Foi há 19 anos, a 19 de março, que as portas do Centro Ciência Viva de Constância se abriram ao público pela primeira vez. A aventura começou anos antes, com uma sala e uma cúpula, e é com muito amor pelo que se faz e muito trabalho pelo meio que hoje é uma marca de referência no país. Do alto de Santa Bárbara vê-se o céu e ouve-se as explicações do que estamos a ver. Mas há mais, muito mais. O JA foi conhecer melhor o trabalho destes 19 anos com o coordenador científico do CCV e astrónomo Máximo Ferreira.
São 19 anos no dia 19 de março. Parece que foi ontem...
É verdade e, na realidade, não são 19 anos mas 23. É que este espaço começou a funcionar com uma pequena sala, com uma cúpula no terraço, no ano 2000. Como Centro Ciência Viva (CCV) foi, de facto, a 19 de março de 2004 e tem esta curiosidade de casar os anos com a data.
Foi uma luta sua que, como disse, começou muito antes. Até antes de 2000.
Começou em 1995 e até podemos dizer que começou antes. O meu envolvimento na questão da divulgação da ciência e o meu apoio a iniciativas da área da astronomia para relacionar com outras áreas do conhecimento, começou em 1990. Quer na Faculdade de Ciências, no apoio a recém licenciados no ensino da Física e da Química que iam depois para as escolas fazer estágio, quer no Museu de Ciência da Universidade, onde em 92/93, começámos com um programa mais alargado onde apoiávamos professores, escolas e autarquias. Em 1994 fizemos um evento, que temos feito desde sempre, com as autarquias que consideram importante ter atividade cultural para os seus residentes e solicitavam o apoio. A Astrofesta em Constância, a segunda que foi feita, deu origem a um Clube de Astronomia na escola e estabeleceu-se um protocolo com o Museu para ir dando algum apoio até que a Câmara Municipal arranjou financiamento para a tal primeira sala com a cúpula e o telescópio. E foi assim... no ano 2000 inaugura-se o Observatório Astronómico, em 2004 o Centro Ciência Viva de Constância.
A própria escolha deste lugar onde está o CCV também tem história...
Era interessante escolher um local relativamente elevado e que não estivesse dentro do meio urbano. É bom para a astronomia, é menos bom para os visitantes porque têm que fazer dois quilómetros da vila até aqui. A Quinta de Santa Bárbara era uma quinta grande que depois se fragmentou e foi parar a mãos de várias pessoas. A Câmara, na altura, até teve dificuldade em encontrar o proprietário do terreno mas, quando o identifica - era um construtor civil de Almada - o senhor achou tanta piada ao projeto que disse para escolhermos o terreno - escolhemos quatro hectares - e ele deu-nos o terreno. Ainda aqui esteve algumas vezes a visitar o espaço e acredito que se não tivesse falecido entretanto, ainda nos dava mais. Mas este chega muito bem.
Que espaços compõem o CCVC?
Temos uma parte dedicada à astronomia e uma outra parte mais ligada ao património local, com uma parte de memórias. Temos também um parque de apoio, não é um parque de campismo porque não cumprimos as exigências mas também não é isso que nos interessa. Na área dedicada à astronomia, um Observatório Astronómico, onde está o maior telescópio público do país, um Planetário, um Observatório Solar, uma escultura intitulada “Máquina do Mundo”, um anfiteatro, um laboratório de holografia... e um avião militar, que parece não ter nada a ver com astronomia mas tem a ver com os conceitos de gravidade, peso, massa.
Para um astrónomo, como tem sido viver esta aventura desde o dia zero?
Muitas vezes eu penso que foi ontem, que foi há muito pouco tempo. Até me parece impossível como é que conseguimos fazer isto. Nunca me passou pela cabeça que eu estivesse num local como este. O que é certo é que todos os que aqui estão, achamos isto tudo natural. Temos a noção do que o que temos já chega para desempenhar o nosso trabalho. Gostávamos de ter mais algumas coisas mas também precisávamos de mais pessoas, que não podemos ter, e portanto não vale a pena. No entanto, de vez em quando, lá vem ao pensamento mais uma coisinha que gostávamos de ter e que talvez fossemos capazes de fazer... Mas tem que haver um equilíbrio e uma certa moderação para não correr o risco de esticar muito o projeto e depois não ser possível colocar tudo a funcionar. Claro que há momentos, como agora, em que gostávamos de conservar o edifício, pintá-lo nalgumas partes mas temos que ficar à espera. Portanto, os nossos desejos agora são mais moderados.
