SALPICOS DE CULTURA….
“Verdade e contradição”
Sou fã da poesia de Nuno Júdice. Acho-a muito sentida, e vejo nela um esforço permanente de busca pela essência das coisas. O autor expressa-se de forma simples, escolhendo bem as palavras e transmite os sentimentos de maneira muito direta. Ao ler este nosso poeta fico com a sensação que compreendendo melhor os homens, entendo mais a dimensão cósmica onde todos nós nos movemos.
Um livro de Nuno Júdice apareceu-me quando, procurando ver o que alguns autores portugueses já tinham escrito sobre a questão da verdade, dei com a obra “Linhas de água”. Fiz esta pesquisa na sequência de algumas entrevistas que vi transmitidas pela televisão, e em que os entrevistados se diziam vítimas de injustiças diversas, negando a veracidade dos vereditos que as autoridades judiciais sobre eles emitiram.
Claro que não vou aqui tecer seja que juízo for sobre o que ouvi. Nem mesmo deixar expresso opiniões a favor ou contra quem quer que seja. Apenas me interessa realçar o facto que após ter dedicado atenção aos programas que vi, mais do que pensar quem eventualmente poderia ter razão face aos factos contados, dei comigo a pensar na questão de saber como podemos nós, seres humanos, estar ou ficar perto da verdade.
Então foi o tema “verdade” que no meu espírito se tornou a questão que mais me mobilizou. Folheei com cuidado a obra acima referida. O livro é de pequena estrutura, foi publicado em França pelas edições Brondum, em 1998, e teve o apoio do Instituto Camões.
São vários os poemas que falam sobre os sentires do homem, e é grande a ligação desses sentires à natureza que nos rodeia. Porém, fiel à minha pesquisa, tive a sorte de encontrar, na página 34,um cuja temática é mesmo a questão da verdade. O título é JOGO DE IDEIAS, e o tema da verdade é abordado de forma ampla.
Vejamos como o autor o trata:
Dizeis então que não há verdade
de cada vez que o dia muda, que
só quando o céu de hoje está igual
ao de ontem, e o de ontem ao de amanhã,
é que as coisas permanecem, e
o homem pode confiar no destino.
Quando, porém, é que isso acontece?
Só se a gramática nos trouxer novas
certezas, ou se as frases de que nos
lembramos se tornarem outras
frases na boca de quem as disse, é que
poderemos saber que a verdade não é
uma agora e outra logo a seguir.
Talvez por isso não sabeis o que dizeis;
e será melhor repetir o que foi dito
para que não se fique a saber que
uma coisa é o que se diz e outra
o que se sabe, ou até mesmo o contrário.
Bem,que fiquei eu a saber sobra a verdade? Primeiro que segundo Nuno Júdice as coisas permanecem e o homem pode confiar no destino. Depois que muitas vezes num momento se diz uma coisa para logo a seguir se dizer o seu contrário. Por fim que o melhor é acautelar porque “uma coisa é o que se diz, outra o que se sabe, e não raro uma coisa é o que se sabe, e outra o que se diz”.
Despeço-me com amizade,
Luís Barbosa*
*Investigador em psicologia e ciências da educação
SALPICOS DE CULTURA, uma parceria com a Associação Internacional de Estudos Sobre a Mente e o Pensamento (AIEMP)