Casimiro Ramos assumiu a presidência do Conselho de Administração do Centro Hospitalar do Médio Tejo em junho do ano passado. Cerca de nove meses depois de entrar na Administração concedeu uma entrevista ao Jornal de Abrantes e à rádio Antena Livre onde fala sobre a Covid, que ainda marca a atividade hospitalar. Avançou com as novidades de que o Labora-tório (na unidade de Tomar) terá um serviço que coloca o CHMT como o primeiro segundo laboratório logo a seguir ao Instituto Ricardo Jorge. Confirmou que as obras da Urgência e Consulta Externa de Abrantes já está em fase de análise de propostas e que a Ressonância Magnética vai poder, em breve, fazer exames cardíacos. Anunciou novos investimentos na Pedopsiquiatria e diz que os cidadãos têm de olhar para a saúde de forma preventiva e não apenas no recurso aos tratamentos médicos.
Entrevista por Jerónimo Belo Jorge
Vamos em 9 meses desde que este CA assumiu funções. Foram meses marcados pela pandemia ainda, mesmo que com o alívio gradual, por um lado da doença grave, e por outro, das medidas de restrição?
Embora estejamos, constantemente, na expetativa de deixar, a pouco e pouco, o impacto que a Covid tem no dia a dia de todos nós, e da atividade hospitalar em particular, na verdade, apesar de em setembro e outubro de 2021 estarmos animados e a relançar o novembro e dezembro trouxe mais doentes aos hospitais. E mais doentes com problemas de saúde tinham si-do adiados por causa da Covid.
Dezembro e janeiro são meses marcados por duas coisas distintas, por um lado, a Covid que não nos deixa, e, por outro lado, a necessidade imperiosa de retomar a atividade normal de todos os serviços, em recuperar as situações dos doentes que têm visto ser adiadas as consultas e as intervenções cirúrgicas e que são de extrema urgência.
Num esforço excecional, e já característico, dos profissionais do CHMT conseguiu-se, durante o mês de janeiro, não parar totalmente a atividade cirúrgica, houve um abrandamento para permitir a reabertura de uma segunda enfermaria Covid. Desde o início de março retomou-se a atividade cirúrgica normal e permitiu recuperar as listas de espera de forma brutal. Isto só foi possível com o empenho e sentido de responsabilidade dos profissionais do CHMT, porque se nos recordarmos de dezembro e janeiro as dificuldades eram muitas em todas as unidades hospitalares. Quero deixar esta mensagem, há muitas coisas que necessitamos de melhorar, há coisas que podem não correr tão bem, mas todos devem ter orgulho nos profissionais que têm todos os dias a cuidar deles.
“Não podemos ter a ilusão que a falta de médicos nos cuidados de saúde primários vai ser ultrapassada de um dia para o outro. Não vai.”
Este alívio social, digamos assim, foi acompanhado pelos serviços de saúde?
Mais ou menos. Também acresceu aquela vaga de janeiro/fevereiro muitos profissionais terem ficado infetados, e em isolamento, o que dificultou bastante a organização dos serviços. Ficamos com menos profissionais e mais doentes. Mas a partir de março tem havido um abrandamento nos cuida-dos intensivos de Covid, tivemos um caso ou dois, mas na enfermaria normal não tem diminuído, tem andado entre os 30 e os 45. O quadro é que não apresenta casos tão graves....
... quer dizer, de forma muito simples, que a vacina está a ter efeito...
... Exatamente. O vírus não é tão agressivo. Mais de 30% dos casos de pessoas que estão em enfermaria Covid, não estão por causa deste vírus. Estão por outras causas, fazem o teste, é detetado a Covid e ficam na área de isolamento da Covid. Muitas das vezes nem chegam a apresentar sintomas, mas como estão infetados têm de estar nessas áreas. Tem-se falado na sexta vaga, mas os nossos especialistas, digo os nossos médicos especialistas que acompanham isto dia a dia, acham que esta sexta vaga, numa variante do Ómicron, ainda é menos agressiva e não vai necessitar tanto de cuida-dos hospitalares. Mesmo assim vamos manter, mais um ou dois meses, uma enfermaria que era a que tinha cuidados intensivos preparados para a necessidade de acorrermos a mais internamentos. Estamos com as coisas planeadas e preparadas para dar resposta aquilo que venha a surgir.
Portanto, aquele grande plano de 200 camas para Covid para o Vale do Tejo e retaguarda da Grande Lisboa já foi desativada?
