Início da vacinação em lares ocorreu na Casa de Idosos de São José das Matas, em Mação. Foto de Arquivo
Autarcas, dirigentes de lares, funcionários da segurança social e do INEM estão no centro dos vários casos de vacinação indevida denunciados em vários pontos do país, alguns a ser alvo de inquéritos por parte do Ministério Público.
Alguns casos foram divulgados a nível nacional e chegaram mesmo a provocar demissões. No entanto, parece que o “mal” é geral e está espalhado pelo país, nomeadamente no que se refere à vacinação em IPSS’s e lares de idosos.
Em Vila de Rei
Na região, a Antena Livre teve conhecimento de algumas situações, nomeadamente na Santa Casa da Misericórdia de Vila de Rei onde, segundo informação que chegou à redação, a direção da instituição “incluiu, nas listas para receber a vacina, membros dos seus Órgãos Sociais, os quais não são na sua maioria assalariados da instituição nem têm qualquer função que envolva o contacto direto com utentes, profissionais internos ou externos dos lares detidos pela mesma”.
Valdemar Joaquim, diretor geral da instituição, afirmou à Antena Livre “não ter nada a esconder” e explicou que “na possibilidade de sobrarem vacinas, foi-nos solicitado que nós indicássemos pessoas que, eventualmente, poderiam ser vacinadas”. O critério escolhido, segundo o diretor, “foi a idade”.
“Dentro da Santa Casa temos colaboradores e temos os elementos dos Órgãos Sociais onde estão pessoas de mais idade”, continuou Valdemar Joaquim, justificando que, para além da idade, alguns padecem de problemas de saúde e, como tal, “têm toda a legitimidade por pertencerem a grupos de riscos”.
O diretor da Santa Casa da Misericórdia de Vila de Rei falou do processo da elaboração de uma lista “que distribuímos às autoridades competentes” e, perante a sobra de vacinas, “forma essas pessoas que foram chamadas na hora”.
“É um processo transparente, não se está aqui a favorecer ninguém em especial e é algo que nós assumimos porque foi feito com transparência”, até porque, como adiantou Valdemar Joaquim, “nós não tínhamos indicações do que é que deveríamos fazer ou quem é que poderia ser considerado, estabelecemos nós aqui um critério de idade, associado a outros problemas de saúde”.
Para o diretor da instituição, “há pessoas que estão a levantar uma celeuma à volta disto quando eu acho que não há razões para tal”.
As vacinas sobrantes foram aplicadas, segundo Valdemar Joaquim, a “apenas três pessoas” dos Órgãos Sociais “e as restantes “foram para colaboradores da Santa Casa”, um administrativo, um dos serviços externos, uma da Creche “e o resto foi do Apoio Domiciliário, que inicialmente não foram considerados”.
Na Santa Casa da Misericórdia de Vila de Rei “foram vacinadas entre 400 a 450 pessoas, entre utentes e colaboradores das três ERPI’s” da instituição “e também dos Cuidados Continuados”.
Aguardam agora nova data para a tomada da 2.ª dose da vacina.
Valdemar Joaquim, diretor geral da Santa Casa da Misericórdia de Vila de Rei
Em Carvoeiro, Mação
Outra das situações que tomámos conhecimento deu-se no Centro Social São João Baptista de Carvoeiro, no concelho de Mação. Também aqui, segundo o presidente da Direção da instituição, António Pereira, “enviou-se para o Centro Distrital da Segurança Social a listagem com o nome de todos os utentes, os nomes da Direção dos Corpos Sociais com os respetivos cargos que desempenhavam”.
Na altura, disse, “até ficámos na dúvida” se seriam ou não “contemplados” com a vacina. Afinal foram “e até ficámos contentes por já podermos entrar no Centro mais vezes porque já há três meses que não entrava no Centro Social”, disse, admitindo a vacinação.
