SALPICOS DE CULTURA.....
Damásio é de facto um investigador muito particular. Tenho lido a sua obra e vou acompanhando o que me parecem ser as suas tentativas de abrir novos mundos. Entendamo-nos aqui. Quando digo novos mundos, digo novas perspetivas de conhecimento.
De facto, desde o Erro de Descarte até esta sua última obra titulada Sentir & Saber – A Caminho da Consciência, publicada pela Temas e Debates coma a chancela da Bertrand Editora, ainda este ano, pode constatar-se que o nosso amigo Damásio não tem parado de mergulhar em mares desconhecidos. Fá-lo com convicção e sobretudo partindo de pesquisas sérias. Por isso, o que nos deixa escrito nas sua obras são bons documentos que, no seio da comunidade científica devem ser entendidos como marcos a não ignorar. Contudo, veja-se bem, Damásio parece ter dessa mesma comunidade algumas razões de queixa. Não é sentimento novo, já que de há muito se vinha manifestando tanto quanto a leituras apressadas das coisas que vem escrevendo, como de interpretações realizadas sem o cuidado de bem se saber o que o cientista quer de facto dizer com alguns dos conceitos que vem trabalhando.
Porém, quanto a mim este fenómeno não é novo, e provavelmente constitui-se uma pecha que remonta a momentos muito antigos na história da humanidade. Ou seja, nós humanos parece sermos possuídos deste gosto de desvalorizar o alheio, mesmo quando tupamos com alguma coisa que nos pode ajudar a caminhar melhor cá pela terra.
Esta última obra de Damásio é de facto mais um belo marco nos estudos das questões da mente e da consciência. Mas cuidado porque quem vá ler o livro pensando que vai encontrar resposta para tudo, é capaz de ficar um pouco desiludido já que o investigador, se tem, a intencionalidade de nos dar a conhecer muitos e novos conhecimentos, também tem a humildade de deixar dito que as suas interrogações são ainda muitas. De resto é ele mesmo que tal nos alerta para esse facto ao deixar escrito essa ideia, logo num capítulo inicial a que chama “Antes de Começar”. Repare-se no que que a citação abaixo expressa:
“O formato do livro que se prepara para ler tem uma origem curiosa e deve muito a um privilégio de que há muito gozo e a uma frustração. O privilégio consiste no facto de ter sempre contado com espaço abundante para explicar ideias científicas complexas, empregando o vasto número de páginas de um típico livro de ensaio. A frustração tem a origem nas conversas que ao longo dos anos tenho tido com numerosos leitores que me deram a saber que certas ideias, às quais dediquei tanto entusiasmo e que tanto queria dar a conhecer e a apreciar, se perderam no meio de longas apresentações, mal sendo notadas, e muito menos saboreadas.”
Pois é meus amigos, construir conhecimento científico é mesmo isto, abrir espaços para que novas ideias sirvam de alimento, mas constatar muitas vezes que quem delas se recorre, pouco mais faz que utilizá-las para abasteceros egos, nem sequer chegando, muitas vezes, a saboreá-las. Desejando que o ano de 2021 decorra com menos sobressaltos que este que agora chegou ao seu fim.
Despeço-me com amizade,
Luís Barbosa*
*Investigador em psicologia e ciências da educação
SALPICOS DE CULTURA, uma parceria com a Associação Internacional de Estudos Sobre a Mente e o Pensamento (AIEMP)