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Vidas Cruzadas: ENTREVISTA: 14 anos a cruzar apoios para ajudar vidas

9/03/2021 às 13:26

Nasceu há 14 anos em Tramagal e começou o seu trabalho com uma Loja Social. Começou a alargar o âmbito, sempre na área social, ganhou o estatuto de utilidade pública e de IPSS, sendo uma parceira da Segurança Social em diversos domínios, sempre no apoio social.
Aos 14 anos mudou a imagem sem mudar a génese com que foi criada: trabalhar em parcerias para ajudar os mais vulneráveis do concelho de Abrantes. Em tempos de pandemia as respostas continuam a ser necessárias. Vânia Grácio é a presidente e diretora-técnica da Vidas Cruzadas e explica a vida desta IPSS do concelho de Abrantes.

Entrevista por Jerónimo Belo Jorge

Hoje, 14 anos depois do início, como recorda os primeiros passos? Como e porque é que começou a Vidas Cruzadas?
A associação Vidas Cruzadas nasceu da vontade de um grupo de pessoas de Tramagal que queriam fazer mais pela sua freguesia e pelo seu concelho. Juntámo-nos e começámos a desenhar aquilo que é hoje a associação. Estávamos atentos às lacunas que existiam na intervenção social no nosso território e tentámos criar respostas a essas necessidades. Hoje temos no terreno vários serviços que acabam por responder às necessidades da comunidade. São serviços que não existiam e que a associação criou.

Uma associação ou uma IPSS? Como se pode caracterizar a Vidas Cruzadas?
Uma IPSS é uma Instituição Particular de Solidariedade Social que é um estatuto que se adquire por reconhecimento por parte da Segurança Social de que uma associação cumpre determinados critérios e que os seus estatutos estão de acordo com aquilo que a Lei prevê para as IPSS's e para entidades de Utilidade Pública.
A associação é uma associação que mais tarde pediu junto da Segurança Social o reconhecimento como IPSS e o estatuto de Utilidade Pública.

Apelando à memória, ainda há recordação do primeiro projeto no terreno?
O primeiro projeto da associação foi, ainda na primeira sede no TTL (Teatro Tramagalense) a Loja Social. Começámos a receber roupas das pessoas de Tramagal, e de fora, que já não precisavam, mas que ainda estavam em perfeitas condições para poderem ser reutilizados por outras pessoas. Começámos a receber esses artigos, a fazer a triagem e a colocar ao dispor das pessoas com menos rendimentos. Foi o nosso primeiro projeto que ainda se mantém em funcionamento.
Este foi o primeiro a avançar. Ao mesmo tempo integrámos, com outras entidades, a Comissão Social de Freguesia (Tramagal), integrámos a Rede Social do concelho. Outra parceria que integrámos foi a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ), uma área em que queríamos trabalhar. E nessa área celebrámos um protocolo atípico com a Segurança Social para o desenvolvimento de um Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental para responder a situações acompanhadas pela CPCJ quer noutras acompanhadas pelo Tribunal.

Loja Social apoia mil pessoas do concelho

A Vidas Cruzadas, hoje, trabalha em que áreas?
A Associação tem muito bem definida a sua área de atuação. De acordo com os estatutos, podemos trabalhar em todas as áreas de intervenção social, mas entendemos que num território cada entidade deve ter o seu papel. Nós acreditamos que quem não é especialista numa determinada área não é especialista em nada e depois andamos todos a fazer um bocadinho de qualquer coisa. Depois não fazemos um trabalho de qualidade. Trabalhamos, essencialmente, na área da infância e juventude, na área da proteção dos direitos da criança e apoio à família, mas também na área do atendimento e acompanhamento social das pessoas com menos recursos económicos. Aí podemos encaixar diversos dos nossos serviços, a Loja Social, o Centro de Recursos de Ajudas Técnicas ou Centro Local de Apoio a Migrantes...

… vamos olhar para as áreas de trabalho e gostava que apresentasse, de forma resumida, cada uma delas. O que é o CAFAP - Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental?
É um protocolo com a Segurança Social. Temos uma equipa especializada na intervenção e proteção dos direitos da criança. Apoiamos as famílias que tenham crianças em situação de risco ou de perigo, que possam estar a ser negligenciadas ou a passar por algum tipo de mau trato, violência doméstica, conflitos parentais... temos uma equipa especializada para acompanhamento destes casos. Trabalhamos em parceria com a CPCJ e com o Tribunal, mas também com as escolas que nos encaminham muitas situações. É um serviço que presta apoio à família, no seu todo.

