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Entrevista: “Temos um conjunto de recursos e queremos transformá-los num produto forte” - Miguel Borges

15/04/2022 às 09:42

Está aí a Semana Santa de Sardoal. Mais uma mão cheia de momentos intensos, quer para quem é crente, quer para quem não o é, mas que em Sardoal não consegue fugir ao ambiente de introspeção que se vive por estes dias. Após dois anos de pandemi a e muitas restrições, fomos saber junto do presidente da Câmara Municipal, como vai ser este regresso “às ruas”. Miguel Borges em entrevista...

 

Por Patrícia Seixas

A Semana Santa, já é um momento de introspeção. Após uma pandemia que ainda não passou e com uma guerra a atormentar os nossos dias, vai ser ainda mais marcante esta época em Sardoal?

É uma pergunta difícil porque estamos a entrar no foro pessoal e cada um sabe de si. A abordagem que cada um de nós faz à Semana Santa varia muito. Depende da fé, da religiosidade e da crença de cada pessoa. No entanto, é verdade que em termos comunitários, é um momento muito importante para todos nós. A Semana Santa é o ponto mais alto da nossa vida comunitária, como sardoalenses, independentemente de seremos crentes ou não crentes. Faz parte do nosso Património Imaterial, faz parte da história dos sardoalenses e da história do Sardoal. Também é verdade que quando temos alguns percalços na nossa vida, seja de que âmbito for, há sempre a procura de explicações, ou de bem-estar ou de algum consolo na espiritualidade, na fé e na religiosidade. Vimos de dois anos de uma pandemia que ainda não terminou, estamos num período de grande indefinição do nosso futuro coletivo, agravado por esta situação de guerra na nossa Europa, à porta da União Europeia...

Ainda estamos ainda num período de perda?

Estamos num período em que não conseguimos perceber o que vai ser o amanhã. Um período em que a única certeza que temos é uma enorme incerteza em relação ao nosso futuro. Mas também é um momento em que temos que puxar aquilo que é importante para nós, a solidariedade, o espírito de entreajuda, a cooperação - como fizemos na pandemia - pois tudo isto faz muita falta no nosso espírito coletivo. E sendo certo que a Semana Santa apela a tudo isto, em termos religiosos, é um bom momento de reflexão e introspeção, quer sejamos ou não crentes.

Ainda com medidas de prevenção da Covid-19, como vão decorrer as celebrações?

Acredito que seja uma Semana Santa já o mais próximo possível da normalidade, sendo certo que a normalidade de hoje é uma normalidade diferente do que era há três anos. Porque todos nós passámos pelo que passámos, uns mais diretamente, outros indiretamente, todos nós tivemos alguém próximo que sofreu com tudo isto e não queremos, de forma nenhuma, que as coisas se repitam. Há, portanto, uma responsabilização que foi passada, fora das imposições legais, mas que cada um de nós faça a introspeção do que tem que mudar. A responsabilização deixou de ser coletiva para passar a individual, olhando sempre para o bem-estar coletivo.

Notou-se uma maior vontade das pessoas em retornar a estas festividades ou nota que se afastaram?

Não. As pessoas estão empenhadas em regressar à tal normalidade e sentem esse enorme desejo de o fazer. Claro que há quem tenham mais receio, outros menos, mas tem que ser uma retoma calculada, defensiva. Mas há coisas que não vão mudar na nossa vida comunitária e é bom que assim seja.

 

“A Semana Santa é o ponto mais alto da nossa vida comunitária”

 

Quantas capelas vão estar abertas com tapetes de flores?

Todas as capelas e igrejas que é habitual. Quer dentro da vila de Sardoal, quer nas freguesias. O desafio que lançámos continuou em todo o concelho para que as pessoas mantenham esta tradição que, a determinada altura, foi alargada por nós a todo o concelho. E vamos continuar a fazer o transporte com o circuito por todas as freguesias.

As cerimónias religiosas têm o seu calendário e não são da responsabilidade direta da Câmara. Mas o que vai trazer este ano a Autarquia de Sardoal para a Semana Santa?

Vamos ter uma exposição, como sempre fazemos, e este ano será sobre os painéis da Misericórdia. São os painéis que saem na Procissão dos Fogaréus, na quinta-feira à noite, e que ultimamente se têm utilizado réplicas por uma questão de preservação dos originais, que são muito antigos. Vamos agora colocá-los mais próximos de quem os queira ver, até para apreciar alguns pormenores que à distância não se veem. Ainda por cima, a Procissão dos Fogaréus é realizada sem luz artificial. De resto, vamos fazer uma programação normal mas é com muita alegria que vejo que a encenação da Paixão de Cristo vai ser retomada no sábado à tarde pelo grupo GETAS. É muito bom.

Na Pascoela, vamos ter o Concerto da Páscoa pela Filarmónica União Sardoalense, há ainda o passeio Pedestre “Caminhos da Fé”, na Sexta-feira Santa, o Projeto Capela, workshops e oficinas... Muitas das atividades complementares até surgem por iniciativa das associações, às quais damos resposta e apoio. Na Semana Santa, a maioria das atividades são da responsabilidade das Irmandades.

A Procissão dos Fogaréus ainda continua a ser o momento alto da Semana Santa ? A Procissão que atrai mais gente à vila?

A Procissão dos Fogaréus e a Procissão do Anúncio Solene da Ressurreição do Senhor, no domingo de Páscoa, são momentos diferenciadores da Semana Santa do Sardoal, em relação a outros locais do país. Na Procissão dos Fogaréus, só quem assiste ou participa é que que consegue perceber o que é aquele momento. É difícil de transmitir por palavras. Por todo o enquadramento natural, pelo facto de ser à noite e as luzes artificiais estarem desligadas, pelo bater das varas dos Irmãos da Misericórdia, pelo som da Filarmónica... cria-se todo um ambiente de misticismo que faz com que seja diferenciador e são poucas as procissões no nosso país com estas características.

Falou da retoma da encenação da Paixão de Cristo. Foi sempre um dos momentos marcantes desta época...

Sim, fora dos momentos de organização religiosa, ou seja, não é realizado por nenhuma das Irmandades nem pela Igreja mas por uma das nossa associações. No entanto, envolve um conjunto tão grande de participantes e figurantes que acabam por articular também com outras associações. A determinada altura começou a ser também um ponto de referência da nossa Semana Santa as pessoas virem assistir a esta encenação do momento da Paixão e Morte de Cristo.

Em anos ditos normais, a vila enche-se de gente. É a aposta no turismo religioso a dar frutos?

Sim, está a dar frutos. É uma aposta que tem sido lenta. Nós temos um conjunto de recursos e queremos transformá-los num produto forte. Temos a nossa estratégia de turismo mas estes dois anos de pandemia não ajudaram em nada à concretização de um projeto que gostaríamos que já estivesse pronto há um tempo, que é o Centro de Interpretação da Semana Santa e do Património. Acredito que nos próximos dois ou três meses possamos inaugurar este Centro de Interpretação. Uma parte já está concluída há algum tempo, que é a parte da arte e restauro. O que está em falta é a parte da produção de conteúdos. Está a demorar algum tempo por falta de materiais e dificuldade de entrega de alguns equipamentos, situações que têm feito parte das nossas vidas nos últimos tempos. Mas acredito que esteja disponível em breve para quem vier de fora, em qualquer época do ano, e queira perceber o que é a nossa fé e a religiosidade e o que é a nossa Semana Santa.

 

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