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Entrevista: Assinala-se hoje o Dia Mundial da Doença do Alzheimer

21/09/2023 às 15:03

No dia de hoje, 21 de setembro, procura-se salientar a nível mundial, a problemática da Doença do Alzheimer. Sendo uma doença crónica e degenerativa que afeta a memória e a longo prazo chega a afetar as capacidades cognitivas e comportamentos de quem dela padece, é o tipo mais comum de demência, chegando até a interferir na capacidade do doente de manter as suas atividades diárias.

No que diz respeito a números, a Organização Mundial de Saúde estima que em todo o mundo existem 47,5 milhões de pessoas com demência, número que pode atingir os 75,6 milhões em 2030 e quase triplicar em 2050 para os 135,5 milhões. Especificamente, em Portugal, não existe qualquer estudo epidemiológico que retrate a real situação do problema, mas os dados da Alzheimer Europe apontam para mais de 193 mil com demência. Assim, a “Healt at a Glance 2017” (“Uma Visão da Saúde), da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico), colocou Portugal como o 4.º país com mais casos de Alzheimer por cada mil habitantes. Neste sentido, a média da OCDE é de 14,8 casos por cada mil habitantes, sendo que para Portugal a estimativa é de 19,9.

Para comemorar este dia, o Jerónimo Belo Jorge, juntou-se à Human Coop, numa conversa com Ana Santos, para dar a conhecer um pouco mais sobre esta doença e como pode ser diagnosticada. De referir que a Human Coop é uma cooperativa social de Abrantes que atua na prevenção da doença de Alzheimer e outras demências, assim como também, apoia na avaliação, diagnóstico e intervenção em doentes que padecem este tipo de doenças.

 

O que se pode dizer para o cidadão comum sobre esta doença que afeta muito a mente, o cérebro?

Alzheimer ou, efetivamente, a doença de Alzheimer, é caraterizada principalmente ou numa fase inicial pela falta de memória. No entanto, temos que fazer aqui a distinção do envelhecimento normal, em que é normal as pessoas com idade irem-se esquecendo cada vez mais de algumas palavras, de algumas situações, mas quando isso se torna recorrente ou quando essa situação interfere no dia a dia da pessoa, nas atividades de vida diária como lavar a louça ou quando ao fazer a comida a pessoa em vez de pôr o sal põe o açúcar, sim, aí está a interferir com a vida diária e, portanto, aí já poderá ser doença de Alzheimer ou outra demência. Portanto, a doença do Alzheimer é uma das demências, não é a única, existem outras como a demência frontotemporal, mas a mais comum e frequente é efetivamente a doença do Alzheimer.

O que estas doenças mentais têm em comum, é o facto de serem doenças degenerativas, ou seja, a pessoa vai perdendo as capacidades ao longo do tempo e em termos médicos há medicação que se pode fazer, mas em termos de parte da farmacologia vai só tentar minimizar os efeitos da doença, porque não há cura para este grupo de doença mental. Por isso, o que têm em comum é a perda de memória a curto prazo, ou seja, a memória de trabalho, e depois com o tempo vai afetar outras áreas cerebrais e executivas como o planeamento, a linguagem e, numa fase muito final ou muito avançada, vai afetar também a parte motora, porque esta parte também advém do nosso cérebro, portanto, é isto que têm em comum, então, existe aqui, sim, uma perda de células dos neurónios.

Ainda não se sabe a causa exata da doença, mas começa pelas áreas da memória, mas depois vai afetar outras áreas cerebrais e, no fim, a pessoa fica mesmo num estado mais acamado...

 

Mas não havendo cura e sendo detetada de forma precoce, quando acontece esse esquecimento ou «troca do açúcar pelo sal», que é um dos exemplos mais simples, convém aqui fazer o tal despiste e procurar ajuda...

Sim, sem dúvida. É fundamental fazer um rastreio e nós, por exemplo, de momento o que estamos a tentar fazer é esse trabalho aqui no nosso terreno, em Abrantes e nos concelhos ao lado, porque a falta de memória pode ter muitas causas. Pode ser de uma demência de Alzheimer, por exemplo, é caraterística do próprio envelhecimento, mas pode ser também consequência de uma depressão a longo prazo que não foi tratada e que com um tratamento adequado, esta perda de memória vai quase a desaparecer. Portanto, é fundamental fazer aqui, sim, um rastreio, para perceber a origem dessa falta de memória e depois atuar consoante o perceber dessa origem.

