A ligação a Abrantes de João Charters de Almeida vem de longa data. Tinha amigos de Abrantes nos tempos de férias na Figueira da Foz. Depois cada um fez o seu caminho e, muitos anos depois, em trabalho Charters de Almeida regressou a Abrantes. Primeiro ao ser desafiado a deixar uma das “suas cidades imaginárias” no Aquapolis, pelo então presidente da Câmara, Nelson Carvalho.
Anos depois, foi desafiado por Maria do Céu Antunes, a criar um outro trabalho, em grande escala, para assinalar o centenário da cidade. Foi mais uma porta colocada na Rotunda do Quartel.
João Charters de Almeida tem trabalhos em escultura e pintura, e em diferentes materiais. E tem, acima de tudo, trabalhos em grande escala em diversos continentes. Disse Fernando António Batista Pereira que o artista português com mais presenças no mundo e que tem desde este sábado o Museu em nome próprio em Abrantes, no requalificado Edifício Carneiro.
O Museu
A ideia começou em 2006 com um protocolo em que o artista doou ao Município de Abrantes um conjunto de obras da sua autoria. Este acordo teve renovações, a última já este ano.
Com uma carreira de cerca de seis dezenas de anos o escultor “entregou” a Abrantes obras representativas das várias fases da carreira, com escultura, cerâmica, tapeçaria, pintura e até a música, nomeadamente o Jazz como flautista.
O escultor trabalho ao longo da vida vários materiais que do ferro, ao aço, ao bronze, à pedra e ao betão. O Mestre Charters de Almeida entrou ainda desenhos originais, posters, cartas e documentos de interesse relacionados com a conceção, construção, implementação e inauguração dos trabalhos. E alguns destes “rabiscos” podem ser vistos ao lado das fotografias das peças de grande escala, como a “Cidade Imaginária” do Aquapolis, em Abrantes. Desenhos esses que, disse o artista, foram sempre vistos, em primeira mão, pela sua companheira de sempre: Mariazinha. Afirmou João Charters de Almeida que era sempre a primeira opinião crítica dos trabalhos. De todos os trabalhos.
E confirmou João António Batista Pereira, que trabalho na museologia, que a esposa sabe todos os pormenores de todos os trabalhos, datas incluídas. A posse de um acervo poderia ter uma outra linha de apresentação pública se fosse colocada num edifício novo. Mas não. O desafio técnico para este Museu foi muito elevado, quer para a equipa de arquitetura, de Vítor Mestre, quer para os responsáveis pela museologia e museografia. São 17 salas, nos pisos 1 e 2 do museu.
A linha proposta ao visitante é de livre arbítrio, não havendo uma sugestão ou indicação sobre quais os caminhos a seguir. Além dos espaços expositivos, o edifício tem um auditório polivalente com 63 lugares sentados. No rés do chão, há ainda uma loja associada ao museu e duas salas para acolhimento de exposições temporárias. A primeira, é uma mostra sobre o próprio Edifício Carneiro, da sua requalificação, da autoria do Arquiteto Victor Mestre.
Ao lado do edifício Carneiro foi criado um novo espaço que vai funcionar como laboratório de restauro e investigação, que, explica o Município de Abrantes, pretende abrir as portas aos estudos e ciência e com um objetivo de fazer a ligação ao ensino superior.
Fernando António Batista Pereira, museólogo
A empreitada
Se os acordos entre João Charters de Almeida começaram em 2006, a empreitada para a requalificação do Edifício Carneiro foi lançada em 2017, pela então presidente da Câmara de Abrantes Maria do Céu Antunes.
A adjudicação foi feita à empresa Tecnorém — Engenharia e Construções, pelo valor de 2,5 ME, com um financiamento comunitário do FEDER (Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional) através de uma candidatura aprovada pelo Programa Operacional do Centro 2020, no âmbito do Portugal 2020, de 2,3 ME.
Esta obra durou quase oito anos a ser concluída. Tal como recordou o presidente do Município de Abrantes a pandemia de Covid-19, qua quase já nos esquecemos, fez parar quase tudo, incluindo as obras. Depois veio a crise com a subida das matérias-primas e, esta caso em particular, teve dificuldades de mão-de-obra especializada, nomeadamente nos trabalhos em madeira para requalificação dos tetos artísticos do edifício.
Depois da obra física entraram as equipas de museologia e museografia para trabalhar o Museu, propriamente dito. Criar a linguagem, os pontos de observação, a narrativa a apresentar, a forma de distribuir as obras do Mestre Charters de Almeida.