A ausência do Centro Social tem sido “muito difícil porque ando muito por fora e uma pessoa fica sempre com o coração nas mãos. Não por nós, mas pelos nossos utentes”.
Sem problema em confirmar a situação, António Pereira disse mesmo que “fomos vacinados, ficámos satisfeitos, sem saber de coisa nenhuma e fomos vacinados pela 2.ª vez”. “Agora, de repente”, como avançou à Antena Livre, “apareceu este ruído todo à volta das instituições de te terem sido vacinados indevidamente”.
“Foi assim que as coisas aconteceram, sem nos apercebermos. Se soubéssemos que estávamos a ser vacinados indevidamente, queríamos lá agora ser vacinados… fico triste e com alguma revolta porque da Segurança Social, os técnicos avaliaram e pediram-nos a lista dos utentes, dos funcionários, da Direção e respetivos cargos, de quem frequentava mais o Centro Social. O tesoureiro não quis ser vacinado com receio de efeitos secundários e eu até lhe disse que tão depressa não mete os pés dentro do Centro. E agora isto… parece que nos caiu o céu na cabeça”, lamentou António Pereira.
A listagem passou ainda pelo Centro de Saúde de Mação, “onde a enfermeira conferiu a lista”. No Social São João Baptista de Carvoeiro houve uma funcionária que não quis ser vacinada, uma outra que o foi à última da hora porque tinha indicações médicas para não o fazer, mas em que a situação foi depois revertida, um utente que não quis ser vacinado e um outro em que foi aconselhado pelo médico para não levar a inoculação.
É um sentimento de revolta, assumiu António Pereira que explicou que “desde o primeiro confinamento andamos a fazer horários em espelho, ficámos entregues a nós próprios e tivemos que nos adaptar. Têm sido sete dias por semana, 12 horas por dia, com tanto sacrifício por parte do pessoal, em que alguns abalaram… foi muito duro e tudo a pensar nos utentes que precisavam agora de nós, porque no futuro poderemos ser nós a precisar que nos ajudem”.
O sentimento após a vacinação foi de alegria e a pensar que “já podíamos lá ir [ao Centro], sentarmo-nos ao pé dos utentes, falar com eles, dar um abraço… é que ninguém vê o que as instituições, as direções, que a maior parte das vezes não são remuneradas, dão o seu melhor e dedicam-se a uma causa 24 horas por dia”, disse, em jeito de desabafo.
A denúncia
António Pereira confirmou que já entrou em contacto com a Segurança Social sobre a situação e acrescentou saber “que foi uma denúncia que saiu da parte da saúde”. Explicou que “o presidente da Assembleia Geral, que está comigo no lar desde 2008, também foi vacinado”. No entanto, Nuno Bragança, presidente da Assembleia Geral do Centro São João Baptista, “tem uma aplicação no telemóvel e viu que alguém mexeu no historial de saúde dele. Entraram com a senha e ele viu quem mexeu. A partir daí, as coisas desenvolveram-se e é o que temos”, afirmou António Pereira.
De referir que Nuno Bragança é também o presidente da Junta de Freguesia do Carvoeiro.
António Pereira, presidente da Direção do Centro Social São João Baptista de Carvoeiro
Em Ortiga, Mação
Já no Centro Solidariedade Social Nossa Senhora das Dores, em Ortiga, no concelho de Mação, a situação repetiu-se. À Antena Livre, Afonso Matias, presidente da Direção, começou por dizer que “tenho 75 anos, sou uma pessoa de risco e devia ser mais utente do que propriamente dirigente”.
Afonso Matias explicou que passa todos os dias no Centro, “estou lá todas as tardes e estou em contacto com os utentes”. Aquando do pedido da lista, foram enviados “todos os nomes dos utentes, dos colaboradores e dos dirigentes que lá passam todos os dias. Iam os nomes na lista e nós fomos vacinados”.
Afonso Matias reforçou o facto de estarem todos os dias na instituição “e ninguém nos paga isso. É tudo pro bono”.