 

A Associação do Alzheimer de Portugal lançou, na semana passada, uma música do João Só porque, disse a presidente Rosário Zincke, a música pode ser uma forma de terapia ou de ajuda. De que forma é que, não recorrendo a fármacos, pode haver e de acordo com a Associação de Alzheimer de Portugal, terapias que podem ajudar e muito estas pessoas a quem precocemente, são detetadas com a doença?

Sem dúvida é importante a medicação, mas são também importantes as terapias não farmacológicas e aqui há um grande mundo de terapias não farmacológicas, as quais vão ser aplicadas consoante a fase da doença, por exemplo, se estamos numa fase inicial ou mais final, existem diversas terapias que podem ser feitas. A questão da música, por exemplo, é uma ferramenta extraordinária, porque o que acontece primeiro na doença do Alzheimer é a perda da memória a curto prazo. Podem já não reconhecer, por exemplo, a cara de um familiar, já não conseguir chamar a pessoa pelo nome, mas lembram-se perfeitamente das brincadeiras que tiveram quando eram crianças, estas são memórias muito mais remotas que não são perdidas...

 

Porquê?

A explicação em termos neurológicos tem a ver com a parte das perdas dos neurónios. Em termos cerebrais e em termos neuro-fisiológicos são uma explicação, portanto, ficam lá mais guardadinhas, digamos assim, mas há outras que ficam lá, no fundo, e só numa fase mais avançada é que eles perdem (estas memórias) e o que a música vai aqui trazer são lembranças, ou até o próprio ritmo da música pode-nos lembrar de alguma situação ou a mesma música em si também nos pode lembrar de situações passadas, e a pessoa vai-se lembrar. Podem não se conseguir lembrar do que é que almoçaram, que tipo de sopa era ou de que era a sopa, mas se lhe perguntarmos que música era a sua favorita, ou se lhe perguntarmos, no casamento, que música é que tocou, a pessoa vai-se lembrar. Desde que essa música tenha algum significado para ela, a pessoa vai-se lembrar e, portanto, a terapia pega nesta questão e a partir daí conseguimos falar com a pessoa e estimulá-las cognitivamente, porque os grandes objetivos das terapias é fazer estimulação cognitiva e está provado, nós temos plasticidade cerebral, isto é um termo técnico e, ao mesmo tempo, temos uma reserva cognitiva, são dois termos muito importantes nesta área das demências. Ou seja, assim de uma forma muito resumida: antigamente pensava-se que os neurónios morriam e que já não havia nada a fazer. Hoje em dia não é assim. Através da estimulação nós conseguimos ativar neurónios que pareciam que estavam mortos, mas ainda não o estavam e através da estimulação vamos conseguir, digamos assim, acendê-los, como se fossem uma central de luzes, em outras palavras, aquilo vai-se apagando, mas se ainda houver alguma chamazinha, é através da estimulação adequada àquela pessoa, e lá está outra vez, o exemplo da tal música que tem um significado, e aqui, sim, a ênfase da terapia é perceber as vivências das pessoas e chamar essas vivências, porque através daí conseguimos dar chama àquele neurónio. Depois há um contagiar dos neurónios ao lado e vamos, assim, conseguir ali manter a pessoa mais tempo e estagnar, digamos, a doença, mas relembrando sempre que não vamos ter a pessoa recuperada... isso não vamos conseguir.

Mas o estímulo é fundamental aqui, e com a ajuda depois da medicação, as terapias são fundamentais e têm muitos mais benefícios e ganhos para as pessoas e depois para os cuidadores também.

 

De que forma é que podem ajudar a população de Abrantes, dos concelhos à volta de Abrantes, na deteção, nas terapias, no encaminhamento, ou seja, de que forma é que a cooperativa pode aqui ajudar o cidadão?

