Anabela Freitas assumiu a presidência da Comunidade Intermunicipal do Médio Tejo, quando a então presidente Maria do Céu Antunes seguiu para o Governo. A 28 de fevereiro de 2019 assumiu a presidência, tendo sido reconduzida em 26 de outubro de 2021.
Na sua equipa tem como vice-presidentes os autarcas de Abrantes, Manuel Jorge Valamatos, e de Mação, Vasco Estrela, numa estrutura que tem um território com 11 concelhos do distrito de Santarém e dois de Castelo Branco.
A Comunidade tem um orçamento para 2022 de 11 milhões de euros, mas a sua ação ganha cada vez mais preponderância, porque é um território que ganha escala e que pode, juntamente com a Lezíria do Tejo e o Oeste, avançar para uma unidade territorial de nível II na União Europeia. Nesta entrevista, descomplexada, Anabela Freitas fala de fundos comunitários, desafios, do Tejo, do futuro aeroporto entre outros temas atuais.
Entrevista por Jerónimo Belo Jorge
As CIM têm cada vez mais uma preponderância na definição de políticas e de ações estruturantes no seu território. O Médio Tejo tem a particularidade de ter 11 territórios de Santarém e dois de Castelo Branco. Este fator acrescenta mais complicações técnicas para os serviços na definição das suas estratégias?
Começo por explicar o que são as CIM. As pessoas sabem que existem, mas não têm, por vezes, a noção da quantidade de competências que as CIM têm e, cada vez mais, que afetam a vida dos cidadãos deste território.
Em relação à pergunta, é uma dificuldade imensa, porque o nosso país tem uma organização administrativa com o Estado central e com os serviços desconcentrados, depois há casos em que se reportam a distritos, depois ainda temos outra coisa que se chama as grandes regiões, as NUT II. Nós pertencemos, para efeitos de financiamento à região Centro, para efeitos de Ordenamento do Território à Região de Lisboa....
... isto é, aprovam estratégias para Lisboa e Vale do Tejo, mas vão buscar dinheiro (fundos comunitários) à região Centro...
... em relação ao Médio Tejo, temos 11 concelhos do distrito de Santarém que em tudo o que se relaciona com administração desconcentrada do Estado é Lisboa e depois temos outros dois para a administração desconcentrada do Estado no Centro. Dou-lhe um exemplo muito concreto: saúde, que é um assunto muito em dia. Para articularmos uma política de saúde, seja investimentos, reabilitação de centros de saúde, temos de articular com a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo e com a Administração Regional de Saúde do Centro. Apesar de ambas serem administrações regionais de saúde, as estratégias, as velocidades de implementação e até mesmo a opinião sobre o território é completamente diferente. Se juntarmos o facto de aprovarmos a estratégia de Lisboa e Vale do Tejo, mas depois irmos buscar dinheiro ao Centro, temos de estar também alinhados com a estratégia da região onde vamos buscar os fundos.
Temos de estar alinhados com o Centro (CCDR), mas não contamos nada para o Centro. Mas somos sempre convidados para estar presentes nas reuniões, mesmo sem direito de voto. E depois discutimos a estratégia de Lisboa, com a qual não temos nada a ver.
Deixe-me dar outro exemplo. Quando avançou o programa de redução tarifária, inicialmente o Médio Tejo ficou de fora. O apoio ia só até a Azambuja porque Lisboa não entendia quais eram os nossos problemas. Foi uma guerra imensa. Quando falamos em mobilidade em Lisboa, os problemas são completamente diferentes por isso “perdemos” muito tempo a ir a Lisboa porque tem de haver muita justificação.
Depois ainda há uma visão, nalguns serviços desconcentrados do Estado, que nós somos província. Já me disseram: “eu quando ia, há 30 anos, à província, gostava muito daquilo e gostava que ficasse assim.” Desculpem, mas nós temos os mesmos direitos à qualidade de vida que os cidadãos de Lisboa também têm, de forma diferente. É difícil fazer perceber que nós crescemos de outra forma (numa comparação com Lisboa).
Aeródromo de Tancos:
“o que está em cima da mesa são dois voos por hora”
Este caldeirão resolve-se com a criação de uma NUT II?
O que está em cima da mesa, e que vamos ter oportunidade de testar no próximo Quadro Comunitário de Apoio, é ser uma sub-região dentro da região de Lisboa e Vale do Tejo. Ou seja, deixar toda a Área Metropolitana de um lado, e nos outros territórios (Médio Tejo, Lezíria e Oeste) criar políticas públicas, financiamentos (deixaríamos de ir a Coimbra) para resolver os problemas destas três sub-regiões.
