente CM Abrantes

O primeiro conferencista foi Paulo Jorge Salsa, vice-presidente do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), que apresentou em Abrantes a floresta que temos. E nos números, Paulo Jorge Salsa indicou que 70% do território português é floresta de vários tipos: 26% eucalipto; 22% pinheiro; 23% sobreiro; 11% azinheira; 6% pinheiro-manso. Mas indicou que o Estado é dono de apenas 3% de floresta no território florestal, sendo que mais de 90% é privada.

Mas nesta caracterização salta imediatamente à vista que a divisão deste território aponta a uma fragmentação enorme, com, principalmente, micropropriedades.

O dirigente apontou ainda que “a sustentabilidade das gerações presentes e futuras é a palavra base para a gestão florestal”, num território que conta com 166 organizações de produtores florestais.

Apresentou os documentos de planeamento florestal, entre elas as Zonas de Intervenção Florestal que estão implantadas em 2 milhões de hectares, com 3 mil aderentes de 86 entidades.

Mais recentemente surgiram as Áreas Integrada de Gestão da Paisagem (AIGP) com projetos de modificação da paisagem no interior norte, centro e Algarve. Ou seja, as zonas mais afetadas pelos incêndios.

“Está a tentar ser feito algo diferente para ter um resultado diferente”, disse indicado que para este novo projeto tem um envelope financeiro de 214 ME do PRR por forma a gerir a paisagem, mas fazer diferente para que o resultado não seja igual.

 

Paulo Jorge Salsa, vice-presidente do ICNF

Depois da apresentação da floresta do país, António Louro, presidente da Aflomação, trouxe para a conversa os exemplos práticos do que foi mal feito, das realidades sociais que mudaram sem haver alteração nos territórios e nas soluções de futuro que, finalmente, têm plano, têm estratégia, têm dinheiro para aplicar e têm garantia de financiamento ao longo dos próximos 20 anos.

António Louro começou por indicar que estes fenómenos, de incêndios não são assim muito antigos.

 

António Louro, Aflomação

O engenheiro florestal que dedicou a sua vida à floresta frisou que Mação investiu. “Era pioneiro em tudo. Mas chegou-se à conclusão que era preciso mais do que estava a ser feito.”

E nesta linha fez questão de dizer que o primeiro incêndio de três dias que se lembro, na sua zona de residência, arderam 189 hectares de floresta. “Hoje o fogo é muito rápido, muito mais rápido. ”O fogo de julho de 2019 começou às 3 da tarde em Vila de Rei e em três horas andou três mil hectares. “Não fosse bater numa área ardida em 2017 onde ia parar?”

E contribui para isto o abandono dos campos, das aldeias, das hortas, da agricultura e a modificação da floresta que tem sido em quilómetros contínuos de floresta.

 

António Louro, Aflomação

“O que tem estado a ser feito não resulta. Aguenta uns anos, mas não resulta."

O que hoje é feito pelo estado era feito no início da década de 90 em Mação. Nós, nos últimos 25 anos não tivemos fogos começados em Mação que tivessem saído de Mação. Mas neste tempo tivemos 11 fogos que entraram descontrolados em Mação.

Mação, afirmou tem um problema grande, de micropropriedades, “80 mil propriedades para um concelho com 6 mil habitantes. E estas propriedades pertencem 75 a 80 por cento a pessoas não residentes no concelho.

Pelo que neste momento as AIGP, que são nove em todo o território. “Estamos a criar unidades maiores. Precisamos, para ter floresta, de ter cabras e ovelhas para comerem os combustíveis, olival e vinha. E depois teremos eucalipto e pinheiro. Não é paisagem nova. E andar com o filme para trás 70 anos e retomar a paisagem de Mação de 1950.”

 

António Louro, Aflomação

O dirigente da Associação Florestal de Mação mostrou depois um exemplo das dificuldades de “montar” estas estratégias que mexem com as propriedades. Mostrou um mapa com a AIGP de Cardigos, outro do país a mostrar onde vivem os proprietários dos terrenos de Cardigos. Esta AIGP tem uma área de 2.038 hectares para uma aldeia com 800 residentes e mais de seis mil propriedades. Ora, isto é um desafio muito grande.

 

António Louro, Aflomação

Há 62 AIGP no terreno com o dinheiro a chegar. Há uma ideia clara de aumentar a produtividade para as três fileiras (eucalipto, pinho e sobreiro) porque “vamos ter produção ordenada.”

A maior preocupação tem a “ver com os prazos curtos impostos pelo PRR”.

João Paulo Lé, da Navigator, trouxe ao debate um olhar sobre a floresta de produção, deixando uma apresentação das suas características. O consumo de madeira aumentou 30% nas últimas e décadas e, nesta matéria, Portugal tem desafios e oportunidades. Indicou que não há margem para fazer crescer o território florestal no país, mas afirmou “que pode ser mais bem gerida”.

