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Entrevista: Tina Jofre: Cantar afasta a tristeza!

7/10/2023 às 10:30

Foi na sexta-feira, 15 de setembro, que o Pavilhão Desportivo de Constância “se vestiu” de forma diferente, com fato de gala de cultura, para a comemoração dos 60 anos de carreira da fadista, autora e compositora, Tina Jofre.

A celebração contou com carrilhão, sevilhanas, fado, vozes com o Coral de Tancos, e muito acordeão. Tino Costa, Nuno Barroso, Catarina Rocha, João Loi, Raul Caldeira, a carrilhanista Ana Elias foram nomes que fizeram a festa da fadista de Constância.

Entrevista por Jerónimo Belo Jorge com Jade Garcia

 

60 anos de carreira. Quando é que começou a primeira experiência de cantar? Ainda se lembra de quando é a corda vocal começou a funcionar?

Claro que há. Não sei se isto foi carreira ou não, mas para mim, foi um percurso ótimo e sempre a cantar. Desde os 6 anos de idade. Em 15/09/1963 fiz a minha primeira estreia em público e já a ganhar algum dinheiro aos 15/16 anos, por isso agora faço os 60 anos de atuações em público, mas de qualquer modo, sempre cantei desde pequena

Então vamos lá A 1963. Como é que começou isso de cantar, foi onde, o que é que cantou?

Sempre cantei. Tive a sorte de nascer em Constância, uma terra com muitos artistas, desde poetas, artistas de teatro. E lembro-me de imensos nomes, olhe o diretor da televisão Luís Andrade. Os avós tinham uma casa ótima, dos quais os meus padrinhos eram amigos e levavam-me para os serões. Naquela altura eu não sabia o que fazia, mas cantava em cima das cadeiras, cantava em todo o lado e isso foi o começo dum gosto pelas cantigas.

Cantigas… na altura, a “copiar” os artistas, os que passavam na rádio?

Sim. “A Lenda das Algas”, que gravei no primeiro CD, era um fado, bastante comprido, de Celeste Rodrigues. Cantava-o a minha irmã e a minha mãe, e eu aprendi o fado todo. Punha-me sempre a cantar “A Lenda das Algas”.

Aos 15 anos, foi o convite para cantar em Público pela primeira vez a ganhar dinheiro? Não era muito normal ou era?

Nos anos 60 aparece em Constância, aquela fábrica de celulose [CAIMA], que traz muita gente de Lisboa, que traz muitos convívios. O meu pai foi convidado a abrir uma casa de petiscos [naquela altura chamava-se assim] porque não havia as suficientes em Constância para toda essa gente que vinha montar a fábrica. E nesses convívios haviam sempre acordeonistas alegrar os jantares. E eu nunca mais tirei os olhos de cima do acordeão, sentava-me ao lado do acordeonista…

... Vamos lá então a essa paixão?

Começo a tocar acordeão e o acordeonista disse para o meu pai: “põe-a a aprender porque ela vai aprender.” E foi rápido. Realmente num ano, dois ou três, eu tinha repertório para fazer uma festinha, para fazer um baile. E foi aí que comecei no Entroncamento, convidada para fazer uma atuação no Solar do Gil que era uma casa que existia de Entroncamento. Fez-se um bonito serão.

Tina, e a primeira música que cantou, lembra-se?

Não. Lembro da “Lenda das Algas”, mas é com o acordeão. Eu cantava tudo desde rock, twist, tudo. Mas depois tive que fazer um repertório adaptado ao que as pessoas gostavam e àquilo que estava em moda na altura. Aos cantores da época, desde Gina Maria, Toni de Matos e os cantores de mais música popular.

Música popular e ligeira. Depois aparece o fado. Já existia lá quando tinha os 15 ou 16 anos, quando começou a cantar em público…

Sim, os fados eu ia prendendo. Comprava aqueles papéis muito grandes dos fados que eram vendidos nas ruas por isso tinha imenso repertório. E ouvia nas rádios. Depois, casei cedo [aos 20 anos fui para as guerras das colónias com o meu marido] e aí bateu a saudade. E bateu mesmo porque como havia muitas violas lá [os militares, algumas que tocavam viola], foi aí que nasceu a fadista...

... Nasceu “lá fora”…

Nasceu com a saudade, em Angola.