O logradouro contou com a ligação ao Jardim do Castelo e com a construção de um edifício técnico com o pressuposto de passar despercebido no conjunto.
O investimento para instalação do museu, com a empreitada, tem o valor de 3.110.379 euros.
O artista
João Charters de Almeida nasceu em Lisboa em 1935. Foi discípulo de Barata Feyo na Escola Superior de Belas Artes do Porto e também professor. É um dos nomes marcantes da escultura portuguesa contemporânea, com obra de dimensão arquitetónica espalhada por vários continentes. Como matéria-prima usa as mais variadas, desde barro ao bronze, da pedra ao betão e tem obras em Portugal, Estados Unidos, Canadá e Itália, China ou Brasil.
Charters de Almeida é muito conhecido pelas suas obras a grande escala como as Cidades Imaginárias, intervenções que chegam a atingir os 40 metros de altura e poderem ser apreciadas em parques e jardins de vários países, ocupa e redefine o espaço urbano. É o caso das peças metálicas pintadas a vermelho que, em Lisboa, dialogam com a paisagem da Ribeira das Naus ou da rotunda de Telheiras, das "Portas do Entendimento" concebidas para Macau, ou do conjunto escultórico instalado nas Ardenas, Bélgica. Mas o escultor tem trabalhos noutros domínios como a cerâmica, pintura, gravura, desenho, design e cenografia e até figurinos para ópera e bailado.
Tem igualmente um trabalho menos conhecida no campo da medalhística, tendo sempre procurado imprimir nesses trabalhos soluções pioneiras, facto que lhe granjeou reconhecimento nacional e internacional.
De acordo com o Município em Abrantes, deixa a marca da sua arte em espaço público, com o projeto do Museu "A Forja", na vila de Tramagal, espaço ao ar livre que recria uma forja do fim do século XIX, como aquela que teria iniciado o negócio da Metalúrgica Duarte Ferreira. Foi fundado a 1 de maio de 1980, para comemorar os 100 anos da primeira forja de Eduardo Duarte Ferreira. Foi autor da “Cidade Imaginária – Portas Passagens”, implantada no Aquapolis – Parque Urbano Ribeirinho, na margem norte do rio Tejo (2009) e projetou o conjunto escultórico “A celebração do Tempo – Portas de Abrantes” alusiva ao centenário da cidade de Abrantes (2016).
Mestre Charters de Almeida
Disse ao Jornal de Abrantes que quando vai para estes trabalhos leva sempre a equipa de projetistas e técnicos que “constroem” as estruturas. Mas disse e repetiu mais do que uma vez que não é um trabalho dele. É preciso alguém que decida comprar os seus serviços e depois a equipa que o “monta” até às pessoas que o vão ver.
Sobre o Museu afirmou ter ficado impressionado com a recuperação do edifício, pela mão do Arquiteto Vítor Mestre, mas depois pela museologia e museografia das suas peças. “Ficou muito melhor do que pensei”, disse acrescentando que é a sua marca que fica para o futuro, com os trabalhos doados.
A mensagem dos netos
João Charters de Almeida tem seis netos que estiveram presentes na inauguração, acompanhados pelos filhos do escultor e já por bisnetos. Mas coube aos bisnetos um momento especial. Foram ao púlpito deixar uma mensagem ao avô, sobre o avô. Uma mensagem que recordou ensinamentos da família, mas acima de tudo de um avô divertido e brincalhão que sempre adorou receber os netos e os amigos dos netos, mas sempre com muitas partidas que, naturalmente, acabavam em gargalhadas. Mas deixou um legado que os mais jovens fazem questão de identificar e perpetuar.
A inauguração
João Charters de Almeida, a mulher, Dona Mariazinha, Manuel Jorge Valamatos, presidente da Câmara de Abrantes, e Isabel Damasceno, presidente da CCDR Centro, descerraram a placa que marca o arranque do Museu de Arte Contemporânea Charters de Almeida. Fica à entrada, do Museu e não na entrada principal do edifício, antes da receção ou loja do Museu.
Seguiu-se a sessão solene no novo auditório da cidade, com capacidade para 63 pessoas, com três filas de cadeiras rebatíveis, o que permitem aumentar o espaço de palco para apresentações musicais, teatrais ou outras.
Foi ali que o presidente da Câmara Municipal de Abrantes disse estar a celebrar “a cidade, o espaço e o tempo” e acrescentando que Abrantes já conhecia o Mestre [Charters de Almeida] e que agora fica imortalizado neste edifício.