O SAAS - Serviço de Atendimento e Acompanhamento Social?
Presta apoio social a pessoas que estão em situação de vulnerabilidade. Somos a porta de entrada do apoio social no nosso território. Fazemos uma primeira triagem em que tentamos perceber quais são as primeiras necessidades daquelas pessoas, em que medida podemos ajudar as suas próprias dificuldades e depois perceber que serviços é que existem no território que os possam ajudar.

Há o CRAT - Centro de Recursos de Ajudas Técnicas?
Emprestamos equipamento como camas articuladas, cadeiras de rodas, andarilhos a pessoas que tenham menos recursos económicos. Mas podemos emprestar a qualquer pessoa de forma temporária, por períodos curtos ou mais longos, para que não tenham de os comprar. Depois quando deixam de ser necessários, são devolvidos para voltarem a ser emprestados.

E a Loja Social continua a funcionar?
Sim. Prestamos apoio a cerca de mil pessoas do território de Abrantes. Funciona em Tramagal, na nossa sede, e temos um serviço itinerante em que vamos a diferentes freguesias, uma vez por mês, levar produtos que temos disponíveis às pessoas que estão inscritas. Temos o apoio das juntas de freguesia e essas pessoas estão identificadas.

Há uma busca constante de parcerias e projetos? Recordo o último, em termos públicos, foi no atendimento aos Migrantes?
Sim, a Associação desde o primeiro momento trabalha em parceria. Não podemos ser satélites, não podemos andar aqui a achar que fazemos tudo sozinhos. Nada disso faz sentido. Um território é tanto mais solidário, coeso e justo se trabalhar em conjunto. Eu, e os outros elementos dos corpos sociais, temos esta visão: se cada um fizer a sua parte, conseguimos ter no território uma resposta mais integrada e integradora. E conseguimos ter uma resposta porque vamos identificando as lacunas que existem no território. E se fizermos em conjunto com as entidades que já cá estão e que fazem parte da rede social, tanto melhor. Dessa forma conseguimos ter uma resposta muito mais eficaz, porque as pessoas querem é os problemas resolvidos, não lhes interessa por quem.

E o CLAIM - Centro Local de Apoio a Migrantes. O que faz?
É um Centro Local de Apoio à integração de Migrantes. Fomos sentindo através do SAAS que tínhamos muitas pessoas de nacionalidade estrangeira a procurar os nossos serviços em busca de apoio. Era uma área que não dominávamos. A legislação é complexa, os procedimentos de legalização são complexos, mas não o fazemos aqui, facilitamos os agendamentos a estas pessoas. Mas precisávamos de perceber como é que podíamos ajudar estas pessoas que não estão legais no nosso país, mas que são pessoas. E procurámos ajuda para ter mais informação e surgiu o convite para abrir um CLAIM.

Temos pessoas de muitas nacionalidades na região? Quais o país pais representado?
Do continente africano e pessoas brasileiras.

O que mais precisamos, neste momento, são alimentos e produtos de higiene

Há, neste ano, um crescimento de pessoas de outras nacionalidades à procura de ajuda?
Os números têm vindo a aumentar. Em Abrantes temos acréscimo de pessoas que nos procuram principalmente de Angola e do Brasil. Temos outras nacionalidades, como é óbvio.


Quantas pessoas trabalham na instituição?
Neste momento trabalham nove pessoas.

… e depois há os dirigentes?
Sim, somos 11 elementos nos corpos sociais que colocamos a máquina a funcionar. Dão as diretrizes e depois o pessoal técnico coloca em ação essas orientações.

