A Câmara de Mação está a assinalar quase duas décadas sobre a entrega de conjuntos de primeira intervenção de combate a incêndios a coletividades e associações, uma medida de autoproteção que abrange 122 aldeias na defesa de pessoas e bens.
Os 65 conjuntos que hoje cobrem este território, disponibilizados pelo município às populações para um combate imediato aos fogos florestais nascentes, são compostos por motobombas dotadas de um depósito com capacidade para 600 litros e instaladas em carrinhas de caixa aberta, pertença de associações ou de particulares. A operacionalização cabe a mais de 100 voluntários, no total, a quem a autarquia assegura formação e dá orientações.
Com uma área de 400 quilómetros quadrados, uma densa mancha florestal e cerca de sete mi habitantes dispersos por 122 aldeias, Mação, no distrito de Santarém, tem investido na criatividade, engenho aguçado pela necessidade sentida num território que apresenta um registo de 800 incêndios desde 1995, 11 dos quais de grandes dimensões, entre eles o de 2003, o que levou à criação do projeto de autodefesa.
Naquele ano, cerca de metade do concelho foi consumido pelas chamas e a impotência para travar um incêndio que entrou em Mação descontrolado e com extrema violência foi o toque de alerta para a necessidade do reforço da defesa das populações, “envolvendo-as”, com a entrega de kits de primeira intervenção.
“A principal função é a proteção das aldeias e a mobilização da população na defesa da floresta”, disse à Lusa o vice-presidente da autarquia, salientando a importância de os residentes poderem fazer “um primeiro ataque às chamas, até à chegada dos bombeiros”, num processo que “cada vez faz mais sentido”, pela “proteção das pessoas e bens, sentimento de segurança, ataque rápido, de proximidade e resultados obtidos”, e tendo também em conta os incêndios “cada vez mais violentos e perigosos”.
Em 2003, lembrou António Louro, o concelho “tinha bons estradões florestais, um bom sistema de vigilância de primeira intervenção”. Porém, perante o impacto das chamas, percebeu-se que o que era feito “não era suficiente e que era preciso procurar novos caminhos”.
“Olhámos para tudo aquilo que uma autarquia poderia fazer e que estaria ao nosso alcance e que pudesse contribuir para diminuir o impacto dos fogos, e surgiram vários projetos, como o reforço do gabinete florestal, a criação de faixas de compartimentação das áreas florestais. Surgiu o MacFire [ferramenta informática criada em Mação para monitorizar o desenvolvimento dos incêndios em tempo real], as bulldozer com sistema GPS, e também o projeto dos kits”, disse o autarca, há 25 anos dedicado à floresta e à Proteção Civil no concelho.
Em caso de incêndio, os voluntários são os primeiros a chegar. A água dura 10 ou 12 minutos e quando está a terminar surgem os sapadores florestais que estão em vigilância estratégica nas redondezas, com tanques iguais e capacidade para combate inicial de mais 10 ou 12 minutos.
Este tempo “permite apagar ou aguentar as chamas até à chegada dos bombeiros, que, por sua vez, acabam por dominar o incêndio, mas, regra geral, numa ocorrência já com dimensões mais reduzidas e que rapidamente é controlada”.
Paulo Murteira, um dos voluntários, tem 47 anos, mudou-se há poucos meses para Mação e decidiu começar a aprender a manobrar os kits de primeira intervenção para se poder “integrar e ajudar” a comunidade.
“É completamente uma novidade para mim e é a primeira vez que estou a fazer este tipo de serviço sendo que, para já, a formação que está a ser dada é muito preciosa”, afirmou, dando conta de que “a ajuda à população e aos seus bens é uma coisa inestimável, é um bem maior, e, neste caso, o voluntariado e a paz de espírito que dá às populações é uma coisa fantástica”.
Recém-chegado à aldeia de Monte Penedo, onde a Lusa o encontrou, Paulo Murteira disse que de imediato começou “a perceber a importância do voluntariado nesta situação específica em Mação”, uma terra que “tem uma topografia completamente característica e onde esta primeira ajuda, por mais singela que seja, pode fazer a diferença”.
Mais experiente no processo, João Carvalho, 34 anos, é responsável por um kit de primeira intervenção da Associação de Monte Penedo, Ribeira de Boas Eiras e Espinheiro, um conjunto de três aldeias. Disponibilizou a sua carrinha pessoal para instalar o equipamento de combate aos fogos.
“Este é um dos dois kits que aqui temos aqui para uma primeira intervenção e, até que os bombeiros cheguem, é uma grande ajuda para toda a gente e um grande descanso”, contou o habitante natural de Mação, que regressou de Lisboa para se instalar na aldeia de Monte Penedo e “ajudar também as pessoas mais idosas”, que são uma fatia importante da população.
Os kits, acrescentou, “podem fazer a diferença entre ser um pequeno ou um grande incêndio”.
Dando conta de formação ministrada pela Proteção Civil para “perceber a manutenção e funcionamento em segurança”, João disse que “a parte prática é simples, operando a mangueira a partir de um motor de rega”.
“Fomos muito fustigados pelos fogos na aldeia de Castelo em 2017 e duas carrinhas destas, com dois kits destes, foi o que nos ajudou a fazer o combate ao incêndio, porque os meios não chegavam a todo o lado, as ruas eram muito estreitas. Ajudámos uma boa parte da aldeia até vir uma ajuda mais pesada e mais especializada”, lembrou.
A “solidariedade e a envolvência” da comunidade têm sido “um contributo extraordinário”, sublinhou António Louro, recordando que nos grandes incêndios de 2017 e 2019 as aldeias do norte do concelho vieram apoiar as do sul, onde havia maiores dificuldades. Chegaram a estar 47 carrinhas de primeira intervenção em uso no teatro de operações ao mesmo tempo.
“Com este esforço todo, com estas atividades, com este empenho na vigilância, com este empenho nas infraestruturas, nós conseguimos ter uma eficácia muito elevada nas pequenas ignições e, apesar de termos tido cerca de 800 ignições nestes anos todos, desde 1995 para cá, dessas ignições todas nem uma única saiu para fora”, afirmou.
Contudo, lamentou, “chegaram até Mação 11 incêndios de grande dimensão, completamente descontrolados e com imensa violência, fazendo de Mação o concelho mais ardido do país”.
O futuro, referiu o mentor dos projetos de intervenção, passará sempre pela proteção das pessoas e bens, tentando diminuir o risco: “O fulcro de tudo isto e do sucesso está em voltarmos a ter uma paisagem minimamente defensável, que é aquilo que hoje não temos.”
Lusa