O autarca vincou que todos os públicos podem usufruir do seu talento nas várias áreas e podem também apreciar o trabalho do arquiteto Vítor Mestre, que apresentou rigor e engenho criativo porque a requalificação “foi um trabalho difícil num edifício muito particular.” É que são três pisos com 17 salas, muitas em madeira e com tetos todos trabalhados.
Depois agradeceu à CCDR Centro, nas pessoas da presidente e do vice-presidente, Isabel Damasceno e Luís Filipe, porque foi uma “entidade decisiva para os projetos de regeneração urbana”, neste caso a requalificação do Edifício Carneiro.
O MAC junta-se ao Panteão dos Almeida [Igreja Santa Maria do Castelo], ao museu Metalúrgica Duarte Ferreira (Museu do Ano 2018), ao Museu Ibérico de Arqueologia e Arte (Museu do Ano 2023) e à galeria de arte quARTEl, que regressa às exposições de artistas locais e regionais nas Festas de Abrantes. A galeria, ou antigo quartel dos Bombeiros de Abrantes, serviu como laboratório de preparação das peças de Charters de Almeida, antes destes serem colocados no Edifício Carneiro.
“Temos nesta rede espaços diferentes e autónomos. É Uma marca diferenciadora na região”, vincou o autarca de Abrantes e concluiu a intervenção a sublinhar que “em Abrantes a cultura não é um adorno, é um motor de desenvolvimento.”
Manuel Jorge Valmatos, presidente CM Abrantes
Já Isabel Damasceno frisou que este obra é um enriquecimento muito grande e deixou um forte agradecimento à família por doar o património artístico.
Não há muitos exemplos de aposta de cultura em cidades do interior, notou a presidente da CCDR e que Abrantes tornou esta aposta como opção diferenciadora e que teve muita determinação em acabar a obra, depois de muitas vicissitudes.
“Obras a ser feitas com apoio de fundos comunitários permitem fazer coisas que as câmaras sozinhas não teriam capacidade de fazer”, frisou a presidente da CCDR Centro, entidade que gere para a região os programas comunitário Portugal 2020 e Portugal 2030.
Isabel Damasceno, presidente CCDR Centro
O Edifício Carneiro: de habitação, a escola, serviços e agora museu
O Edifício Carneiro, agora requalificado, é propriedade da Câmara Municipal de Abrantes desde 1956, foi construído em 1897 por Jacinto Carneiro e Silva, Capitão de engenharia, para casa de habitação.
De acordo com Joaquim Candeias Silva, historiador, Jacinto Carneiro e Silva, nasceu em Santana de Campinas (Pará, Brasil), a 12-08-1866, mas tinha raízes nortenhas, na zona de Santo Tirso. “Capitão do Exército, chegou a Abrantes por força da Inspeção de Engenharia e aqui se fixou, através do casamento, em 1897, com uma senhora da burguesia local, D. Maria Alexandrina Pacheco d’Almeida”. Chegou a ser presidente da Câmara Municipal de Abrantes (janeiro de 1908), “tendo então apresentado propostas interessantes, de planeamento e gestão urbana (…). Faleceu a 18-01-1922, na sua Quinta de Sande (Landim, Vila Nova de Famalicão), mas a urna com os seus restos mortais viriam para Abrantes, ficando depositada no jazigo da família, no cemitério municipal”.
Este edifício foi construído como chalet, a residência do casal, tendo, depois de adquirido pelo Município, albergando diversas instituições e diversas atividades.
Para além da EICA (Escola Industrial e Comercial de Abrantes), e do Liceu, recebeu o Colégio La Salle (1959-60).
Anos mais tarde albergou uma delegação do Instituto Português da Juventude e serviços socioculturais da CMA. Por lá esteve a funcionar o Centro de Saúde de Abrantes (1984-1994), o Núcleo de Abrantes da Cruz Vermelha Portuguesa, a Universidade Internacional (1994-2002), a UTIA (Universidade da Terceira Idade), a Abranpolis, a Escola de Música do Orfeão, a associação Cres.cer, a associação Palha de Abrantes, a Federação Portuguesa de Cineclubes e o Grupo de Teatro Palha de Abrantes.
Declarações de Manuel Jorge Valamatos, presidente CM Abrantes
Desde 26 de abril de 2025 passa a ser o Museu de Arte Contemporânea Charters de Almeida. O MAC está aberto de terça-feira a domingo das 10:00 às 12:30 e das 14:00 17:30. Encerra à segunda-feira e feriados, exceto no 14 de junho.
Galeria de Imagens