Quem mais procura o CCV?
Mais, mais, são as escolas, embora tenha acontecido uma coisa que nos agrada muito e até gostávamos que acontecesse mais. Nos últimos tempos, a partir da pandemia, mesmo com entradas condicionadas, tivemos sempre lotação esgotada e, a partir daí, aumentou extraordinariamente o número de adultos que vêm ao fim de semana.
E vêm por curiosidade, para perceber?
Querem o Planetário, querem o avião, essencialmente isso. Mas depois acham isto tão interessante que vêm o resto do parque. E, algumas vezes, vêm várias vezes para ver outras coisas que não viram antes, como enxames, galáxias, nebulosas...
E os visitantes são mais da região ou vêm de fora?
Nós costumamos brincar com isso. Se eu pegar num mapa do país e, com um compasso, fazer uma circunferência que vá até 30 ou 40 quilómetros daqui, desse território todo vêm menos de 5% dos nossos visitantes. A esmagadora maioria vem de fora.
Quais os números de visitantes ao longo destes 19 anos?
Estamos perto dos 400 mil visitantes. Tendo em conta que nos dois anos da pandemia tivemos menos de 10%, digamos que o número médio anual é de 25 a 28 mil. O ano de 2009 foi muito bom pois foi o Ano Internacional da Astronomia e aproximámo-nos dos 30 mil. Em 2022 já se ultrapassou os 25 mil e tudo indica que este ano vai superar todos os anteriores. Também ajustámos um pouco a nossa estratégia. Sempre houve dificuldades financeiras nas escolas mas isso agora foi muito agravado com a questão dos transportes. Há muitas escolas que fazem marcação e depois dizem que não podem vir porque lhes pedem 10 mil euros pelo autocarro. Então, vamos nós às escolas. Temos um Planetário idêntico ao que está aqui fixo, temos uma cúpula insuflável e montamos isto nas escolas e fazemos as sessões. Recebemos 120 a 150 alunos numa escola e isto fará aumentar o número de participantes.
Partilha muito dos seus conhecimentos...
Sim, partilho com as pessoas, partilho com a equipa mas incentivo-os a saberem junto dos que nos visitam a partilharem também a opinião que tiveram. Isto não é 100% fiável, até porque não podemos fazer um questionário muito grande porque as pessoas depois não querem responder. Mas preocupamo-nos em fazer sempre melhor (...) e estamos sempre a aprender.
Em dias e noites de eclipses ou outros fenómenos, como chuvas de estrelas, as pessoas procuram o CCV?
Vem muita gente. Há telescópios para toda a gente e às vezes não recebemos mais pessoas porque nós próprios podemos não conseguir acompanhar. O que fazemos é colocar duas ou três cúpulas com telescópio, mais um telescópio ao ar livre, e eu a falar do céu e do que podem ver. Chegamos a ter 150 a 200 pessoas numa noite.
Para este ano, quais vão ser os momentos altos no panorama astronómico?
Há um eclipse do sol a 22 de abril mas a uma hora em que em Portugal é de noite. Nós temos um contacto com o Observatório da Austrália e o eclipse vai ser visível na costa ocidental e ainda apanha o lado leste de Timor. A nossa intenção, se tudo correr bem, é ligarmos e fazermos a transmissão em direto aqui no Centro.
E há a Astrofesta...