Neste quadro, a CIMT começa a definir trabalho tendo em vista esse futuro, ou está a gerir de acordo com a atualidade?
Aquilo que vai acontecer já no 2030, a CIM do Médio Tejo vai ter instrumentos de financiamento tal como havia no 2020, mas vamos ter instrumentos específicos para políticas que estamos a definir, e temos estado a trabalhar nisso, as três sub-regiões, numa coisa que se chama Intervenção territorial Integrada de Base Funcional. Ou seja, há projetos comuns às três sub-regiões que vão ter um instrumento financeiro específico. Isto permite testar se é possível criar ou não a sub-região. Também sei que o Governo e a União Europeia também queiram testar isto, que é algo de inovador em Portugal. Apesar de estarmos a testar este modelo, não podemos ficar prejudicados neste novo Quadro Comunitário de Apoio, por isso continuamos a ter acesso aos fundos como se não estivéssemos a fazer este teste.
Está a correr bem esta adaptação?
Está a correr bem. Estamos já a começar a fechar processos para podermos candidatar quando abrirem os procedimentos.
Portugal 2030:
“É importante fazer perceber que nós temos especificidades diferentes da CIM de Leiria e precisamos de ter aqui um olhar diferente”
Fundo para a Transição Justa (FTJ), Portugal 2020 e 2030 e PRR. O que é que está em cima da secretária nestas matérias...
… são três gavetas diferentes. No PRR, no âmbito das CIM só saiu um aviso, o que acho ridículo. Candidatámo-nos para a criação de espaços de teletrabalho para trabalhadores da administração pública. Estamos a falar de 127 mil euros para três espaços, ou seja, 40 mil euros para cada um. Isto é de quem não tem a noção do custo das obras na atualidade. Depois há outros avisos para os municípios em que a Comunidade pode dar apoio técnico.
Vamos ao FTJ que esse sim, preocupa-nos muito. Houve um encerramento de uma Central no nosso território e o que estava em cima da mesa era uma compensação de 90 milhões de euros. Depois, a meio do processo, surge uma ideia peregrina de dividir os 90 milhões em 45 para o nosso território e 45 para aquele território do litoral, “extremamente deprimido”, para dividir pelas vidreiras e cerâmicas. Tomámos posições públicas contra este apoio, não que estejamos contra apoios para as vidreiras e cerâmicas. Mas existem outros apoios. Fomos a Bruxelas e sabemos que o processo foi travado em Bruxelas. O que é certo é que houve abertura de processo para intenções de candidaturas e teve uma resposta interessante. E houve já um primeiro aviso de candidaturas e o fundo de 45 milhões está quase esgotado e que tem 14 candidaturas. Ainda não abriram aviso para todas, ainda não abriu aviso de candidatura para a área de inovação. Abrindo esse aviso, de acordo com as intenções apresentadas, vamos ultrapassar largamente esse valor dos 45 milhões. O argumento que nos dizem é que somos um território que tem vindo a perder população, o que é verdade, e que os 45 milhões chegam. As candidaturas dizem outra coisa. E mostram ainda outra coisa: quando abrem candidaturas direcionadas para determinados territórios, as empresas até estão interessadas. Quando abrem para o nível nacional, o litoral absorve-as. Mas esta é a verdadeira coesão, quando abrem candidaturas específicas para territórios deprimidos. É outro argumento que cai por terra. Agora vêm com outro argumento (17 de outubro) e que é não aprovar candidaturas de empresas que não sejam PME*. Quando abriu o aviso, isso não constava das condições. Não podemos mudar as regras a meio do jogo. E se queremos investimentos nestes montantes, não é uma PME que tem “arcaboiço” para um investimento de 11 ou 12 milhões.
O facto de estarmos numa terra de ninguém também dificulta muito as negociações. O Centro diz-nos “vocês vêm aqui buscar o dinheiro, mas eu não conto com vocês nos votos para implementar as nossas políticas”, ou seja, isso dificulta-nos muito.
Portugal 2020. A CIM, nas oito do Centro, estamos em terceiro lugar na taxa de execução. E durante um ano, no PEDIME, os municípios estiveram a adiantar os pagamentos um ano. Num projeto de bicicletas também tivemos um atraso na execução. Mas podíamos ter executado mais se nos tivessem aprovado as candidaturas.
Castelo de Bode:
“obviamente que a prioridade será sempre o abastecimento público”
E no Portugal 2030 o que é que está a sair da gaveta?