Nós temos feito um trabalho em várias frentes, uma delas, em termos de literacia de saúde, ou seja, temos feito algumas palestras de divulgação do que é a demência, do que é o Alzheimer, o que se pode prevenir, como se pode intervir e fazer a tal estimulação cognitiva... fazemos estas palestras pontualmente em Juntas de Freguesia. Temos feito também rastreios durante 20 minutos, mais ou menos é o que dura o rastreio, portanto é um exame muito rápido e simples, daí ser rastreio, para perceber se a pessoa tem alguns indícios de demência ou de pré-demência. Se evidenciar esses indícios, então aconselhamos ao nosso neuro-psicólogo uma avaliação mais específica para diagnóstico, se efetivamente tem já pré-demência ou uma demência ou se tem outra situação que está a provocar a tal falta de memória, encaminhamos depois para os sítios mais adequados. Além disso, depois fazemos também um trabalho de prevenção, porque esta questão da demência, principalmente à nossa neuro-psicóloga, as pessoas que chegam e já têm demência, têm chegado já num nível muito avançado, pessoas de idade, se bem que a colega já tem recebido pessoas de 50 anos já a ficarem com diagnóstico de Alzheimer. Mas em termos da evolução da fase da demência, já nos chegam numa fase tardia em que em termos de estimulação cognitiva nós já não conseguimos fazer muito, a pessoa já precisa dum apoio de 24 sob 24 horas e nós já não conseguimos ter tantos ganhos. Portanto, o nosso trabalho tem sido feito mais em prevenir, divulgar o que é que isto, o que se pode fazer para que as pessoas sejam diagnosticadas mais cedo, porque mais cedo conseguimos intervir mais cedo e conseguimos, assim, melhor qualidade de vida porque conseguimos estagnar mais a doença. Então, a nível desse trabalho de prevenção, temos as nossas Academias da Mente, que é um conceito criado por nós, que são três atividade realizadas uma vez por semana que é a dança sénior, a estimulação cognitiva e danças criativas e, aqui, no nosso concelho temos feito estas atividades da mente com o apoio da Câmara Municipal de Abrantes e as Juntas de Freguesia, onde estamos a realizar as Academias da Mente, e as próprias pessoas notam que as atividades que nós fazemos é mesmo para puxar pela cabeça. São pessoas que não têm diagnóstico, pontualmente estão numa fase inicial e conseguem integrar os grupos, mas é direcionado mais para pessoas idosas que estão em isolamento social, porque esta questão do isolamento social está comprovado que leva a declínios cognitivos, a défices cognitivos, não há estímulos que por sua vez vão desembocar em demências e, portanto, aqui o foco é dar muito a estes seniores que estão isolados, este estímulo cognitivo pelo movimento, pela dança, com a música, com atividades específicas de estimulação cognitiva, com atividades cognitivas e diferenciadas conforme os grupos para os estimular e também para retardar, efetivamente, o surgimento da doença.

 

Há ainda, e falo na nossa região, nesta região de Abrantes e concelhos aqui a volta, vergonha... aquele síndrome social de ter vergonha de pedir ajuda ou não?

Eu acho que não é a questão da vergonha, é a questão de saberem onde é que podem procurar ajuda e de conseguirem ir, porque há muitos idosos isolados que acabam por não ter família por perto ou quando têm por perto, não estão, porque se calhar não há os técnicos disponíveis para os receber, é a questão da deslocação... eu acho que é mais esse o problema do que tanto a vergonha. Se me dissessem há uns 20 anos, se calhar, sim, mas hoje em dia acho que não, as pessoas estão mais abertas para a diferença, para a dificuldade e aceitam...

 

E há outra questão: «eu ando muito esquecida/esquecido pela idade», é normal...

É normal que aconteça, mas o nosso próprio envelhecimento faz com que o nosso processo cognitivo seja cada vez mais lento e assim não vamos conseguindo memorizar tanta informação como memorizavam, isso é normal. O problema é quando isso interfere com o nosso trabalho, com a nossa vida familiar, aí é sinal de alerta e de que devemos procurar ajuda. Se não interferir e nós conseguirmos produzir o mesmo no nosso local de trabalho, por exemplo, se conseguimos ter a nossa dinâmica familiar... é normal, está dentro da normalidade, digamos assim...

 

Ou seja, que se eu deixar por esquecimento o telemóvel dentro do frigorífico de forma muito recorrente, tenho que procurar ajuda...

Aí sim, porque não é o local de deixar um telemóvel, dentro de um frigorífico... Uma vez, pode acontecer porque a pessoa estava distraída, mas se acontecer de forma recorrente este tipo de ações, convém, pelo menos, tentar recorrer e fazer o tal rastreio para perceber o que é que se passa e depois a partir daí em termos de diagnóstico, portanto, a parte depois da avaliação mais específica, de uma intervenção mais específica, quando a pessoa já tem mesmo o diagnóstico de uma demência e a intervenção específica que normalmente é individual. Aí, nós encaminhamos para a Cruz Vermelha, para a nossa psicóloga Vanda Serra que é ela que faz esse trabalho.

Nós, Human Coop, não temos sede porque o nosso trabalho é na comunidade, o nosso trabalho maioritariamente é de prevenção, nós vamos às freguesias, às associações, às instituições, fazer as nossas atividades porque sabemos as dificuldades das pessoas em se deslocarem...

Jade Vieira

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