Mesmo assim, nove técnicos já é uma PME?
Quase. Gostávamos que fossem mais, mas nem sempre os recursos estão disponíveis. Não são só as pessoas que precisam de apoios, este tipo de associações sobrevivem dos protocolos e dos projetos que vão sendo aprovados. Quanto terminam ficamos numa situação complexa porque não temos qualquer outro apoio. Não temos qualquer resposta social que seja comparticipada pelos utentes, são todas gratuitas.
E que haja alguma contrapartida financeira dos beneficiários, esse dinheiro é novamente investido na atividade. Por exemplo a Loja Social, que está vocacionada para quem está em maior vulnerabilidade, está aberta a todas as pessoas que podem adquirir os produtos a preços simbólicos. Esse dinheiro é para as despesas fixas, água e luz. Se tivéssemos de manter a loja só com as suas receitas, já tínhamos fechado há muito tempo.

Na pandemia, a Vidas Cruzadas adaptou-se. O que é que mudou nos contactos com cidadãos?
Foi a forma como fazemos a intervenção social. Temos muita intervenção em contexto familiar. Temos muito trabalho em que temos de ir ver as situações, não ficarmos apenas pelos relatos. E em contexto de pandemia o trabalho no terreno ficou mais de lado. Não vamos deixar ninguém sem resposta. E se houver necessidade de algum trabalho de urgência, não enjeitamos. Já o temos feito em articulação até com a saúde pública.

Aumentou o número de pessoas a virem à vossa procura, à procura de ajuda?
Aumentou no último ano e nesta segunda fase de confinamento voltámos a ter algumas pessoas que tinham vindo pedir ajuda no primeiro. Naquela fase (primeiro confinamento) viram-se numa situação mais complicada do ponto de vista de fazer face às suas despesas e de comprar alimentação. Com a “normalidade do verão” conseguiram equilibrar-se, mas agora voltaram a pedir ajuda.

Podemos de falar de aumento da pobreza no concelho?
Não tenho dados que suportem essa situação. Temos mais pedidos, mas pode ser uma fase do momento, com a pandemia, com o confinamento. Possivelmente com a retoma da atividade muitas das pessoas que estamos a acompanhar voltarão a equilibrar-se. Precisamos que a economia reabra para reequilibrar estas pessoas.

Embora haja serviços próprios para o acompanhamento da violência doméstica, do vosso trabalho no terreno têm a noção se a violência doméstica aumentou?
Somos membros fundadores da REIVA (Rede Especializada de Intervenção da Violência), fomos dos mentores dessa rede e temos trabalhado em conjunto com o Município no atendimento a vítimas de violência doméstica. Não creio que tenha crescido, penso que se mantém semelhante a outros meses. Pode acontecer aquilo que se tem falado a nível nacional, com o confinamento a criar mais dificuldades para as vítimas fazerem as denúncias. Não diminuíram, as queixas é que são menores.

Somos 11 dirigentes que orientam e nove técnicos que põem as ações no terreno

 E as pessoas, no geral, são mais solidárias nestes tempos?

Acho que a pandemia trouxe o melhor e o pior de todos nós. De um modo geral, as pessoas estão mais solidárias. Temos muitos movimentos que estão a querer ajudar, até mesmo as entidades públicas. Acho que as pessoas querem mais ajudar-se umas às outras, nem que seja um sorriso a alguém que tenha menos, nem que seja um sorriso... A solidariedade não tem de ser só dinheiro. Muitas vezes um sorriso, uma palavra ou um gesto podem ajudar alguém que está mais necessitado neste momento.

Olhando o futuro, Vânia, quais os novos desafios/projetos que a Vidas Cruzadas vai lançar?
Temos algumas candidaturas, das quais aguardamos os resultados. Em março aguardamos os resultados das candidaturas do programa Bairros Saudáveis. Fizemos esta candidatura em parceria com a Cruz Vermelha (Núcleo de Abrantes e Tomar). Queremos reforçar a atividade das duas entidades no território, queremos melhorar, aumentar a capacidade de resposta e criar coisas novas. Por exemplo, queremos criar um balneário público para passantes ou para casos eventuais de sem abrigo que possamos ter. Quanto ao SAAS, temos de aguardar porque vai haver transferência de competências da área social para o Município, por isso vamos ter de aguardar.

No imediato, o que é que mais necessitam para o vosso apoio à população?
Neste momento precisamos de alimentos e produtos de higiene. Trabalhamos com a Cruz Vermelha e temos tantos pedidos que é o que mais nos faz falta. Se a sociedade civil quiser apoiar, pode fazê-lo com a oferta de alimentos e produtos de Higiene.

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