A Escola Básica de Cardigos, com 17 alunos, é a única que resiste à deslocalização e concentração de alunos em Mação, com a autorização excecional da tutela a ser muito festejada numa aldeia em luta constante contra a desertificação.
“É uma vitória porque todos os anos trabalhamos muito para que a escola não feche, é uma luta constante, muitas vezes num trabalho invisível, porque manter este tipo de serviços na aldeia é muito importante para segurar as pessoas e para a dinâmica económica e social”, disse à Lusa Manuel Leitão, presidente da Junta de Cardigos.
A freguesia tem cerca de 900 habitantes, dispersos por 73 quilómetros quadrados e 26 aldeias, e cuja escola primária é a única que subsiste em todo o concelho, apesar de o rácio ser inferior às 21 crianças inscritas.
Situada numa extrema do concelho de Mação, no distrito de Santarém, o presidente da Junta de freguesia passa os dias numa “luta constante” para atrair e fixar pessoas e serviços, seja a convencer os encarregados de educação a matricular os filhos na escola da terra, seja a tentar arranjar casa e trabalho a quem quer regressar a Cardigos.
A freguesia luta contra o envelhecimento e desertificação populacional, mas também contra o facto de os concelhos da Sertã, Vila de Rei e Proença-a-Nova, já no distrito de Castelo Branco, estarem “mesmo ao lado”, com distâncias que variam entre os 10 e os 18 quilómetros, muito mais perto que a própria sede do concelho, Mação, que dista 30 quilómetros de Cardigos.
“Já temos alguma dificuldade em manter a escola aberta com o número suficiente de alunos, é evidente que se vão quatro ou cinco para as outras sedes de concelho, torna-nos a vida mais difícil, e isso infelizmente acontece ou porque os pais trabalham na Sertã ou em Proença-a-Nova ou porque estão ali mais perto”, disse Carlos Leitão, que acredita no potencial de crescimento da freguesia e que conseguiu ainda na semana passada que se inscrevesse mais uma criança no pré-escolar e uma outra no ensino básico, tendo agora 17 alunos inscritos no ensino básico, menos um que do que no ano passado, e sete crianças no pré-escolar.
Apesar de um trabalho constante e de muita persistência, Carlos Leitão não está sozinho nesta luta, tendo o aval extraordinário do Ministério da Educação resultado de investimentos continuados da Câmara Municipal no equipamento educativo e envolvente, e da própria avaliação e parecer do diretor do Agrupamento de Escolas Verde Horizonte, de Mação.
“É verdade [que não cumpre os rácios], mas é obrigação dos decisores, quer sejam políticos, quer sejam técnicos, de encontrar aquilo que melhor corresponde às necessidades das comunidades, e neste caso eu penso que foi encontrada a melhor solução e tomada a decisão mais sensata”, disse à Lusa José António Almeida, tendo feito notar que a freguesia dista mais de 30 km da sede do concelho.
“Estamos a falar entre 30 a 40 minutos em cada deslocação, e não era razoável, penso eu, obrigar crianças de três e quatro anos, até aos nove anos, a fazer deslocações tão demoradas, com a perigosidade que isso acarreta, de fazer estas duas viagens diariamente”, notou, tendo assegurado que a escola tem “instalações com muita dignidade, conforto e segurança” e “com recursos humanos colocados em quantidade e qualidade que permite garantir um trabalho de muita qualidade, quer enquanto escola acolhedora quer como escola formadora”.
“Enquanto for possível, e pedirem a minha opinião enquanto diretor do Agrupamento, eu serei sempre a favor de manter aquele espaço em funcionamento”, vincou.
A manutenção da escola de Cardigos de portas abertas também mereceu a aprovação do presidente da Câmara de Mação, Vasco Estrela, tendo lembrado que o município investiu, em 2021, “muito perto de 200 mil euros na criação de um campo de jogos e de uma horta comunitária”, tornando a “escola mais atrativa” para que os pais mantenham ali os seus filhos.
O autarca lembrou que a escola situa-se a cerca de 30 quilómetros da sede do concelho, à qual se acede por uma estrada “cheia de curvas”, tendo feito notar que a sua manutenção “ajuda a travar o processo de despovoamento”, argumentos a que a Direção Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE) “tem sido sensível”.
Vasco Estrela justificou ainda o investimento tendo em conta que “é uma freguesia que está estabilizada em termos populacionais, que tem empresas a laborar e que revela dinamismo”, sendo de prever que o número de alunos “se vá mantendo relativamente estável, no sentido de justificar a aposta que a Câmara fez e que também, de alguma forma, o Ministério tem estado a fazer”.
Carlos Leitão, que vai abrir as portas da escola do dia 16 de setembro, assegurou que “o trabalho continua, seja para trazer, seja para manter população e serviços” a funcionar.
“Enquanto eu cá estiver hei de lutar e trabalhar para que ela não feche, espero e esforço-me bastante para que isso aconteça, sempre a pegar no telefone para cativar mais um casal, mais uns pais para virem viver para Cardigos, portanto, isto é um trabalho diário e um trabalho que as pessoas acabam por não ver. Pensam apenas que a escola se mantém hoje aberta e que aquilo não dá trabalho nenhum, mas dá muito trabalho, muito trabalho”.
Lusa