Ainda vamos negociar. Há uma alteração muito grande. Temos estado a fazer pressão numa matéria que é a renovação das condutas de água, que vai passar a ser gerido pelas CIM. Não faz sentido falarmos em eficiência de gestão da água, seca, quando temos na base condutas com 40 ou 50 anos. O saneamento é importante, mas a renovação das condutas da água é tão ou mais importante que o saneamento. Estamos a fazer pressão junto do Ministério do Ambiente para esta questão, mais do que construir novas estradas.
Uma coisa que também reivindicamos é no financiamento para Património Cultural. No 2020 só era considerado património nacional. E nós temos nas nossas vilas e aldeias património cultural muito importante, mas que não é património nacional. Era muito importante haver financiamento para essa área, sendo património de interesse municipal. Já sabemos quais são as 13/14 linhas de financiamento do 2030 e os municípios já responderam (à CIM) quais os projetos que têm prontos a poder ser candidatados. Queremos ter, em negociação com a CCDR, ter ali na ordem dos 125 a 150 milhões de euros para execução do programa. Já temos as prioridades de cada um dos municípios e estamos a preparar um documento que servirá de base para a negociação.
Temos um projeto de ciclovias entre os municípios, tudo o que é mobilidade, serviços online, sapadores florestais que estão no âmbito da CIM. No âmbito da transferência de competências da Proteção Civil, queremos assumir algumas dessas competências para adquirir equipamentos que sejam necessários na região e que não são necessários a todas as corporações. Temos trabalho feito com o comando distrital.
As CIM têm muito trabalho no território, mas o cidadão tem conhecimento do que fazem as comunidades ou ainda não?
Acho que ainda não. Repare, o distrito de Santarém tem duas comunidades e uma vai ao Centro e outra ao Alentejo. E leva muitos anos a perceber isto. Podemos ter uma política regional de habitação. E de mobilidade, que por acaso vai mais adiantada. Temos de ter uma política de trabalho da região e não de Abrantes, Tomar ou Sardoal. Neste momento há 13 mercados de trabalhos segmentados. Temos de criar um. Até porque temos muito vincada a área logística. Temos o maior “porto seco” do país Riachos/Entroncamento e, portanto, a logística é muito importante para nós. Mas para isso precisamos de mobilidade, de uma região, porque não é só o Entroncamento ou Torres Novas que vão fornecer aqueles postos de trabalho ao porto seco. Isto demora muito tempo a trabalhar.
A mobilidade é um dos processos mais adiantados. Há o Link, o Transporte a Pedido e, recentemente, os transportes públicos do Médio Tejo foram adjudicados, em pacote, para toda a região...
... Sem dúvida. Um cidadão que resida em Tomar, mas que tenha oportunidade de trabalho em Sardoal tem de ter possibilidade de se deslocar para o Sardoal. E são questões fundamentais e que devem ser trabalhadas em território e não concelho a concelho.
CCDR’s:
“O facto de estarmos numa terra de ninguém também dificulta muito as negociações”
O Tejo atravessa uma parte do território da comunidade. Que olhar é que têm na CIM para o rio, a seca, a estabilidade dos caudais?
É e continua a ser uma preocupação e estamos empenhados em encontrar uma solução. A minha opinião pessoal é que não faz sentido falarmos na revisão da Convenção de Albufeira quando os espanhóis se estão a revoltar e não querem cumprir o acordado. É uma matéria que neste momento não temos posição de força. Coisa diferente é a nossa posição, e no final de setembro com a Lezíria e a Beira Interior, fomos ao Ministério do Ambiente dizer qual. É fundamental a construção de uma nova barragem para armazenamento de água e que pode servir também para ir regularizando os caudais do Tejo. É uma posição conjunta e estamos disponíveis para colaborar na discussão pública. Falo no projeto do rio Ocreza.
O Castelo de Bode, na sua plenitude deveria ser olhado de outra forma? É eletricidade, abastecimento de água a um terço dos portugueses, é âncora no turismo para este território...
... E ainda por cima, para alguns, é quase o único ponto de atração. E acrescentaria uma outra coisa e que tem a ver com o abastecimento dos aviões para o combate aos incêndios florestais. É em ano de seca como este que precisamos de ter aqui um ponto de abastecimento de água, porque somos um território com muitos incêndios. A barragem tem uma concessão e que é para produção de eletricidade. E o que pode estar em cima da mesa é um circuito fechado para a produção de eletricidade. Não sei qual o custo, mas é preferível fazer um investimento destes, a um dia destes não termos água para beber, nem para produção de eletricidade.
Apesar de tudo, ao nível de turismo o Médio Tejo esteve muito bem, a níveis de 2019, e nesse ano até houve Festa dos Templários que pode ter tido influência nos números desse ano. Há uma conciliação a ser feita. Mas se me perguntarem qual a prioridade entre produção de eletricidade, turismo ou abastecimento de água, obviamente que a prioridade será sempre o abastecimento público.
