A ganadeira Rita Monteiro disse ontem que o abate de 50 vacas bravas de casta portuguesa para lide e toureio que andavam à solta em Penhascoso, concelho de Mação, foi uma “ilegalidade”, tendo afirmado ir interpor uma ação judicial.
“As vacas, novilhos e bezerros eram meus, andavam à solta desde janeiro porque fugiram da propriedade depois de um ataque de cães vadios, mas moro em Lisboa e tive dificuldade em recolher os animais que são de um património genético único”, disse Rita Monteiro à agência Lusa, tendo afirmado que vai “interpor um processo judicial pela decisão da Direção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) em abater as cabeças” de gado.
O abate decorreu durante o mês de março, “depois de dois meses em que a meia centena de vacas invadiu propriedades alheias, causou dois acidentes de viação, gerou receio na população e inúmeras queixas e denúncias, nunca tendo a proprietária resolvido o problema”, disse à Lusa, por sua vez, o presidente da Câmara de Mação, município do distrito de Santarém.
Segundo lembrou Vasco Estrela, a autarquia “pouca autoridade tem” no recolhimento ou abate dos animais, tendo afirmado que o município “colaborou com as entidades oficiais com competência na matéria, Tribunal, Direção-Geral de Veterinária, DGAV e a GNR”, no sentido de resolver um problema que “gerou forte preocupação com a população e com os seus pertences”.
Contactado pela Lusa, o veterinário municipal que acompanhou o processo desde a primeira hora disse que as vacas em causa “são de raça brava para lide em toureio e agressivas por natureza, sendo de elevada perigosidade ao deambularem desgovernadas pelas localidades”.
Fernando Monteiro foi quem deu o parecer à Câmara de Mação e à DGAV para o abate dos animais “tendo em conta a elevada perigosidade da espécie em causa, e depois de se ter tentado, sem sucesso, capturá-los com recurso a dardos anestesiantes”, tendo afirmado que “a proprietária, ao longo de todo este processo, nunca tentou ou conseguiu recolher os animais por falta de disponibilidade”.
Nesse sentido, o veterinário municipal de Mação disse ter alertado as autoridades para “a tremenda perigosidade que tão grande número de animais representava, especialmente para a segurança da população, e tendo em conta a idiossincrasia da raça e o terreno tão extenso e acidentado” em que os animais se movimentavam.
“Afigura-se-me que será extremamente difícil capturá-los com recurso a dardos tranquilizantes, dado estes [animais] não permitirem suficiente aproximação”, escreveu o veterinário, aconselhando a que a solução passasse “pelo abate com recurso a armas de fogo”, evitando “eventuais agressões que poderão atentar contra integridade física e até a vida dos cidadãos”.
A DGAV acabaria por iniciar o abate das cabeças de gado no dia 9 de março, depois da publicação de um edital no dia 6 do mesmo mês, em que dava conta da operação que iria desenvolver, tendo sido abatidos por elementos do SEPNA 18 animais no dia 16 de março e mais 25 cabeças de gado no dia 28 de março, num total de 43 vacas, recolhidas pelo Sistema de Recolha de Cadáveres de Animais Mortos na Exploração (SIRCA).
Rita Vaz Monteiro, da Ganadaria Vaz Monteiro, afirma não se conformar tendo referido que “nunca foi falado que iam abater os animais e, com esse procedimento, destruir um património genético único no mundo”.
Segundo a responsável, que afirma ser a “única detentora” de animais desta raça em Portugal, “o prejuízo é incalculável em termos genéticos”, tendo avaliado as fêmeas em 10 mil euros por cabeça e os novilhos em quatro mil euros.
“Depois de estudarmos o processo, reuni com os meus advogados e decidimos avançar com um processo contra a DGAV, entidade que ordenou o abate, para ser ressarcida dos prejuízos e para ver se esta situação não acontece mais vez nenhuma”, afirmou.
O veterinário municipal Fernando Monteiro recordou ainda que os animais “foram colocados em Penhascoso ilegalmente, sem guias de trânsito e numa propriedade sem condições ou licenciamento para albergar animais desta natureza”, tendo afirmado que “ainda existem duas ou três vacas à solta” pelos campos de Mação.
“Escaparam ao abate e continuam a representar um perigo porque podem investir contra uma pessoa a qualquer momento. É um problema que também vamos ter de resolver, uma vez que a proprietária também não as vai procurar e recolher”, afirmou.
Contactada a DGAV, através do ministério da Agricultura, fonte oficial daquela entidade disse que os animais “não foram abatidos, tendo em conta que o termo “abate” só se aplica a animais que têm como destino a cadeia de consumo”, antes, foi feita uma “ação de despovoamento”, segundo o aplicável pelo disposto na Lei, que cita, tendo feito notar que a decisão foi tomada “após goradas todas as tentativas de recolha e acantonamento dos mesmos”.
Nessa medida, esclareceu, “não era possível abatê-los por não se verificarem as necessárias condições de rastreabilidade por falta de identificação, por desconhecimento do estatuto sanitário dos animais e pela situação ilegal da exploração”, dando ainda conta que, “a todas as iniciativas da DGAV no sentido de resolver a situação, a detentora dos animais reagiu sempre negativamente, nunca propondo qualquer solução consistente”.
A DGAV refere a ocorrência de dois acidentes de viação causados pelos animais, um dos quais na freguesia de Penhascoso, Mação, tendo daí resultado “a morte do animal, a destruição da viatura e a hospitalização do condutor”, tendo referido ainda que a proprietária, “confrontada com a publicação do Edital n.º 2/G/2018, contratou os serviços de uma empresa, que se deslocou ao terreno e, após avaliação da situação, produziu um relatório final no qual concluía não ser possível acantonar” os animais.
“Em face da gravidade das consequências decorrentes da falta de contenção dos bovinos em causa, e ausência de soluções técnicas eficazes e ainda por se terem esgotado todos os métodos alternativos, a DGAV, o SEPNA da GNR e a CM de Mação decidiram em conjunto proceder ao despovoamento do território por onde os bovinos se dispersavam” tendo sido “occisados 43 animais”, conclui.
Lusa