Afonso Matias também falou de um sentimento de revolta pois “é pena que assim seja com os dirigentes destas casas. Agora tive algum benefício, quando já aí vinha a terceira vaga da pandemia, mas esquecem-se que eu tenho 75 anos e alguns problemas clínicos e ninguém me veio perguntar ou dizer que em caso de problema, estou aqui para te substituir”.
“Preocupam-se com porcarias, com miudezas, mas naquilo que é importante nunca cá está ninguém”, afirmou.
Afonso Matias falou do “trabalho de proteção dos utentes” no Centro Solidariedade Social Nossa Senhora das Dores, “que passa pelo comportamento das empregadas, passa pelo comportamento das visitas, passa pelos gastos que tivemos com a compra de material e de tudo e mais alguma coisa”. Na instituição, foram criadas salas privadas para as visitas aos utentes e também foi adquirido material tecnológico para permitir as videochamadas com familiares, “mas com isso ninguém se preocupou”.
“O diretor da instituição foi vacinado porque vinha na listagem para ser vacinado. Não há aqui nenhum atropelo e, se calhar, é preferível do que deitar-se frascos de vacinas para o lixo”, acrescentou. Para Afonso Matias, “isto é muito triste” e relembrou que “começa a faltar gente para tomar conta destas coisas porque são logo apontados quando algo corre mal, mas quando fazem o bem… eu estou no Lar há 12 anos e o meu prémio, provavelmente, for ter sido vacinado oito dias antes”, disse, em jeito de desabafo.
Afonso Matias, presidente da Direção do Centro Solidariedade Social Nossa Senhora das Dores
Em Abrantes
Ao conhecimento da Antena Livre chegou também que idêntica situação possa ter ocorrido no Centro de Integração e Recuperação de Abrantes (CRIA). Sabe-se que a vacinação no CRIA, de acordo com informação publicada na página de Facebook da instituição, aconteceu na quinta-feira da semana passada, dia 28 de janeiro. Até ao momento não nos foi possível o contacto com o diretor, Nelson Carvalho. Vamos continuar a tentar para confirmar esta situação.
Vacinar pessoas sem prioridade é crime e a pena pode chegar aos oito anos de prisão
De relembrar que o secretário de Estado Adjunto e da Saúde, António Lacerda Sales, reafirmou que haverá "tolerância zero" para vacinações indevidas e que o plano de vacinação contemplará listas suplementares para as vacinas sobrantes.
"O grupo de trabalho tem reforçado as suas orientações para que no caso de haver doses sobrantes, existam listas suplementares elaboradas com critérios de priorização do plano de vacinação, para que possam ser usadas as vacinas sobrantes" afirmou.
O governante revelou que essas listas "não existiam" e que eram as entidades responsáveis pela vacinação que elaboravam a listagem, defendendo que "na generalidade o processo tem
Informou ainda que estão a ser promovidas pela Inspeção de Atividades em Saúde auditorias de âmbito nacional e há "procedimentos que terão sanções quer ao nível disciplinar e criminal, se durante a sede de inquérito tal se provar".
Questionado pelos jornalistas sobre se estão garantidas as vacinas necessárias para as segundas doses, afirmou que "está garantida a administração da segunda dose a todos os que levaram a primeira", incluindo os que a tomaram invalidamente".
Quem determinar a vacinação de pessoas sem prioridade pode incorrer num crime de recebimento indevido de vantagem, peculato ou até mesmo burla e a pena pode chegar aos oito anos de prisão.
Também a Comissão Europeia defende sanções a quem desrespeitar regras de vacinação. Os Estados-membros da União Europeia (UE) devem “organizar sanções” sobre as pessoas que desrespeitem a estratégia da vacinação contra a covid-19, defendeu na terça-feira o comissário europeu da Justiça, Didier Reynders, numa audição na Assembleia da República.
Jerónimo Belo Jorge e Patrícia Seixas
C/ Lusa