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Entrevista: "O que precisamos mesmo é de chuva" - Luís Damas

11/03/2022 às 12:55

Luís Damas, 58 anos, engenheiro florestal é o presidente da Associação de Agricultores de Abrantes, Constância, Sardoal e Mação e da Federação dos Produtores Florestais de Portugal e é, nesta altura, um dirigente preocupado com os próximos meses. A seca severa que afeta a região está a fazer-se notar nos agricultores e produtores de gado e não é animadora para a fileira floresta. Defende, com urgência, a construção da barragem do Alvito, na Pracana, e um estudo para levar água do açude de Abrantes aos agricultores desta região.

Entrevista por Jerónimo Belo Jorge

Ao dia de hoje (28 fevereiro) qual é a real situação da seca, em termos de agricultura, na área da Associação?

É uma seca já severa. Já há grandes problemas com a alimentação dos animais, nomeadamente das ovelhas, das vacas e de todos os animais que dependem da erva e que nesta altura, as pessoas para ter os animais em condições têm de estar a dar rações. E o que vemos é que a erva não tem crescido, que houve sementeiras que nem nasceram e estamos muito preocupados porque os produtores estão a gastar as reservas de palha e alimentação de farinha processada e que está a encarecer. Por outro lado, está-se a gastar já a reserva que seria para usar no verão, no período de estio.

Juntando à seca em Portugal aquilo que se está a passar na Europa, um dos grandes fornecedores de cereais de Portugal é a Ucrânia, penso que se vai refletir nos preços no mercado interno.

De forma geral, os agricultores para poderem ter as plantas no seu ciclo normal já estão a regar. E a regar no fim de fevereiro estamos a gastar água e não sabemos o que é que está a acontecer nos recursos de profundidade (furos) porque já há dois ou três anos que não há uma reposição de águas. E como não chove poderemos ter alguns furos a entrar em colapso. Também há barragens de agricultura a ficar já no fundo.

E tanto Portugal como Espanha estão a ter o mesmo problema e isso pode ser bom, para os pacotes da ajuda da União Europeia. Mas o que precisamos mesmo é de chuva.

 

“E outra preocupação grande é a falta de mão-de-obra tanto na agricultura”

 

Costuma haver muitas queixas em relação às captações no Tejo, mas no pico do verão e por causa dos caudais. Este ano agrava-se com a ausência de chuva em todo o inverno?

Sim, já estão a regar. Já estão a gastar água. E há dias que o Tejo já não tem o caudal habitual. Estamos a falar de um caudal de inverno que está pior, às vezes, do que um caudal de verão. As barragens do Tejo (Belver e Fratel) são barragens de fio, não têm reservas e o que entra sai não nos ajuda. As do Zêzere já podem ajudar os agricultores a jusante da de Constância (foz do Zêzere), mas essas estão com restrições muito apertadas, porque Castelo de Bode abastece 3 milhões de pessoas. Antes havia este equilíbrio com as águas e vinham do Zêzere...

...mas com as restrições nas barragens do Zêzere (Cabril e Castelo de Bode)...

... exatamente. Se as restrições continuarem, se não chover, também vai haver problemas no troço a jusante da foz do Zêzere (Constância) e do Tejo todo até perto de Vila Franca de Xira.

Nós olhamos para o Alqueva e para o que fez e dizemos que foi uma grande bênção. Aqui, olhamos para o Ocreza e para uma grande barragem para regular o Tejo. É isso que nós pedimos e não o tal canal entre Cabril e Belver que, vê-se agora, é um tiro no pé. Se não há água essa água não vinha para o Tejo. Não faz sentido nenhum.

Falamos da barragem do Alvito, no Ocreza, que é uma ideia, um projeto pensado há muito muitos anos?

Há muitos anos até. Já foram feitos vários estudos, pelo que tem, já se sabe, um armazenamento muito grande de água que faz falta ao Tejo e ao país. Esperamos que esta situação tenha alertado para esta necessidade.

Para o governo, principalmente nos setores mais próximos da agricultura, esta barragem numa possibilidade que já está a ser alvitrada?

Sim. O governo no fim de agosto disse-nos que tinha encomendado um estudo à Agência Portuguesa do Ambiente (APA) que deveria ter sido entregue em janeiro do ano passado. No momento não sei como está. Penso que os decisores, os novos governantes vão ter de olhar para o problema da água no país todo e neste troço de Abrantes até à lezíria. E não é só a água para agricultura. Com caudais baixos é a poluição que se nota mais e que vem afetar todas as atividades ligadas ao Tejo, desde a pesca ao lazer, até à preservação da biodiversidade da bacia. E estas oscilações de caudais não ajudam nada...

Numa ação recente do proTejo, Movimento de Defesa do Tejo, foi explicado que os espanhóis cumprem o Convénio de Albufeira e enviam até mais água do que o que está acordado. O problema é que o acordo é à semana e não ao dia, pelo que numa semana o rio pode ir “seco” cinco dias e depois em dois é debitada todo o caudal de uma semana para cumprir. O vosso objetivo era o Tejo ter um caudal diário estável?

