Francisco Lopes tem várias paixões. Os livros e a escrita sempre fizeram parte daquele que dirigiu a Biblioteca Municipal António Botto durante muitos anos. Mas o “pegacho” tem uma outra paixão, as árvores. E, enquanto jovem, ia do Pego para as Mouriscas com os pais, para a agricultura. E é nas Mouriscas que está a Oliveira do Mouchão, que conta hoje com mais de 3.350 anos. Muito antes das Mouriscas, de Abrantes ou de Portugal. Uma paixão que passou dele para o papel com ilustrações de Paulo Alves. E do livro saiu uma exposição “Oliveira do Mouchão, monumento vivo” que pode ser contemplada ate 1 de abril na “casa dos livros” de Abrantes, na Biblioteca António Botto.
Por Jerónimo Belo Jorge
Dentro do livro “Oliveira do Mouchão, monumento vivo” há literatura, há história, mas há também um gosto especial por árvores?
Sim, há uma paixão assolapada. É a minha grande paixão de vida, talvez. Eu planto árvores para cá ficarem quando eu não estiver, absolutamente para mais nada. Às vezes até tenho uns vizinhos que dizem “para que é que queres isso. Isso não dá nada”. E eu respondo: dá sombra, dá cores maravilhosas no outono. Há um sentido utilitário que as pessoas vêm nas coisas, daí eu procurar plantar árvores que não tenha m, forçosamente, que dar um fruto ou retirar delas qualquer coisa que possa ser vendida. Não é isso que me interessa...
... isso provoca um olhar diferente para esta Oliveira (do Mouchão) que não apenas olhar para a sua história, ou o azeite...
... eu acho que isso é importante, o azeite é uma componente muito significativa da nossa identidade no concelho. Não retiro importância a isso. Mas há mais para além disso. Antes de tudo há vida. Eu tenho uma grande relação afetiva com as árvores. Há um grande cientista italiano de biologia botânica que trabalha com a NASA há muitos anos e que criou um ramo de ciência “neurobiologia vegetal” e é assustador só de pensar nisso. Ele diz “nós precisamos de encarar o mundo muito mais numa perspetiva vegetal do que numa perspetiva animal”, porque na realidade (dados que ele cita) o peso de todos os seres vivos animais que existem à face da terra é apenas de 0,33% da biomassa total do planeta. As árvores é do que nós, seres humanos, mais necessitamos para sobreviver. Só as árvores nos podem salvar das alterações climáticas. E isto só aumenta a minha paixão por árvores.
Ainda se lembra da primeira vez que observou a Oliveira do Mouchão?
Já a conhecia antes de ser catalogada. Senti um espanto extraordinário quando percebi estar perante um ser absolutamente incrível. Quando o método científico credível, à luz do conhecimento atual, nos diz que estamos perante um ser vivo com três mil trezentos e não sei quantos anos é o que diz ali o José Luís Peixoto e que algo que nos ultrapassa e que nos faz sentir insignificantes. Uma árvore com 100 anos, regra geral, acabou a adolescência, está perto da idade adulta. É outra escala que temos de nos habituar a pensar. Há pessoas que dizem “ah! mas é muito tempo para dar fruto”, por isso é que digo “plante já.” Hoje há um outro problema associado que tem a ver com os incêndios florestais, há uma componente política das medidas preventivas que estão a ser tomadas que são absolutamente assassinas e que criam a ideia que precisamos de menos florestas. E isso não é verdade. Claro que precisamos de ordenamento. Mas não precisamos de menos árvores. Precisamos de muito mais árvores. Todo o planeta deveria estar a plantar árvores. Elas podem fazer regredir os desertos.
“Senti um espanto extraordinário quando percebi estar perante um ser absolutamente incrível”
A ligação à história é também difícil de catalogar. Não podemos dizer é das “Invasões Francesas”, ou do “Tempo de D. Afonso Henriques” ou do tempo de “D. Dinis”?
Sim, aqui (há 3.350 anos) estávamos na Idade do Ferro. Por isso para ir buscar as grandes civilizações de referência temos de ir buscar exemplos, ao Médio Oriente, ao Egito, à Grécia, aos Fenícios, à Mesopotâmia que já fica mais afastada. É aí que encontramos essas grandes civilizações e no Museu ali ao lado (Museu Ibérico de Arqueologia e Arte) também nos mostra isso, porque nos mostra o tal mundo a duas velocidades que nos mostra as peças encontradas no nosso território, incluído algumas encontradas ali perto da Oliveira do Mouchão, a Anta do Rio Frio. E o que nós encontramos é cerâmica dos primeiros povos comerciais do mundo, do Mediterrâneo, e que é uma história de um mundo mais desenvolvido. E a Oliveira do Mouchão estava lá antes disso tudo.
A Oliveira do Mouchão é um marco e pode ser visitada em Mouriscas ou aqui na exposição. Mas que outras árvores imponentes é que podemos encontrar aqui em Abrantes?
Duas aqui à frente de nós, no Jardim da República. Dois cedros-do-atlas fantásticos que estão agora, de facto, a chegar à pujança da idade adulta, têm 100 anos. A araucária que está além, perto da Igreja de S. Vicente que é um ícone de Abrantes. Há outras, um Freixo no Tramagal, por exemplo, que está classificado. E há muitos outros. Mas o património de Abrantes tem uma relação com as árvores que passa para além disso. Dos primeiros sítios onde, provavelmente, se plantaram Eucaliptos em Portugal foi no concelho de Abrantes. Por isso temos topónimos, ali para o lado da Bemposta, como Nova Austrália, Nova Tasmânia. Porquê? Porque veio um inglês para Portugal, no século XIX, para plantar eucaliptal. Não era para pasta de papel, era para aquelas pomadas que se põem no peito para quem tem problemas respiratórios. Mas há outros exemplos, a Real Fábrica da Seda do Marquês de Pombal que plantou milhares de amoreiras em Abrantes e que criou uma significativa artesanal de tecidos de seda. Mas há as oliveiras e sobreiros muito significativos.
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