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Mouriscas: ACROM recupera azenha na ribeira da Arcês para moer trigo e milho (c/áudio e fotos)

27/04/2024 às 15:50

As Ribeiras de Arcês e do Rio Frio que dividem a freguesia de Mouriscas, de um lado para o Penhascoso e Ortiga e do outro para o concelho de Sardoal e freguesia de Alferrarede tiveram, em tempos idos, dezenas de azenhas e lagares. Muitas famílias faziam a moagem de milho e de trigo, e aproveitando as épocas em que os cursos tinham água suficiente para fazer rodas as mós acabavam por viver perto desses edifícios onde tinham hortas, porque tinham água dos açudes das ribeiras.

Os tempos foram mudando, as descendências deixaram de cultivar estes terrenos, as azenhas deixaram de moer, os incêndios e os anos fizeram o resto. Deixaram em ruínas a quase totalidade destes edificados. E basta percorrer os trilhos das ribeiras, ao longo da Grande Rota 55, só para dar um exemplo, para perceber o que teriam sido aqueles locais nos anos 30 40 ou 50 do século passado.

Apesar deste hiato há, aqui e acolá, uma ou outra que estando menos destruída acabou por ser recuperada para fins de preservação do património material e imaterial. Queixoperra teve há um par de anos a recuperação de uma das suas muitas azenhas. O ti Timóteo ainda tem a sua a funcionar. E mesmo que não consuma as totalidades das farinhas, ainda lá vai moer uns grãos de milho.

E agora, deste este sábado, a Arcês viu ser inaugurada a Azenha do Manel do Tojal. Dia de festa quando a água foi desviada para a roda e esta começou a rodar a pôr em marcha o mecanismo hidráulico que dá vida às mós dentro do edifício. São duas rodas. Uma para o milho e outra para o trigo. E neste sábado estiveram as duas a produzir farinha para as fotografias e para poder ficar na retina de muitas pessoas que viram, pela primeira vez, a forma ancestral como os nossos familiares adquiriam as farinhas. E não é preciso muito, basta recuarmos 50 anos, aos tempos, por exemplo, do 25 de abril.

É lógico que as farinhas eram mais grossas, até para que não existisse um desgaste rápido das pedras a rodarem para esmagar os grãos que vão caindo numa cadência lenta para serem pisados pelas pedras.

A Azenha do Manel do Tojal

Corria o ano de 2016, ainda nem se pensava em pandemias, quando um grupo de mourisquenses, que viria a dar vida e corpo à ACROM (Associação Cultural das Rotas de Mouriscas), encontrou no Orçamento Participativo de Portugal o financiamento para a criação da Grande Rota (GR 55) do Tejo, Arcês e Rio Frio.

Conta António Louro, presidente da ACROM, que isto começou ainda antes desta associação. Havia um grupo que se chamava GARA (Grupo dos Amigos da Ribeira da Arcês) que começou a querer vir para estas zonas, onde era difícil aceder. OS caminhos não existiam ou estavam cobertos de vegetação, de tal forma, sendo preciso desbravar muitos trilhos para poder chegar a estes locais que os mais velhos conhecem.

Em 2017, quando ganharam o Orçamento Participativo começou então um trabalho mais sério de criar os caminhos e, dessa forma, olhar para o património que então foram descobrindo ou criando novos acessos.

“Este foi o nosso primeiro projeto de recuperação”, conta António Louro que acrescenta que desde o princípio houve a intenção de recuperar esta azenha, através de um contrato de comodato com a família.

A azenha do Manel do Tojal foi a escolhida “porque ainda tinha a roda aguadeira, o rodízio não estava onde está, mas conseguimos encontra-lo e recuperá-lo. Há outras azenhas aí, mas será muito difícil recuperá-las.”

O presidente da ACROM destacou a parceria feita com a Tagus, associação de desenvolvimento local, que abriu portas ao Portugal 2020, num programa de apoio comunitário chamado “Renovação de Aldeias”, para conseguir uma parte do financiamento para esta recuperação. Foi um apoio de 20 mil euros, de um investimento total em que a ACROM juntou mais 30 mil e que permitiu estes trabalhos. E depois pode ainda acrescentar-se todo o voluntariado dos homens e mulheres que permitiram chegar à recuperação da Azenha. Porque a levada tinha pontos com roturas que tiveram de ser corrigidos, para não falar das manutenções dos trilhos que permitem, hoje, chegar em segurança ao local.

“Foi fabuloso”, diz António Louro, quando a azenha rodou a primeira vez após os trabalhos de reparação e recuperação. Mas o trabalho não foi apenas na azenha e nos seus mecanismos. “Foi preciso recuperar os 450 metros de levada”, ou seja, os 450 do canal paralelo à ribeira, que leva a água até aos mecanismos hidráulicos.