Castelo de Bode, Fátima e Convento de Cristo são as grandes âncoras de turismo na região. Como é que podem alavancar o turismo no território?
Médio Tejo ninguém associa, pelo que as portas de entrada eram Fátima e Tomar. Por isso fizemos o programa Stay Over Fátima/Tomar, durou um ano, mas houve municípios que não beneficiaram desta ação. Se calhar temos de envolver os operadores privados para poderem criar pacotes em que os turistas fiquem mais tempo na região, mas serem os próprios operadores a levá-los aos territórios, temos pinhal, museus e outras ofertas.
Aeroporto ou aeroportos. A CIM envolveu-se na ideia de voos civis em Tancos e agora surge aqui ao lado a ideia de que pode “aterrar” o aeroporto internacional de Lisboa…
Vamos começar por Santarém. É óbvio que um aeroporto junto à nossa zona, à nossa região, vem alavancar o desenvolvimento, permite a criação de postos de trabalho, atrai empresas, para além de melhorar as vias de comunicação. E nesta matéria parte dos nossos municípios até têm boas vias de comunicação, mas poderá melhorar ainda mais. Temos de estar agradados e Deus queira que venha para a nossa região.
Ao mesmo tempo, temos a questão de Tancos. Dissemos, desde o início, que Tancos não concorria com os aeroportos nacionais, Alcochete e Montijo, que era o que se falava na altura. Objetivamente, temos um possível problema no território. Ou seja, temos uma infraestrutura militar que se tem vindo a deteriorar porque não tem tido investimento. Ponto 1: a presença militar no nosso território é histórica e nós queremos manter a presença militar. Mas se se puder aproveitar aquela infraestrutura com investimento privado, dissemos desde o início que não queríamos investimento público, para termos aqui uma utilização mista, era o ideal. Primeiro passo que demos foi com o Ministério da Defesa que não se opõe a esta utilização mista. E a partir daí foi começar a fazer estudos.
Mesmo que o aeroporto internacional venha para Santarém, e isso foi dito aqui pelos promotores do aeroporto de Santarém, são complementares porque corremos em pistas diferentes. Não houve qualquer tipo de incompatibilização entre as estruturas. Para percebermos a ordem de grandeza, para Tancos, o que está em cima da mesa, são dois voos por hora. E há privados interessados em fazer o investimento global, sabendo que há períodos do ano em que pode não haver voos civis, porque este continuará a ter também voos militares.
Emprego:
“Temos de ter uma política de trabalho da região e não de 13 territórios”
Para finalizar, qual o grande desafio para os próximos meses para o território do Médio Tejo?
O grande desafio, são dois, ambos estão relacionados com dinheiro. O que temos aqui mais urgente é o Fundo para a Transição Justa. Temos de ter aqui investimento que compense, recompense, duplamente recompense o encerramento da Central do Pego e é um desafio para “amanhã”. Temos de ter marcação cerrada. Segundo desafio é a negociação que vamos começar para o próximo ciclo de financiamento, o Portugal 2030. É importante fazer perceber que nós temos especificidades diferentes da CIM de Leiria e, para determinadas linhas, precisamos de ter aqui um olhar diferente para a nossa região. Vai ser um processo duro, longo e está em cima da mesa.
E os aumentos dos custos com energia não são um desafio?
Nas questões da energia, dos 13 municípios, não estamos todos na mesma situação. Há municípios com a maioria dos contratos no mercado regulado, portanto, o impacto do aumento das tarifas de energia foi inferior.
Onde estamos numa forma transversal e idêntica, é em relação ao gás. Por isso a CIM, tal como alguns municípios só por si, está a trabalhar numa coisa que se chama Comunidades de Energias Renováveis. Há municípios que estão a avançar sozinhos porque pela dimensão e pelos consumos podem comportar mais do que uma Comunidade de Energias Renováveis, mas na CIM já lancei o debate para podermos avançar com um estudo para que depois cada município possa tomar a sua decisão e que passará por termos uma Comunidade de Energias Renováveis no Médio Tejo. E é mais uma coisa que contribui para nos afirmarmos como região. Há aqui uma discussão: só edifícios públicos ou também para os privados. Eu defendo que devemos envolver aqui também as empresas por forma a podermos ter um custo de energia mais baixo para as empresas.
*Entrevista realizada a 17 de outubro. A limitação das candidaturas ao Fundo de Transição Justa apenas para PME terá sido ultrapassada depois de intervenções da CCDR Centro e da própria Comunidade Intermunicipal.