SALPICOS DE CULTURA...
“Natércia Freire e a atualidade”
Ultimamente tenho dedicado mais do meu tempo à leitura de poesia. De resto é exercício que aconselho, e custa-me mesmo a entender que lá pelo lado das escolas por onde andei, só um ou outro professor tenha feito o esforço de nos levar a ser aderentes dos poetas. Não faço aqui qualquer crítica aos docentes, bem pelo contrário, também sei que outros meus amigos tiveram professores que os levaram a estreito contacto com a poesia.
Depois a vida académica levou-me pelo caminho da investigação, e aí, foram mais os raciocínios lógico dedutivos, e as análises críticas que pontificaram. Porém, agora que os meus afazeres são outros, decidi mesmo que sentar-me calma e serenamente numa cadeira e ter por companhia um livro de poemas, é coisa, não só que me agrada, como me serve de exercício apaziguador da alma.
Não sou daqueles que gosto de pegar apenas num autor e ler de enfiada toda a sua obra poética. Gosto mais de ter por companhia autores diversos e ir lendo, deste ou daquele, os poemas que mais me falam ao sentir. Claro que há poemas que leio de princípio ao fim, mas também existem outros que deixo a meio. Porém, um tipo de poesia que muito me agrada é aquela que se apresenta como satírica, por vezes até algo mordaz, e se contiver um pouco de crítica social ainda melhor.
Função das ideias anteriores tenho-me socorrido de uma obra que muito me apraz, porque por ser uma antologia, contém muitos poemas e são também muitos os autores que nela se podem encontrar. Refiro-me aos “800 anos de poesia portuguesa” que é uma coletânea concebida por Orlando Neves e Serafim Ferreira e que foi publicada pelo Círculo de Leitores em 1973.
Bem, tenho tido a oportunidade de entrar em contacto com muitos poetas portugueses e se me sinto preso a esta obra é porque nela encontro os tais poemas que satisfazem os critérios de escolha que acima referi. Desta vez foi Natércia Freire quem me prendeu a atenção. Porquê? Porque justamente no momento em que me interrogo quanto ao que o chamado “consumismo” traz de pernicioso, encontrei nas páginas 336/337 um poema que muito me deixou a pensar. O título do mesmo é “Agiotas” e está datado de 1920.
Claro que só a leitura do título, deixou-me com vontade de aceder ao conteúdo do poema, mas o curioso é que ao ler logo os primeiros versos, achei contemporaneidade nos propósitos da sua autora. Vejamos então o que neles é dito:
AGIOTAS
Tempo de compras e vendas.
Tempo de vendas e compras.
Ai perfil, tempo de lendas
Ai tempo, perfil de sombras.
Pois bem, no momento em que vejo um frenesim tão grande de uns para tudo comprarem, e de outros para tudo venderem, achei uma imensa atualidade neste conjunto de versos. De facto, se este conjunto de ideias datam de 1920, e se em 2021, elas são tão atuais, o que se pode perguntar é: então o que mudou realmente na maneira de ser e estar do próprio homem? Bem, eu não vou aqui tecer considerações a propósito, já que penso que tal é inusitado. Contudo, aqui fica a poesia para que através dela possamos pensar mais e melhor sobre o nosso próprio caminhar.
Despeço-me com amizade,
Luís Barbosa*
*Investigador em psicologia e ciências da educação
SALPICOS DE CULTURA, uma parceria com a Associação Internacional de Estudos Sobre a Mente e o Pensamento (AIEMP)