E para marcar o arranque da azenha, quem participou no evento levou para casa um pequeno saco com farinha moída naquelas pedras.

Já sobre o futuro, António Louro diz que a associação poderá fazer caminhadas culturais, com paragem na azenha para se poder ver a trabalhar, enquanto a ribeira tiver água. Ou, caso exista um grupo a querer espreitar como se fazia a farinha de trigo ou milho, poderá sempre entrar em contacto com a associação para perceber a melhor forma de lá chegar.

 

António Louro, presidente ACROM

António Louro referiu que a pandemia quase levou a que o projeto tivesse ficado pelo caminho, mas a resiliência do grupo impediu que isso acontecesse.

Susana Filipe, pelo executivo da Junta de Freguesia de Mouriscas, enalteceu o trabalho feito que vem ajudar a valorizar as tradições e a freguesia de Mouriscas.

Conceição Pereira, a coordenadora da Tagus, referiu que a associação contribuiu com o pacote financeiro “irrisório” para o esforço total feito pela associação. E, mesmo em fase de transição de Quadro Comunitário de Apoio, frisou ser muito importante que surgissem muitos mais projetos como este, nos três concelhos em que a Tagus tem a sua área de trabalho.

A medida “Renovação das Aldeias” destina-se a juntas de freguesia, associações locais ou para o município por forma a encontrar projetos que apontem à “valorização da nossa identidade, dos nossos antepassados, das nossas vivências, e conseguir projetá-las para o futuro. Não há nada mais bonito do que vermos ali as crianças a perceber como é que se fabricava a farinha para o pão, como era a nossa realidade.”

“Seria maravilhoso que encontrássemos mais projetos desenvolvidos pela ACROM e pela comunidade local, para valorização do património.”

 

Conceição Pereira, coordenadora Tagus

Já Luís Filipe Dias, vereador com o pelouro da Cultura do Município de Abrantes, estevem presente nesta inauguração e lembrou uma das primeiras caminhadas, para recuperação das pequenas rotas.

Luís Filipe Dias frisou a presença da família do Manel do Tojal, dos proprietários da azenha, e depois saudou “os engenheiros hidráulicos” que permitiram este momento. Entenda-se por engenheiros hidráulicos, os elementos da ACROM que foram os obreiros deste projeto.

O vereador, ao dizer que estes homens são arquitetos e moleiros, poderão vir a ser padeiros. E lançou o desafio ou a possibilidade a acrescentar mais valor à azenha com a construção de um forno comunitário que permitiria cozer o pão com a farinha da azenha. Luís Dias frisou que já lançou o desafio aos dirigentes da ACROM.

E vincou que é “aqui que fazemos os encontros de gerações”, sem esquecer de se referir ao monumento vivo que “recebe visitas de todos os cantos do mundo”, referindo-se à Oliveira do Mouchão.

“É por estes homens e mulheres que vale a pena trabalhar em prol das comunidades”, finalizou Luís Filipe Dias.

Luís Filipe Dias, vereador CM Abrantes

Depois, os participantes na caminhada foram espreitando a moagem do trigo e milho, levaram para casa o brinde ou umas gramas da farinha moída na azenha do Manel do Tojal. E seguiu-se um beberete de convívio.

 

Antes, pouco depois das 8 da manhã, o grupo seguiu caminho fora em direção à ribeira. Aqui e ali os três guias, membros da direção da ACROM, foram explicando por onde se caminhava, destacando um ou outro nome mais curioso, como o pisão bruxo ou o buraco da moura. E nestes cantos pode juntar-se sempre umas lendas ou estórias que foram sendo contadas de avós para netos. A ponte, já muito antiga, sobre a ribeira o grupo entrou em território do concelho de Sardoal para, mais à frente, poder usar uma ponte de madeira e regressar ao concelho de Abrantes. Aqui e ali ouve-se um rouxinol a cantar, na ribeira pode perceber-se a existência de lagostins de água doce e algumas zonas por onde andam os javalis, dizem os mais conhecedores da fauna e da zona.

A caminhada é aproveitada por outros para poderem levar rosmaninho, flores de sabugueiro e outras plantas, que asseguram serem boas mezinhas para a gripe ou outras maleitas. Quando entramos na zona da levada, caminha-se por um muro, onde existe uma corta para equilíbrio e podemos apreciar ruínas de outras estruturas agrícolas. E houve quem se lembrasse que “ali em cima” andava uma burra preta, a meia encosta.

Pelo meio de muitas gargalhadas e muitas fotografias o grupo lá chegou, menos de três quilómetros depois da partida, ao ponto principal, à azenha do Manel do Tojal que voltou a ter a mós a rodar e a moer trigo e milho.

Galeria de Imagens

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