Depois, quando regressou, manteve “essa saudade”…

Nunca mais larguei o fado. O Carlos Luís, que era controlador aéreo e amigo do meu marido e com quem passávamos serões, ensinou-me, digamos, a “atacar” o fado. Os tons, tudo

Mas nunca deixou de lado a outra música popular ou ligeira. Ou seja, apesar de o fado ter sido o estilo de eleição, digamos assim, os outros géneros nunca ficaram de lado?

Não. Com o casamento eu tive que optar: ou o casamento e a família [porque o meu marido, sendo piloto, andava por todo o lado] ou ter esses compromissos. Optei pela família. E ainda bem que o fiz porque tive uma ótima família, pena ele ter demorado pouco tempo comigo [faleceu muito novo]. Mas ele sempre me incentivou no fado, a cantar fado. E ia comigo. Escrevia fados para mim e o fado nunca mais me largou, então.

Dessa família tem hoje a descendência que sei que é um grande orgulho. As netinhas…

Ah pois! então não. E as minhas filhas também todas participaram nas tunas. A mais nova até fez conservatório.

Tem alguma que toca acordeão?

A mais nova, que tocou na tuna. E até e fez uma musiquinha para uma coisinha que eu fiz e que e tenho gravado.

E as netas, já mexem na música ou não?

Não. Curiosamente, ainda não. Embora a mais nova já tivesse umas aulinhas de piano, mas largou.

Vamos então à música e ao regresso a Portugal. Tem esta ligação a Constância que também nunca perdeu...

Sim. Constância é o meu amor. Eu amo mesmo Constância por muito que custe às pessoas pensarem outra coisa. Eu faço tudo pela minha terra e fiz sempre tudo. Fundámos o [Clube] Estrela Verde, tinha a juventude toda comigo, naqueles anos 70. E hoje em dia estão aqui a dar-me este apoio. Para mim, é um retorno maravilhoso. Eu costumo dizer, não é carreira, não tenho fãs, não tenho concertos cheios de gente, mas tenho a casa cheia de amigos e isso dá-me um prazer enorme. Muitos amigos que eu sei que estão cá [na festa dos 60 anos de carreira]e que os conheço a todos. Por alguma razão todos têm afinidade comigo.

No fado há o repertório de cantigas, mas depois passa para a área da escrita. De onde é que lhe vem a inspiração para começar a escrever fado?

Isso começou em Angola. Havia tempo, havia vagar, havia saudade e ia escrevendo o que me ia à alma. Porque tudo o que eu ia escrevendo para os poemas de fado era quase biográfico. Há ali muita coisa daquilo que eu sinto...

... Tem que ter sentimento? Não é uma letra por ser um poema bonito ou por ter de puxar pela voz?

Não, não é ser fadista ou não, é gostar daquilo que se canta. Não é ser fadista para ganhar dinheiro. É o gostar de cantar o fado, de transmitir o que está cá dentro.

E foram letras que foi acumulando com o objetivo de gravar ou apenas escrever porque sim?

Deitei muitas fora. Estraguei muita coisa e hoje estou arrependida. Mas escolhi algumas para gravar.

Mas deitou fora por escolha ou, porque não gostava…

Achava que não estava bem… Quanto mais olhamos para as coisas, mais achamos que não estão corretas. De qualquer forma, guardei algumas e gravei algumas para que fique na memória das minhas netas, da minha família, dos meus amigos...

... Onde a biografia e as memórias da Tina Jofre vão ficar em CD. É um bocadinho mais para além das letras apenas, porque tem discos gravados e editados?

Sim, é mais isso.

Depois há a ligação constante à música. Aparece mais recentemente a participação de Tina Jofre em vários projetos da região. Lembro-me que fez parte do Orfeão de Abrantes…

... Ao Orfeão de Abrantes pertenci nos anos 90 e durante 20 anos. A música difere, mas eu também fiz “canto gregoriano” no conservatório e gosto de música Sacra. Eu gosto de todos os tipos de música. Também toquei acordeão no Cant’Abrantes, sendo o grupo de música popular do mesmo Orfeão de Abrantes. Depois tinha outro grupo, dos professores do ensino recorrente “Os Tunantes”. A agora tenho a “Barquinha Saudosa” que fundámos há 25 anos.

O Orfeão de Abrantes tinham também momentos de muita diversão. Vou agora para o seu lado mais pessoal, da mulher. A Tina Jofre é sempre uma animação?

Ah pois é, isso que eles dizem, eu não dou por ela, porque eu creio que sou mesmo assim.

Lembro-me de uma viagem do Orfeão de Abrantes para França, em autocarro. A Tina estava sempre em pé e sempre a cantar, a animar. Faz parte da sua personalidade?