Sim. Isto é como a média do frango, há três ou quatro portugueses que comem um frango. Mas depois vemos que há uns que comem oito e outros não comem nenhum. Eles cumprem. Nós não queremos é que mandem tudo à segunda (como hoje) ou à terça e depois não enviem durante três ou quatro dias. Isto não faz sentido.

 

“o tal canal entre Cabril e Belver que, vê-se agora, é um tiro no pé”

 

Isso cria problemas nas captações que os agricultores têm no Tejo?

Sim. Se Alcantara está como está, Cedillo também, vamos ter este problema. As captações entopem e cria um problema e acima de tudo custos para os agricultores.

Há tempos disse numa entrevista à Rádio Antena Livre que o açude de Abrantes poderia permitir a captação de água para colmatar os problemas do aluvião em Tramagal, Montalvo, Rio de Moinhos, Constância....

Quando pensei nisso, e vou ter de aprofundar com a Câmara Municipal, foi porque temos aqui uma grande massa de água. Não tenho nenhum estudo, é uma mera opinião. Mas temos os três insufláveis no açude e um deles, na margem sul, é mais pequenino. Podia, quando faltasse a água, haver uma libertação de água e com aviso direto aos agricultores das horas. Não sei se é possível, vou ter de falar com a Câmara, com os técnicos e os políticos da Câmara para ver se isso tem alguma viabilidade para resolver um problema local.

 

“olhamos para o Ocreza e para uma grande barragem para regular o Tejo”

 

Voltamos à seca, que tipo de prejuízos é que os agricultores já estão a sentir?

Culturas de outono e inverno que não cresceram. Cereais. Trigo, aveia, cevada...

E alguns, como a ervilha (no Taínho e Rio de Moinhos) tiveram de ser regados para emergir, não havia humidade na terra para que a semente germinasse. Esse é um custo e um custo energético que o agricultor vai ter. E havia uma grande amplitude térmica: calor de dia e frio de noite. E há outro problema que é, por exemplo, a cultura do milho. É uma cultura que precisa de muita água e os agricultores têm de saber se avançam ou não, até por questões dos apoios comunitários que têm prazos a cumprir.

Tem conhecimento de agricultores que estejam a alterar as espécies a semear?

Há muitos que estão a empurrar para o fim do prazo das candidaturas para ver o que é que isto vai dar. O preço do milho subiu no ano passado e este ano fica a ideia que se tiverem água voltam a apostar numa cultura que lhes deu retorno.

 

“as matérias-primas têm tido os preços a disparar e a Ucrânia era quase o celeiro da Europa”

 

Com a seca, com a guerra na Ucrânia, principalmente os produtores de animais poderão ter problemas na alimentação dos animais?

Sim. Porque os elementos que são necessários para fabricar as rações têm os preços a disparar. Estes produtos, a nível mundial, estão a subir. Fala-se muito em gás e em energia, mas as matérias-primas têm tido os preços a disparar e a Ucrânia era quase o celeiro da Europa. E mesmo se parar a guerra, de repente, vamos ter um grande problema. Para alguns agricultores pode haver uma oportunidade, mas para a generalidade dos produtores de animais e para o consumidor final os preços vão subir bastante. E nos mercados de gado do Alentejo está a notar-se uma enorme venda porque as pessoas estão a desfazer-se dos animais por duas razões: porque não têm comida e, porque não têm as condições para comprar as rações. Estão descapitalizados e a desfazer-se para diminuir o efetivo e para poderem alimentar aqueles que ficam.

Vamos mudar o ‘chip’ do presidente da Associação de Agricultores para o Presidente da Federação dos Produtores Florestais. Tem-se falado muito na seca em termos de consumo humano, de agricultura e pecuária, mas não se tem falado muito nas implicações da seca para a floresta e, fileira florestal. Mas também há problemas?

O ano passado nesta altura falava-se nas limpezas. Faltavam 15 dias para acabar as limpezas, que tinham prazo até 15 de março. Era o que se falava há um ano, era o que andava nas notícias. Estas coisas têm sempre um lado mais humorístico “hoje li que o Putin vai receber o Nobel da Medicina porque acabou com a Covid-19”, deixou de se falar da Covid. Isto é assim, a limpeza este ano não é um assunto que “esteja por cima”…

… mas os produtores florestais estão preocupados?

Muito preocupados. A falta de chuva não fez crescer os materiais finos, a erva, mas há muito mato que com este stresse hídrico vai arder com muito mais facilidade. Aqui não há erva, mas ali no mato, o tojo, os sargaços passam a ser “pólvora”. Depois há uma mudança no Decreto-Lei 124, que balizava todas as regras dos incêndios, para Decreto-Lei 85, que ainda estamos a estudar, mas que vão levantar uma série de problemas aos produtores. Anda não sabemos bem o envolvimento. O que diz é que no nível de risco 3 de incêndio tem de parar toda a atividade florestal. E o país não aguenta parar tudo, porque há atividades que não podem parar. Vamos ter de olhar muito bem para isso.

