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Entrevista: Da “Palavril” ao “… Abril que ainda nos faz falta - António Colaço

6/04/2024 às 12:40

António Colaço criou uma obra para assinalar os 50 anos de Abril em que junta o 50, cravos, Salgueiro Maia, imprensa, fotos e a sua escrita caligrafada. O original foi oferecido a Natércia Maia. Em Mação andou a alindar a “Palavril”, a chaimite dos 45 anos do 25 de Abril e prepara uma exposição para a Misericórdia de Abrantes. Sem censura, porque o 25 de Abril deixou a Liberdade de Expressão, deixa um desafio ao Rotary Clube de Abrantes e uma proposta ou recado ao Município de Abrantes.

Entrevista por Jerónimo Belo Jorge

Este quadro, o original, “O que faz falta é fazermos o Abril que ainda nos faz falta”, foi oferecido pela Associação dos Antigos Deputados da Assembleia da República à viúva do Capitão de Abril Salgueiro Maia. Como e quando é que surgiu a ideia de fazer um quadro sobre os 50 anos do 25 de Abril?

O que faz falta é fazermos o Abril que ainda nos faz falta, enfim, da saúde, da educação, desses temas todos que estão aí mais candentes portanto, uma ideia dinâmica do Abril. Porque o Abril foi um movimento que não quis parar no tempo e, ultimamente, se calhar temos parado no tempo. Do ponto de vista gráfico a ideia surgiu-me em finais do ano passado. Joga com “aquela coisa” do 50, ou seja, é o 50 repetido em diversos graus, e tamanhos, que é a coroa do cravo. Fiz uma tela de 1 metro por 80 cm, à volta disso, e desde logo houve a ideia de oferecer o original à Natércia Maia (viúva de Salgueiro Maia) que já conheço e que já tem, ou o número 1 ou 2 de uma anterior serigrafia que está a ser vendida pela Associação 25 de abril. E porquê a Natércia Maia? Já a conhecendo há algum tempo, tendo entrevistado o marido, para a Rádio Ribatejo, uma ou duas vezes, mas associo-a a alguém que correu riscos, como todos correram riscos naquela gloriosa data. Mas o Salgueiro Maia foi sempre desprendido, nunca ficou deslumbrado. Acho que tipifica, protagoniza o exemplo de alguém.

 

E neste quadro é do Salgueiro Maia que nasce o cravo que simboliza os 50 anos do 25 de Abril…

… aqui entra a segunda parte da explicação do quadro. Esta fotografia (do Capitão Salgueiro Maia) é do meu querido amigo Eduardo Gageiro. Porque ele (Eduardo Gageiro) captou no Terreiro do Paço o momento em que as tropas leais ao regime estavam com indicações para disparar sobre os carros que tinham vindo de Santarém. E quando acontece a rendição e o Salgueiro Maia volta as costas morde os lábios. E ele (Salgueiro Maia) explicou mais tarde, numa entrevista, que o Eduardo Gajeiro estava no Terreiro do Paço e captou esse momento que para ele foi o abril de abril, o abril vitorioso. E eu destaquei esta parte da fotografia e o Salgueiro Maia é o pé do cravo. As fotografias, várias, são o chão onde tens o movimento popular. E depois algo que nos diz respeito e que são os títulos da imprensa e também estrangeira. E depois a escrita transfigurada que não consegues ler lá nada. Antes pelo contrário, parece uma escrita que deixa às pessoas que façam, cada uma, as leituras que quiserem. Ah!? tudo insto sob um fundo dourado, que eu uso e abuso. E é uma serigrafia que o Centro Português de Serigrafia reproduziu com uma qualidade extraordinária.

 

Estas cópias estão a ser vendidas pela Associação do Ex-Deputados da Assembleia da República, liderada por Jorge Lacão…

…a quem eu aproveito para agradecer. Nós brincámos em “putos”, os nossos pais eram padeiros e depois durante anos nunca nos cruzamos. Curiosamente foi ao serviço da RAL (Rádio Antena Livre), naqueles tempos, que voltou a aparecer, apoiou-nos nas lutas pela legalização das rádios e a nossa amizade retomou-se e foi ele que depois me convidou para, durante 21 anos, liderar o gabinete de imprensa do grupo parlamentar do Partido Socialista. Foi a Associação dos ex-Deputados que promoveu a cerimónia de lançamento da obra num almoço na Associação 25 de Abril.

 

Este almoço aconteceu a 22 de março. Como é que foi a cerimónia?

Correu muito bem. Estiveram lá, quer a Natércia, quer o Eduardo Gageiro, o Jorge Lacão, o Vasco Lourenço, alguns militares, ex-deputados. A sala estava cheia. Do ponto de vista da obra assinei algumas e sei que outras estão encomendadas. Adianto que do ponto de vista comercial está a um preço acessível. 100 euros, ou 80 para os sócios da Associação dos ex-Deputados, que tem a responsabilidade da sua comercialização. Agradeço ao Jorge Lacão, pois já tinha tentado bater a diversas portas e, em três dias, o assunto ficou resolvido.