E este responsável indicou um dos graves problemas da floresta de uma parte do interior do país. “Tenho 30 parcelas de terreno que não somam 7 hectares, e muitas em zonas sem cadastro. E há zonas em que já não se sabe fazer a distribuição das parcelas.”

João Paulo Lé indicou que há um equívoco grande quando se fala das espécies que mais ardem em Portugal. Não é o eucalipto ou o pinheiro, mas sim os matos.

Governo está a anunciar um plano de intervenção para a floresta em 2025, que deverá ser apresentado em fevereiro. E acrescentou que os produtores defendem coisas muito simples. “Simplificação de procedimentos para a floresta. Temos de ter projetos sustentados no tempo. Dividir em áreas, temos áreas que arderam há dez anos e ninguém lhes mexeu.” E não pode cair no esquecimento a necessidade de um plano para combater as infestantes.

E depois há medidas de longo prazo. “Há algumas medidas que tem de ter tempo longo. Não pode mudar o governo e mudar as políticas. Os tempos da floresta são diferentes.”

João Paulo Lé apontou o futuro com o sequestro de carbono e novos produtos gerados pela floresta. A Navigator quer entrar nas para celuloses moldadas para alimentação e couro feito partir de fibras, sem esquecer os biocombustíveis

 

João Paulo Lé, Navigator

 

A segunda parte desta conferência resultou numa aula de Filipe Duarte Santos sobre alterações climáticas. Começou por indicar "que falar sobre alterações climáticas e difícil porque as notícias não são assim muito boas".
Entre a apresentação de quadros e quadros de temperaturas, pluviosidade, seca com os reflexos no armazenamento de água e depois na agricultura e florestas.

Uma das preocupações, notou, é o índice de aridez. De 1960 a 90 só uma zona do Alentejo tinha um índice de aridez elevado. De 2010 a 2020 esse índice alargou até ao vale do Tejo.

Transição energética tem de avançar, frisou, essencialmente tem de haver uma maior eficiência no uso da energia. Tem de haver compensação e aí entra a floresta saudável que consegue fazer o sequestro de carbono. Porque emissões zero não existem, pelo que a floresta contribui com uma espécie de emissão positiva. Mas tem de ser floresta saudável. E não se esqueceu de referir que nos incêndios, quando existem, criam picos de emissão muito elevados.

Já sobre os incêndios indicou que tem existido uma tendência de diminuição de área ardida em todo o sul da Europa, apesar da subida do risco de incêndio. Mas depois existem os incêndios de grande dimensão que “são uns monstros”.

 

Filipe Duarte Santos, especialista em alterações climáticas

 

João Paulo Catarino, secretário de Estado das Florestas, nos governos de António Costa (PS), trouxe para o debate a ideia que o PS teve, de territorializar a floresta.

Havia, disse o agora consultor florestal, problemas em todo o interior de Abrantes e Sardoal para norte, e na serra do Caldeirão muitos problemas.

Entre as explicações das ideias que foram sendo aplicadas indicou os “270 milhões de euros do PRR e do Fundo Ambiental para garantir apoio a 20 anos”, para as AIGP. Mas continua a haver um grande problema que tem a ver com as propriedades, a sua divisão e a sua posse. “Temos 12 milhões de prédios onde 9 milhões não têm cadastro. 35% dos prédios são heranças indivisas, mas na realidade serão cerca de 50%. Há prédios rústicos de heranças indivisas que resultam de outras heranças indivisas. E há casos de um herdeiro ter 1/52 avos de herança de três hectares.” E é aqui que está uma dos grandes problemas quando se quer intervir na floresta.

João Paulo Catarino referiu que a legislação permite que os herdeiros podem estar dez anos a pensar se aceitam ou repudiam a herança, e isso não pode acontecer. Defende uma reformulação nas Leis nesta matéria.

“Há necessidade de mexer na legislação para agilizar e contrariar o imobilismo no caso das heranças indivisas para evitar que fiquem ao abandono. 50% dos prédios rústicos estão nesta situação”.

E acrescentou ainda que, uma Lei semelhante para os prédios urbanos poderia resolver o drama dos edifícios ao abandono.

João Paulo Catarino disse que o maior desafio das AIGP são os prazos curtos. “São 100 mil hectares de intervenção e se calhar nem plantas existem em Portugal para estas intervenções."

João Paulo Catarino

 

A sessão juntou cerca de uma centena de pessoas e no final cada um levou um medronheiro para plantar. O medronheiro é um arbusto considerado como das plantas mais resilientes ao fogo.

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