Temos uma enfermaria com cuidados intensivos que não tem ninguém.
Em dezembro tínhamos uma enfermaria com 26 camas, e em janeiro passámos a ter duas. Passamos a ter 52 camas. Muito diferente que tivemos como hospital de retaguarda para o país que recebeu 377 doentes de outras regiões e internou 3 mil no total. Em todos os momentos a tutela agradece ao Médio Tejo esse momento solidário para ajudar outros que tinham mais ‘aperto’ em relação à procura dos hospitais.
“Somos os únicos que conseguimos isolar o vírus Ómicron por método científico de testagem”
O investimento na Anatomia Patológica criou um laboratório de referência. É uma aposta de futuro?
Esse é marco que nós queremos potenciar e que, no nosso ponto de vista, vai marcar o futuro do CHMT. Nada pode melhorar, nada pode evoluir se não mudar. E para mudar é preciso inovar. E para inovar é preciso investigar. Daí que a nossa estratégia, no plano de atividades, está a implementação de um centro de investigação que pretendemos desenvolver com as diversas entidades de ensino superior da região, e até mesmo alargar. E já estamos a dar passos. Os protocolos que assinámos com a Cruz Vermelha Portuguesa, com o Instituto Politécnico de Tomar e outros com escolas secundárias. E queremos alagar a outras áreas para além da investigação clínica, ir para a investigação em gestão, trabalhos em administração hospitalar, na logística, portanto há uma área de trabalho muito grande quer queremos ter em colaboração com as universidades para sermos inovadores e diferenciadores. E nesse sentido a nossa Anatomia Patológica tem sido uma das joias da coroa que tem vindo ao de cima com esta situação. Tenhamos presente que foram feitos mais de 260 mil testes à Covid nos últimos dois anos, 120 mil no ano passado, uma capacidade de realização de 2 mil testes por dia. Somos os únicos que conseguimos isolar o vírus Ómicron por método científico de testagem. O único laboratório hospitalar certificado pelo Instituto Ricardo Jorge para identificar o Ómicron é o nosso laboratório que tem um quadro de pessoal muito qualificado e com muita vontade de investigar o que nos leva a fazer uma grande aposta nesta área, pelo que vamos criar um laboratório de nível 3 de segurança. Trata-se de uma sala toda isolada para evitar a contaminação de amostras e com isto colocarmo-nos no top como primeiro segundo laboratório do país. É algo brilhante que só se deve ao empenho e trabalho dos profissionais, em particular do seu diretor de serviço, dr. Carlos Cortes. É uma peça fundamental e muito visionário do que deverá ser o futuro.
Mas não havia esta previsão, do serviço passar para um Centro de Estudos...
...é como uma bola de neve. Aliás, a nossa estratégia e a nossa visão é mui-to clara. O CHMT tem de ser uma referência a nível nacional pela diferenciação em várias áreas. E isso consegue-se através de profissionais mais qualificação e atualização constante dos equipamentos disponíveis. Que os utentes venham ao CHMT por ser do Serviço Nacional de Saúde, mas que tenham a confiança: vou ali porque sei que vou ser bem tratado.
Isso só acontece quando nas diversas áreas temos profissionais qualificados e damos resposta. Isso atrai cada vez mais profissionais, cada vez mais especialistas, isso permite fazer cada vez melhor serviço. E na Patologia Clínica aconteceu precisamente isso, porque a necessidade de fazer testes levou a um investimento, levou à qualificação das pessoas, que levou à aposta no serviço faz com que tenhamos de apostar mais e crescer mais porque isso está-nos a diferenciar e a dar esse potencial que nós pretendemos.
“Há um problema de saúde mental que é preciso acompanhar e numa faixa etária que vai dos 20 aos 30 anos”
A “long covid” é nesta altura uma preocupação real?
Esse é um trabalho que ainda está em curso e a Patologia Clínica vai fazer um trabalho importante, do ponto de vista da investigação. Temos, desde há seis meses, uma consulta pós-Covid que faz o acompanhamento dos do-entes que foram mais críticos, para se perceber a relação causa-efeito. É uma preocupação porque temos de antecipar as situações. Há uma que está sinalizada e que é a saúde mental que veio ao “de cima” com a pandemia, mas que já estava em crescendo na sociedade por diversas razões. Mas há um problema de saúde mental que é preciso acompanhar e numa faixa etária que vai dos 20 aos 30 anos e que é bastante preocupante. Daí que uma das apostas do CHMT nos próximos dois anos é a saúde mental. Temos um projeto na tutela, para nos candidatarmos a fundos de apoio, e que pretende alargar o serviço na unidade de Tomar para mais quatro camas e a construção, em módulos, de uma área de pedopsiquiatria, com gabinetes de consultas, salas de atividades porque os números que temos, da região, vai trazer problemas e temos de nos preparar para isso.
