SALPICOS DE CULTURA…
«Da energia do amor, à sua força»
Para mim, os momentos atuais são propícios a reler algumas obras que, entretanto, foram ficando mais arrumadas nas prateleiras,ou como se diz correntemente, deixaram de estar à mão de semear.Uma delas, que em tempos de estudante li com cuidado, chama-se “Diálogos de Amor”. Escrita por Leão Hebreu, que viveu entre 1465 e 1535, foi reeditada pela Imprensa Nacional – Casa da Moeda, na coleção Pensamento Português, em 2001.
Foi um livro a quedediquei atenção dobrada. Porquê? Porque enquanto estudante de questões filosóficas comecei a interessar-me pelas temáticas da Física Quântica, e em particular pelas que dizem respeito à “energia” do amor. Sim, digo bem, do amor, porque fui constatando que para alguns físicos quânticos, o amor, ou a energia que ele representa, parecia-lhes ser o grande lastro do Universo. Bem, verdade se diga que na altura da leitura da obra já tinha uns quantos anos de idade. Contudo, as temáticas abordadas fizeram que trouxesse à mente muitos dos factos vividos por mim próprio quando,ainda na adolescência, comecei a entrar na chamada vida adulta.
O certo é que o recurso à obra “Diálogos de Amor” aconteceu quando ainda estudante de Filosofia, e tendo constatado que na área da Física Quântica se procurava saber como a tal energia poderia fazer mover o universo, resolvi propor a um professor desenvolver um estudo em que procurasse verse, de acordo com o conhecimento científico existente, seria possível vir a saber-se qual a forma e adimensão da tal energia. Feyneman e Einstein estavam na moda, Freud também, de Damásio não conhecia a sua obra, e eu tinha necessidade de ir fazendo os trabalhos que me permitissem passar nas disciplinas académicas. O facto é que o professor aceitou a minha proposta, e eu comecei a trabalhar o tema.
Na altura alguns outros professores com quem privava deram-me por conselho voltar à antiga Grécia, e ler o que então os seus grandes filósofos tinham dito e escrito sobre o amor. Bem, verdade se diga que outros deram-me outros conselhos. Por via disso deixei passar os olhos por muitas obras que falam sobre o amor. Até que, um dia, em conversa preparatória para iniciar o trabalho que queria fazer, um daqueles professores que continuo a reter na mente comodos mais amigos perguntou-me se eu já tinha lido alguma obra de Leão Hebreu. A resposta que lhe dei foi que não e, quase de rajada, esse professor, olhando-me com alguma estranheza, disse-me com voz firme: “Então tens mesmo de ler a obra que esse filósofo escreveu e que se chama “Diálogos de Amor”. Claro que dali em diante fiquei a entender que seria difícil fazer o tal trabalho,caso não lesse a obra recomendada.
Refiro aqui algumas particularidades que me saltaram à vista:primeiro, o facto de estar na presença de um judeu lisboeta cujo nome verdadeiro era expresso na obra por Judá Abavanel; depois,fiquei a saber o período em que viveu e ainda que com Pedro da Fonseca e Francisco Sanches, filósofos mais recentes, integrava a chamada trindade do pensamento filosófico português do século XVI, tendo a obra sido escrita primeiro em italiano e publicada postumamente, no ano da sua morte.
Bem, pouco importa saber qual a nota que obtive no trabalho que realizei, mas talvez seja interessante dizer que algumas coisas mais fiquei a saber sobre o amor. Na obra Leão Hebreu escreve sobre a essência do amor, disserta sobre a sua universalidade, procura a sua origem e deixa reflexões sobre os seus efeitos.
João Vila – Chã é quem a apresenta. Fá-lo em longo texto onde deixa saber muito do que foi a vida do filósofo e do seu pensamento. Porém, antecedendo o próprio escrito do autor,deixa expressa a seguinte ideia:“Aquilo que Leão Hebreu mais pretende clarificar é, com efeito, o enigma que consiste no facto de a ligação dos corações não se poder separar da correspondente ligação das mentes. A sua obra, por outras palavras, está animada por uma visão marcada por um grande otimismo e a mais profunda elevação espiritual”.
A minha aproximação a Leão Hebreu foi importante. É que enquanto para mim a questão era saber como se poderia, alguma vez, vir a ter uma ideia sobre a dimensão cósmica da energia do amor, para o filósofo o que interessava era saber qual a sua essência. Mas que outras coisas pude eu aprender na altura? Três foram, entre outras, as grandes certezas que extraí da leitura da obra: primeiro, que a ligação dos corações que amam não se separa das mentes que dispensam o amor; depois, que a entrega amorosa tem muita força quando é bem sucedida e, por fim, que é algo que dá como fruto um pensamento otimista.
Por ser judeu Leão Hebreu foi forçado a deixar Portugal e a procurar refúgio em Castela, deixando para trás não apenas a mulher como os seus filhos. Em 2001, João Vila-Chã, ao apresentar a reedição da obra, deixa dito sobre o autor o que passo a citar,
“Particularmente interessante, neste caso (lembro que o caso era, para o filósofo,saber qual a força do amor) é enveredar por um caminho em que não se pode dispensar a metáfora do Universo como organismo, imagem esta, aliás, em função da qual o seu autor finalmente pretende demonstrar ser o nosso amor e cuidado do mundo, o qual sempre passa pelo cuidado dos outros, uma forma superior de conduta e, por consequência, merecer todo o esforço de interpretação e entendimento.”
Desatualizados estes pensamentos? Penso que não, ao invés, sendo ideias que transcorrem a obra de alguém que a escreveu perto de 1500, até parece que quem o fezestava a antever as necessidades que hoje, pese embora sintamos delas tanta falta, continuamos a procurar manter as mesmas como marca da relação humana.
Despeço-me com amizade,
Luís Barbosa*
*Investigador em psicologia e ciências da educação
SALPICOS DE CULTURA, uma parceria com a Associação Internacional de Estudos Sobre a Mente e o Pensamento (AIEMP)