O presidente dos Alcoólicos Anónimos (AA) defende que mais preocupante do que os efeitos atuais da pandemia de covid-19 é a crise que se segue, não só nos riscos de recaídas, mas na saúde mental de todos.
“As pessoas estão num modo de ação. Apesar de estarem em casa, sentem que fazem parte de qualquer coisa maior que é o bem comum, que é prevenir a doença, proteger os outros. Sentem que fazem parte de alguma coisa maior do que elas. A fase para deprimir, a fase da ansiedade virá a seguir e essa fase é que me preocupa bastante. Quando isto tudo começar a passar, se calhar aí vamos ter de apanhar muitos cacos”, disse à Lusa Mário Marques, psicólogo clínico e presidente dos AA.
Os AA são, no contexto da pandemia, a menor das preocupações do seu presidente, que lhes reconhece uma estrutura de apoio que permite “agarrar as pessoas mesmo quando elas estão numa fase de maior fragilidade”.
Mais desprotegidos são aqueles alcoólicos sem qualquer estrutura de apoio, em situação de solidão e isolamento, sem hipótese de pedir ajuda em caso de necessidade, refere.
Ainda assim, o problema maior não são os efeitos da pandemia fora destes grupos, nem sequer os efeitos económicos anunciados, nomeadamente o aumento do desemprego que afeta primeiro pessoas mais desestruturadas, como os alcoólicos, com empregos precários e que vivem na margem, e que tal como na crise dos anos da ‘troika’, podem voltar a “mandar muita gente para a fome” e provocar muitas recaídas, que depois será preciso trabalhar para voltar a reencaminhar as pessoas para tratamento.
Mário Marques antevê “um aumento brutal das patologias ao nível da ansiedade” e muitos pedidos de ajuda psicológica quando a pandemia passar, ainda que admita que é difícil reconhecer o “real impacto” desta crise, uma vez que nunca se viveu nada parecido.
Diz também que neste momento a sociedade está concentrada na resolução da doença física, não havendo margem para se pensar ou de alguma forma prevenir, questões de saúde mental.
Ainda assim, diz que há coisas que todos podem fazer para evitar um “empobrecimento do pensamento” e cortar com “uma forma aditiva de viver” que é estar preso a noticiários e a números de mortos e infetados pelo novo coronavírus.
Não ver muita televisão, fazer exercício, aproveitar para fazer coisas que nos queixávamos de não ter tempo para fazer, cultivar relações que fomos deixando para trás são algumas formas sugeridas por Mário Marques para ajudar a manter a saúde mental.
Em termos de comportamentos, Mário Marques diz que olha com interesse para os números do aumento dos divórcios na China depois da passagem pelo isolamento e por um período de maior convivência forçada entre casais, mas olha com preocupação para os dados que vão chegando de Espanha em relação ao aumento da violência doméstica, uma realidade que também preocupa em Portugal.
“As pessoas estão mais próximas, há mais conflitualidade, gera mais impulsividade, é outra preocupação”, disse, alertando ainda que alcoolismo e violência doméstica andam muitas vezes ligados.
A pandemia de covid-19 já provocou mais de 145 mil mortos e infetou mais de 2,1 milhões de pessoas em 193 países e territórios. Mais de 465 mil doentes foram considerados curados.
Em Portugal, morreram 629 pessoas das 18.841 registadas como infetadas.
A doença é transmitida por um novo coronavírus detetado no final de dezembro, em Wuhan, uma cidade do centro da China.
Para combater a pandemia, os governos mandaram para casa quatro mil milhões de pessoas (mais de metade da população do planeta), encerraram o comércio não essencial e reduziram drasticamente o tráfego aéreo, paralisando setores inteiros da economia mundial.
Face a uma diminuição de novos doentes em cuidados intensivos e de contágios, alguns países começaram a desenvolver planos de redução do confinamento e em alguns casos, como Dinamarca, Áustria ou Espanha, a aliviar algumas das medidas.
Lusa