Depois a seca pode trazer prejuízos para a cortiça, nomeadamente para as zonas em que é ano de tirar cortiça. É que em ano húmido a tiragem da cortiça é muito mais fácil. Em ano seco a cortiça fica mais agarrada ao tronco, o que pode gerar prejuízos para que tira a cortiça.

Quanto aos problemas florestais no país estamos preocupados com o pinhal, acima do Tejo. O Governo tem muito dinheiro para programas para mudar a paisagem, para aldeias seguras, mas não sabemos é se ainda temos gente e capacidade para alavancar esses projetos. E outra preocupação grande é a falta de mão de obra tanto na agricultura como, principalmente, na floresta.

Muitas vezes queremos fazer coisas e não há quem faça. E este é um dos problemas que temos no interior. Possivelmente teremos dinheiro disponível com a “bazuca”, mas se calhar não vamos ter capacidade de os executar.

Quanto às fileiras do eucalipto, do pinho e do sobreiro, a nível económico, estão saudáveis.

Tínhamos um objetivo para este ano que era tentar fazer perceber a essa indústria que têm de valorizar mais o espaço florestal para dar sinais aos proprietários para fazer alguns investimentos, por forma a terem retorno. A lei da oferta e procura está a funcionar nas serrações. Há dois anos a tonelada estava ao preço de 45 euros e agora está a 75 ou 80. Nos outros setores temos a Altri e a Navigator no eucalipto e o Amorim na cortiça que abarcam tudo, têm o monopólio por isso, há muitos desequilíbrios que esmagam os preços para os proprietários mais pequenos. Já apelamos para esses grupos para olhar para esta situação, para os pequenos produtores. O meu objetivo era que existisse uma maior compreensão pelos produtores.

E a floresta tem um papel importante na descarbonização. Se calhar os produtores também deviam receber uma parte dessas verbas porque ao plantar e manter floresta ter um papel muito importante na descarbonização do país. A floresta consome muito carbono [e aponta para a Central do Pego que se vê ao longe].

 

“às vezes o apoio não é só dinheiro, é não haver muita burocracia”

 

Estamos a chegar ao tempo mais quente. A Associação de Agricultores vai voltar a ter várias equipas de sapadores florestais?

Sim, vamos ter sete equipas. Quatro em Abrantes, uma em Sardoal, outra em Barquinha e outra no concelho de Ponte de Sor, em Longomel. Este ano o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) deu-nos dois tratores para fazer as faixas de gestão. Começámos a fazer trabalho para o Estado com estas novas máquinas e que no verão vão ser alocados ao dispositivo. Para o verão temos sete carrinhas de sapadores, 35 homens e agora estes dois tratores.

O que é que pode ser feito hoje em matéria de prevenção?

É fazer ações de silvicultura. Não é preciso cortar os matos todos, mas nos sítios nevrálgicos, junto às estradas, casas ou infraestruturas não deixar crescer os matos pois isso liberta os outros meios para atacar incêndios dentro da floresta.

E fazer a manutenção do espaço florestal de quatro em quatro ou de cinco em cinco anos. Hoje em dia, as pessoas olham para a floresta de outra forma. Quem não tem condições deve dar a instituições que façam a sua gestão. Mas apostar na floresta é apostar no futuro dos nossos netos. E pronto, deve haver ações de limpeza e sem ser apenas quando vem a multa da GNR. Penso que a mentalidade do abandono da floresta está a começar a mudar. Podemos dar uma volta pelo distrito e percebemos que as coisas começam a estar diferentes.

Ao dia de hoje (28 de fevereiro) quais são as medidas urgentes, do governo, para a Agricultura?

O apoio aos agricultores que têm necessidade. E às vezes o apoio não é só dinheiro, é não haver muita burocracia. Que seja um processo rápido! Os animais estão todos identificados no sistema e há maneiras de ser controlado. Rapidez. Não é abrir uma linha e passado quatro meses ainda estão a avaliar, têm de ser imediatos. Para o futuro mais apoio aos sistemas de rega, de abertura de furos, charcas para aumentar a capacidade de retenção de águas superficiais. Mas também processos mais rápidos, porque é APA, é Ministério do Ambiente… que sejam processos muito mais ágeis.

E ao nível da União Europeia acionar os mecanismos de apoio quando existir necessidade. Penso que já houve uma concertação entre Portugal e Espanha. A nossa ministra já veio dizer é que estas candidaturas que eram pagas em dezembro devem ser antecipadas para outubro, mas a liquidez não é precisa em outubro, achamos que deveria estar disponível era agora. E aqui para a região que pensassem na solução do Tejo com a decisão de construir a barragem no Ocreza. A decisão tem de ser tomada senão andamos sempre todos os anos com estes problemas da falta de água. Esse pode ser o caminho mais curto para a solução dos nossos problemas. 

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