 

António, dos vários trabalhos que fizeste, alguns foram depois serigrafados e vendidos, ou as esculturas, este (50 anos do 25 de Abril) teve um gosto especial?

Teve um gosto especial porque eu fiz há 19 anos um original para a Helena Roseta que foi serigrafado pela Associação 25 de Abril. E está ainda a ser comercializado. Nos 30 (anos do 25 de Abril) fiz um outro trabalho, e nos 40 fiz outro que acreditei que esteve quase para ser a serigrafia oficial. Mas havia um senhor por quem tenho muito respeito e cuja obra adoro, Júlio Pomar, que acabou por ser o escolhido. Agora, os 50 é esta iniciativa. As datas redondas têm sempre um condão que não têm as outras. A data redonda, do que quer que seja, convoca-nos para viver com mais intensidade. Eu tinha 22 anos quando foi o 25 de Abril.

Eu tinha 22 anos, fui para Mafra (serviço militar) e apanhei o 16 de março que foi uma desilusão. E na madrugada de 24 para 25, Na Escola Prática de Administração Militar, fomos acordados às 2 horas e disseram-nos “desta vez não falha”. Deu-me muito gozo sentir que a guerra colonial já não estava mais no horizonte. Eu era recruta e foi um alívio. Eh pá e eu não admito a ninguém, por muitos erros e por muita coisa que esteja ainda por fazer que ponha em causa esta data.

 

Esta geração que nasceu e cresceu a partir da década de 90, com todas as liberdades, não tem a noção do que foi viver todos os problemas inerentes ao crescimento da democracia, principalmente até a uma estabilização do país nos anos 80?

Eu acho que sim. Mas deixa-me dizer-te que tenho uma “Chaimite” em Mação e faço dela uma espécie de Cinderela a prepará-la para o “baile” dos 50. Andei lá com umas tintas e adaptei-a dos 45 para os 50, mas está linda. E quando lá andava passaram lá, duas vezes, uns miúdos de 14 ou 15 anos. No dia seguinte voltaram a passar e estava com um problema nas canetas com que caligrafo a “Chaimite”. E após explicar a máquina de guerra, de onde vinha, continuava com os problemas com a caneta. E eles perguntaram até que horas estaria ali, e depois disseram que iriam trazer uma caneta nova. Eu disse-lhe que não estava a pedir nada, mas adorei aquela disponibilidade deles para virem ajudar. A solidariedade também é um fruto do 25 de Abril. Mas é um facto que, não havendo um cenário de guerra, embora hoje tenhamos estas “putinisses” todas, o Abril continua a convocar-nos para as transformações que é preciso fazer.

Há que cumprir Abril e com ele a liberdade de expressão. A Chaimite de Mação está caligrafada para celebrar a libertação da palavra, por isso ela chama-se “Palavril”, palavra mais abril. Hoje já não temos a censura.

Para além de Abril e deste trabalho dos 50 anos de Abril, trazes aqui uma torre dourada, caligrafada, como que uma miniatura da torre de Abrantes. O que tens em mente?

Eu adoro a torre de Abrantes. Sempre adorei a torre de Abrantes…

 

… e tens uma serigrafia com a torre como imagem principal de Abrantes, num trabalho para os 80 anos de elevação de Abrantes a cidade?

Ainda bem que falas nisso, porque esse trabalho rendeu ao hospital de Abrantes 5 mil contos (25 mil euros). O Lions Clube de Abrantes, através do meu amigo Maximino Chaves, desafiou-me na altura para a compra de um lazer ótico para o hospital. E aproveito para desafiar os amigos do Rotary Clube de Abrantes para serigrafarmos uma coisa que os meus amigos da Câmara nunca quiseram. Eu ofereci-lhes um quadro com que participei nos 100 anos da cidade, composto por 100 tigelas de barro, [agradecendo ao Rui Pereira (Padaria Pereira) todo o apoio prestado] onde se fazem as tigeladas, e tendo as três fileiras do meio ido a forno. São tigelas coladas numa placa que parece palha, com a torre, a igreja de Santa Maria do Castelo e a torre de menagem. Poderiam ganhar algum dinheiro. Eu propus à Câmara para comprarem o quadro e para o serigrafar. Nem compraram, nem serigrafaram. Disse então para ficarem com o quadro, mas que sempre que precisasse para uma exposição deveriam cedê-lo.

Eu ofereço os direitos de autor para poderem angariar fundos.

Mas agora estás a preparar uma exposição, onde entra esta torre de Abrantes, repito, dourada e caligrafada?

Esta exposição, é uma primeira-mão, surgiu com um convite do Provedor João Pombo, da Santa Casa da Misericórdia de Abrantes. Estão para inaugurar as novas residências, por baixo do Museu Ibérico de Arqueologia e Arte (MIAA), e estou a preparar um conjunto de peças, entre elas uma que tem o pórtico da Igreja da misericórdia. Mas trouxe-te isto [porque sou um doido por aquela torre, o quadro vai chamar-se “Louvor e Saudação de uma Torre de Abrantes”] que são um conjunto de canudos que simulam um órgão de tubos, e depois no meio está a miniatura da torre. Estou em vias de estabelecer um protocolo com a Misericórdia, e com a colaboração das animadoras, para que os idosos ocupem os tempos livres e possam levar para casa uma torre feita por eles.