Para além do nosso aniversário agora em março, a Astrofesta é o outro grande evento do ano. Vai ser no último fim de semana de agosto e, em agosto, ao nível das estrelas e do céu, o panorama é sempre igual. Como a lua é o mais bonito para as pessoas verem, escolhemos sempre um fim de semana em que haja lua perto do quarto crescente. Isto porque ao início da noite as pessoas vêm a lua, bonita, mas com o passar do tempo a lua esconde-se e o céu fica escuro, o que permite depois ver outras coisas. Normalmente tem observação à sexta-feira mais ou menos até à meia noite. Há quem fique acampado no parque de apoio, há quem vá dormir a casa. Na noite de sábado para domingo é que é uma direta para quem resiste, até ver o nascer do sol.
Os Circuitos Ciência Viva têm resultado?
Foi uma boa operação de marketing. Sai relativamente barato às pessoas que adquirem o cartão e oferecem a possibilidade de visitarem todos os centros durante o ano. Do ponto de vista financeiro, é uma desgraça. É que a pessoa compra o cartão com 50 euros, leva a família aos centros todos, e esses 50 euros são repartidos pelos centros. Significa que dá nada. Mas foi uma operação de marketing interessante a que as pessoas aderiram muito.
“Promoção e disseminação da cultura científica” é, desde sempre, o grande objetivo do CCV de Constância. Sente que está a ser conseguido?
Está a ser conseguido mas nós gostávamos que fosse mais. Que fosse mais fácil ter mais pessoas com sentido crítico das coisas. Ninguém pode garantir que as coisas são 100% eficientes ou eficazes mas o que é certo é que temos, em primeiro lugar, que acreditar na ciência e acreditar que o que não se resolver pela ciência, não se resolve com coisas sobrenaturais. Cabe a nós ir arranjando estratégias para mostrar às pessoas que determinado aspeto da ciência é credível por isto e por aquilo. Naquilo que não temos a certeza, dizer que não temos a certeza. E há pessoas que não aceitam bem o facto da ciência ainda não dizer tudo. E isso é mau porque depois fazem disparates, como no tempo da pandemia. Achavam que podiam fazer tudo porque depois vinha a vacina e resolvia o problema. Houve pessoas que não se preocuparam com a questão da higiene, não usavam máscara, faziam festarolas... Isto de considerar a ciência como um Deus, em que eu faço asneiras mas Deus depois perdoa-me, é preciso que as pessoas ganhem consciência.
Têm tido ofertas de outras instituições, mesmo militares, como o avião.
Este avião tem uma história muito interessante. Em determinada ocasião, achei que era interessante ter um avião. Primeiro porque permitia abordar os aspetos da Física mas também porque, julgava eu, seria mais um objeto de atração. Superou em muito este meu julgamento. A Força Aérea disponibilizou um avião e o 1919, que estava em Beja, é o que está aqui. Colocaram uma pequena exigência, que eu percebo perfeitamente, que era o não gostarem nada que o avião ficasse ao ar livre. E foi bom porque, na ocasião, não tínhamos possibilidades para criar um hangar e esse foi um empurrão para procurarmos dinheiro para o fazer. O avião foi desmontado por técnicos da Força Aérea em Beja e foram os transportes do Exército que o trouxeram aos bocados. Foi um cortejo extraordinário de Beja até aqui, com motas da Polícia do Exército à frente.
Qual o orçamento anual do CCV? De onde vem?
Nós tínhamos, até há pouco tempo, financiamento de 150 mil euros. Eram 50 mil euros de apoio da Câmara, 50 mil da Ciência Viva nacional e os outros 50 mil arranjávamos nós da bilheteira e das atividades. Há dois anos, a Ciência Viva cortou esse apoio e nós ficámos com o apoio da Câmara que, entretanto, passou de 50 para 55 mil euros. O que fizemos foi esfarraparmo-nos para conseguir passar de 33% para 45% do orçamento, que sai do nosso trabalho e dos serviços que prestamos.
O que é que ainda falta ter ou fazer no CCV?
Agora estou impedido de pensar em fazer coisas. Para já, pintar os muros e pintar este edifício que tem 20 anos e que nunca foi pintado. É manter o que temos (...) e dispomo-nos a fazer tudo pelo amor que temos a este projeto que eu nunca quis que fosse só do concelho de Constância. É da região, é do país.
Patrícia Seixas
Pode ouvir esta entrevista na íntegra nos Podcasts em antenalivre.pt