Faz parte de mim não ver ninguém triste, eu não gosto tristeza. Mas a tristeza às vezes acompanha-me por isso tento vencê-la precisamente com a voz, cantando. Eu adormeço cantando, muitas vezes, coisas que não posso cantar à frente dos outros, mas que canto sozinha. E às vezes em público, até basta só cantarolar. Nem é preciso fazer, digamos, uma atuação, basta só cantarolar e estamos todos em animação. Quando eu cheguei aqui [Pavilhão Desportivo de Constância], fiz um pequeno vídeo cantarolando e improvisando uma música e os versos.

Vamos então ao projeto “Barquinha Saudosa”, que esta a comemorar 25 anos que é, digamos, o projeto atual, ou um dos projetos atuais, em que a Tina Jofre está presente, sempre com acordeão ao peito…

... Sempre, desde a primeira hora. Porque a Barquinha é a minha segunda terra. Quando Constância me fechou as portas, e estive aqui muitas décadas debaixo do tapete, a Barquinha deu-me colo, acarinhou-me. A Barquinha abriu-me as portas todas e eu não posso esquecê-los. Vou amar a Barquinha como segunda terra, até porque era a terra dos meus pais também. Eu nasci em Constância que amo, mas gosto muito da Barquinha. E o “Barquinha Saudosa” vai fazer os 25 anos, vamos gravar também alguma coisa e fazer um livro biográfico para assinalar os 25 anos.

Quando falamos do projeto “Barquinha Saudosa”, estamos a falar no projeto de música tradicional. É um gosto diferente, em relação ao fado?

Eu considero ambos nacionais. Ambos são património.

Património, mas diferente. Ou seja, há aqui uma diferença muito grande?

A diferença é um sentimento de quando o povo trabalhava sempre cansado, mas com alegria. E há coisas maravilhosas naqueles poemas populares de um povo sedento de se divertir porque o trabalho era imenso. O outro é o fado que é a leitura da alma e tudo o que cá está dentro se transmite através desses poemas. Eu creio que é um sentimento português, único, estar calado de olhos fechados, ouvir poemas. Quem é que noutro país ouve, com guitarra ou sem guitarra, [emoldurado para guitarra é realmente fabuloso] o que as pessoas escrevem, o que lhes vem da alma, o que sentem!

É uma questão mesmo de sentimento, naquele que está nos espetáculos atuais? Como é que olha para esta nova linha do fado mais fado, canção sem ter apenas a viola, a guitarra e o baixo, onde já se introduzem outros instrumentos. Desvirtuou ou é uma adaptação do fado, àquilo que são novos tempos?

Aceito. Aceito sempre todas as mudanças. Eu já fui jovem e também fazia essas mudanças em plenos bailes. Na minha vinham pedir-me «toca um rock, toca isto ou aquilo» e eu às vezes fazia-lhes a vontade. E com a bateria, com o meu irmão que lá tocava, os mais velhos barafustavam e diziam-me, «isso não é música». Portanto, eu já passei por isso e sei que são fases, são fases da juventude, as coisas vão nivelando e mais tarde, com certeza, eles vão voltar ao tradicional.

Tina se eu lhe perguntasse assim, de repente um ou 2 fados que mais gosta, que lhe vem à memória, os quais é que identifica?

Identifico a “Lenda das Algas”. Como eu aprendi aquele fado todo apenas com 6 anos, e cantei-o sentindo-o, porque tem a pesca, o barco, o mar, e eu gostei sempre dos rios e da água. Agora identifico-me com o fado “Jofre”. Na Sociedade Portuguesa de Autores (SPA)ficou registado como uma música minha. Alguém que queira tocar essa música está na SPA.

E sem ser da Tina Jofre?

Sem ser da Tina… Júlio Rodrigues e seguramente... Amália, obviamente? Gosto muito da Amália e respeito, tanto, que tenho medo de cantar as coisas dela, porque acho que como ela não há ninguém. E modificar a forma dos fados tradicionais, acho que é um pouquinho abusador, não consigo. Que outros o façam, tudo bem, mas eu não consigo. Outros? Ana Moura. Canta muito bem, gosto imenso da Ana Moura.

Para os dias de hoje, dia em que tem espetáculo, tem algum truque especial para cuidar da voz ou a coisa ainda sai natural?

Estou aflita da voz com estas mudanças de temperatura e trabalho. Mas nos dias de “palco” tomo mais algumas pastilhas a ver se isto vai ao sítio. Depois será o que Deus quiser.

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