A saúde criou uma resposta à Covid-19, mas nas outras doenças, as outras especialidades médicas que foram ficando para trás, começamos a recuperar?
Começamos a reativar serviços a 15 de setembro e, para além disso, tive-mos a entrada em funcionamento da TAC em Torres Novas e da Ressonância Magnética em Abrantes que nos permitiu deixar de ir fazer estes exames ao exterior. Na recuperação das listas de espera a rapidez passou a ser muito maior. Em quase tudo recuperamos e o final de 2021 fechou com acréscimo de atividade superior a 2020 com apenas a exceção dos partos e da hemodiálise. E isso foi conseguido com o empenhamento de todos os profissionais e das condições que foram criadas para recuperar listas de espera. E mesmo em Ortopedia, um calcanhar de Aquiles, houve uma recuperação de 80%. Nós somos a única unidade hospitalar do país que faz operação ao colo do fémur em 48 horas. Se entrar alguém com este problema na urgência (de Abrantes) em 2 ou 3 horas está a ter intervenção. Isto é único no país. E nós estávamos no fim da lista e a equipa de ortopedia e anestesia, envolvidos neste processo, fizeram um trabalho fantástico nesta recuperação.
No geral a situação está muito próxima da normalidade e a continuar a fazer a recuperação de listas de espera. Todos os serviços assumiram esta necessidade de recuperar as listas de espera. Mas também temos as nossas limitações, como a necessidade de mais alguns médicos nesta área ou noutra.
Houve reforço de recursos humanos, médicos, enfermeiros... é complicado captar profissionais para estas zonas mais do interior do país?
Quero partilhar algo que todos na região nos devem orgulhar. Tenho senti-do uma atratividade da região por profissionais qualificados que nos deve deixar, a todos, muito satisfeitos. Ainda agora temos um concurso para uma bolsa de enfermeiros e tivemos 150 candidatos.
Na especialidade médica cada vez são mais os casais de médicos a querer entrar no Centro Hospitalar. Era bom se tivéssemos mais recursos humanos, mas não estamos no ponto de dizer que temos défice de recursos.
Os acordos, as parcerias (exemplos do Hospitalar de Santarém ou da Cruz Vermelha Portuguesa) podem dar aqui um salto nas respostas de saúde que estão em défice?
Temos sentido, da parte dos profissionais, que a ambição deles é fazer coisas novas e aqui tem a possibilidade que não terão nos hospitais centrais onde estão os grandes profissionais. O que estamos a fazer com Santarém, e estamos a tentar abrir portas com outras unidades, é abrir o leque de oportunidades para o utente, em primeiro lugar. Com Santarém temos uma parceria em Nefrologia que é para aprofundar. Olhe, na área do Sangue, nós fazemos entrega de Sangue a Lisboa todas as semanas. O Hospital de Santarém faz recolha de Sangue, mas não faz separação de componentes. Nós fazemos separação em Torres Novas. E podem comprar ao CHMT e não a outra entidade fora do SNS. E se fizerem isto há poupança de recursos dentro do SNS. E isto mostra aos profissionais que há mais oportunidades. Esta lógica de rede também pode ser atrativa para os profissionais.
“...a aquisição de um equipamento para complementar a Ressonância Magnética vai permitir fazer ressonâncias magnéticas cardíacas.”
E a Urgência de Abrantes. A Renovação e alargamento do serviço de Urgência Medica e Cirúrgica (2,9 Milhões Euros), avança este ano?