E há uma outra revelação, vou falar com Altice e com o Município, para poder fazer um concerto em direto, na altura da exposição, transmitido para quatro colunas colocadas no alto da torre. Vou estrear uma peça de sete minutos de órgão. Acho que se pode fazer muitas coisas na torre, para além da árvore de Natal mais grandiosa.

Vamos fazer de um corredor e de uma sala uma galeria. Acho que a arte não se esgota nas galerias. E é uma prática que venho a utilizar nos 50 anos, ou seja, tive uma exposição na Assembleia da República, em Mação, em Gavião e em Sardoal, mas não tivemos em Abrantes. Vou manter o título “50 anos a fazer p.arte” onde esta peça irá estar. Mas podes até perguntar, mas ali mais acima está o MIAA. E eu respondo, ninguém mais do que eu, adora o MIAA. Foi de lá, aliás, que a RAL fez uma emissão pirata, com o Eng. Bioucas (à altura presidente da Câmara) a dar conversa aos fiscais para tirarmos de lá os equipamentos, no velhinho Convento de S. Domingos. Agora é um problema, não sei como hei de dizer isto, eu faço parte dos artistas do povo, tipo pé descalço. Portanto, estar ali ao lado do MIAA vai-me dar um certo gozo. O MIAA é uma grande obra, mas é só para uma elite. Mas sendo uma grande obra só tem, e merecida, uma sala dedicada a Maria Lucília Moita, mas não tem espaço para os outros artistas locais, onde me incluo.

Eu neste momento trabalho num cantinho na garagem do prédio, mas, porque não existir aí (em Abrantes) um espaço para ateliers, para jovens artistas, ou para velhotes… portanto ficam os recados dados.

 

 

Associação de ex-deputados apresentou propostas para aprofundar democracia

 

A Associação dos ex-deputados à Assembleia da República vai apresentar, numa conferência em 26 de Abril, um “contributo de reflexão” para o aprofundamento da democracia, 50 anos depois do 25 de Abril.

“Não basta apenas invocar valores e princípios, o que é seguramente relevante. Queremos dar também o nosso contributo de reflexão para o aprofundamento daquelas áreas em que consideramos que a democracia merece e deve ser aperfeiçoada”, afirmou à Lusa Jorge Lacão, presidente da associação.

Serão propostas, disse, em áreas a que a associação tem dado atenção, na “defesa dos valores e dos princípios da democracia e do Estado de direito”, e que podem abranger o sistema político e de justiça.

O ex-ministro socialista disse que, em 26 de abril, numa conferência sobre o antes e o depois do 25 de Abril, na Assembleia da República, em Lisboa, será divulgada uma declaração da associação que assumirá “um conjunto de temas considerados relevantes para a qualidade da democracia”.

A ideia desta conferência, com os historiadores Irene Flunser Pimentel e Fernando Rosas e a politóloga Marina Costa Lobo, disse, é “fazer uma avaliação mais aprofundada do que foi o Portugal do antes da liberdade do que passou a ser o Portugal depois da liberdade e o que deve ser hoje” e dar uma “perspetiva relativamente ao nosso presente e ao nosso futuro”.

Antes, ainda sem data marcada, está prevista uma outra conferência, em colaboração com a Associação da Transparência Internacional, sobre a transparência e a responsabilidade no exercício de cargos políticos.

No dia 22 de março, aconteceu em Lisboa a conferência “O movimento dos Capitães na preparação do 25 de Abril”, pelo coronel Vasco Lourenço, capitão militar de Abril. Foi um evento realizado na sede da Associação 25 de Abril.

Na conferência foi lançada a serigrafia invocativa dos 50 anos da Revolução dos Cravos, da autoria do artista plástico e ex-assessor parlamentar António Colaço, feita a partir de uma fotografia de Eduardo Gageiro, de Salgueiro Maia no próprio dia 25 de Abril.

C/ Lusa

 

CINQUENTA ANOS DEPOIS

O QUE FAZ FALTA É FAZERMOS O ABRIL QUE NOS FAZ FALTA

Há cinquenta anos, tive o privilégio de participar na tomada das Instalações da RTP do velho regime que, entre outras malfeitorias, nos manteve a palavra amordaçada.

CINQUENTA ANOS DEPOIS, aqui estou com o privilégio outro de, com a minha escrita transfigurada, homenagear, por um lado, a espantosa CORAGEM, assim assumida, dos jovens militares de então, mas também, e, sobretudo, proclamar que O QUE FAZ FALTA É FAZERMOS O ABRIL QUE AINDA NOS FAZ FALTA!

Se libertámos as palavras, "A PAZ, O PÃO, A SAÚDE, A HABITAÇÃO", não podemos descansar enquanto houver portugueses que as não podem pronunciar.

Ver este trabalho editado pela Associação dos Antigos Deputados, enche-me da maior alegria: foi graças a Abril que conquistámos a Casa da Democracia!

António Colaço

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