Temos todas as indicações, dentro do que está planeado, para que assim seja. O facto de o CHMT ter três unidades tem uma potencialidade brutal. Jamais nas três unidades, individualmente, era possível ter as ofertas que temos em todas as especialidades e ter a diferenciação que é possível fazer. Obviamente que três unidades separadas têm problemas, mas criamos agora o transporte para doentes com alta. Abrantes é o coração do Centro Hospitalar. É aqui a razão porque se chama Centro Hospitalar. Porque tem urgência, senão éramos um centro clínico. A nossa aposta em ter uma urgência para que a população tenha confiança é a prioridade máxima. Daí os investimentos nas Unidades de Cuidados Intensivos. Agora faltam as condições de trabalho adequadas aos médicos e aos utentes que vêm à urgência. Está a decorrer a requalificação da rede de águas, um investimento pesado, e depois seguirá a Urgência e a Consulta Externa. Houve um concorrente que ganhou os dois concursos e um outro que apresentou recurso. E é aí que está o processo.
Não havendo uma resposta nos cuidados primários de saúde continua a haver a “procura” da urgência para substituir essa falha?
Tem três questões. Primeira: não podemos ter a ilusão que a falta de médicos nos cuidados de saúde primários vai ser ultrapassada de um dia para o outro. Não vai. Por outro lado, a especialidade de clínica geral não era atrativa para os jovens médicos. Segunda: a opção do utente “vou, mas é ao hospital que lá sou atendido”. Cria a chamada falsa urgência, que não é falsa porque o utente tem a necessidade de ser atendido. Mas não seria uma emergência tão premente que fosse necessário ir ao hospital. Terceira: a necessidade de dar literacia às pessoas para perceberem algo de si. Não de se automedicarem, mas de ter outros caminhos para procurar o hospital sem necessidade de tratamento hospitalar. Porque pode encontrar uma outra doença em ambiente hospitalar, por um lado, e pode impedir outras pessoas com mais necessidade de tratamento hospitalar, por outro. Mas isso vai acontecer sempre e o hospital não vai fechar as portas aos utentes de entrem pela urgência. Mas há um trabalho que pertence a todos, passando pelas escolas e autarquias, que é a prevenção à alteração do estado de saúde. Isto é: nós somos, fundamentalmente, aquilo que comemos e o ar que respiramos. E o que comemos já vem inquinado desde a sua plantação, com químicos. E tem de ser esse o caminho, porque o cuidado hospitalar deve ser o recurso final e se passar a ser o primeiro, no dia em que isso acontecer, ou temos o país cheio de hospitais, ou será muito complicado. O inverter-se de cuidados finais para cuidados primários é algo que não está correto. Mesmo as condições para evitar esses riscos. Na região, a situação da apanha da azeitona é bastante preocupante. Em setembro outubro, se calhar, as Câmaras e a Proteção Civil deveriam fazer uma campanha de sensibilização. São 12 a 13 casos por dia de fraturas de pessoas que andam na apanha da azeitona.
Quais são os novos desafios, decorrentes, desta crise humanitária da Ucrânia?
Sentimos um profundo orgulho pelos nossos profissionais. Após a primeira bomba tentei de imediato saber os profissionais ucranianos que tínhamos. E temos cinco médicos e dois enfermeiros. Dois deles, filhos de uma enfermeira. Falei com eles e agradeceram o apoio e disponibilizaram-se para o que fosse necessário. Quando a Comunidade Intermunicipal do Médio Tejo foi resgatar cerca de uma centena de ucranianos à fronteira da Polónia, estas duas enfermeiras foram nos autocarros para prestar o apoio necessário e fazer desde logo a primeira triagem, com a realização dos testes de antigénio. E depois na chegada foram feitos testes PCR e Raios X para despistar eventuais patologias de Tuberculose que tem uma grande incidência naquele país. E funcionaram como intérpretes. Posso dizer-lhe uma coisa: te-mos por dinâmica de uma comissão de humanização do CHMT uma bolsa de intérpretes. No momento tem 16 voluntários a falar cerca de uma dezena de línguas.
“São 12 a 13 casos por dia de fraturas de pessoas que andam na apanha da azeitona.”
E para o futuro, o que é que o CA do CHMT tem em mãos para este centro Hospitalar?
O que mais trabalhamos mais é recuperar o tempo perdido, para as pessoas. Isto é, há pessoas que continuam muitos dias à espera de uma consulta ou cirurgia. Segunda prioridade, criar todas as condições para a Urgência em Abrantes e a aquisição de um equipamento para complementar a Ressonância Magnética, que permite fazer ressonâncias magnéticas cardíacas. Passamos a ser completamente autónomos nesta área. Mas também é necessária em Tomar a Pedopsiquiatria e em Torres Novas na Fisioterapia e da Respiração Cardiovascular.