SALPICOS DE CULTURA…
A Arte, a Literatura e a maneira de serem apresentadas
Agora que passo mais tempo em casa tenho sido espetador mais assíduo da televisão. Claro que nem tudo o que vejo me satisfaz, e tenho para mim que desde os bons programas, aos assim-assim, até aos que entendo pouco razoáveis, existe de tudo um pouco. Como sou do tempo em que, muito antes de ter chegado a televisão, só se podia ouvir a rádio lá por volta da meia-noite, para se poder aceder às noticias que vindas de Inglaterradavam informação sobre a forma como iam as coisas pelo mundo, onde as consequências da guerra eramainda uma grande constante, e como tive a felicidade de ver aparecer a televisão em Portugal, tenho para mim que este último meio de comunicação é, de facto, uma benesse dos deuses.
Contudo, alguns comportamentos que nele vejo projetados, através das pessoas que nos écrans aparecem a dizer de sua justiça, deixam-me a pensar. Um deles tem a ver com a forma como reparo que alguns programas dos diversos canais televisivos seguem quase todos os mesmos modelos e processos: tratam os mesmos temas, às vezes até às mesmas horas, dizem as mesmas coisas e fazem até algo que me parece mais difícil de perceber que é apresentarem as suas temáticas, seguindo rituais e formas de estar frente às câmaras, em que apresentadores e apresentados parecem condenados a serem seguidores de robots que os mandam fazer, dizer e estar da mesma maneira. Reparo até que se umas vezes estão todos de pé, em todos os canais televisivos, outras vezes apresentam-se todos sentados, e vejo mesmo que os cenários de fundo sobre os quais os temas são desenvolvidos são, em muitos casos, em tudo semelhantes.
Também reparo que a cultura, enquanto elemento de desenvolvimento social, embora continuando a ser maltratada passou a tema apelativo. Claro que tenho para mim que não vai ser este novo interesse a mudar muito a forma como o país se relaciona com as questões culturais. Mas se este instrumento cultural veio para introduzir acentuadas mudanças nos hábitos e costumes, facto é que, em muitos casos, transformou-se num meio de moldar culturalmente os comportamentos tornando-os até excessivamente idênticos.
Falemos da corrente apresentação de obras de arte, e muito em particular de livros. Hoje, parece não haver programa algum em que alguém, depois de divagar sobre um determinado assunto, para finalizar a sua dissertação,não puxe de uma pilha de livros e aconselhe aos espetadores a sua leitura. Em princípio a ação não tem nada de mal, dir-se-ia, só que reparo também que a apresentação de livros passou a ser um tique que é manifesto em todos os canais, onde apresentadores de programas e seus convidados acabam, quase sempre, fazendo sobre as obras considerações superficiais e de circunstância. É então aqui que começa a funcionar o meu instinto de análise. Porquê? Porque quando a tal assisto, uma das perguntas que me ocorre é se de facto quem as apresenta sabe mesmo as particularidades dos conteúdos das obras visionadas. Sem que neste texto queira causar melindre, o que me ocorre dizer é que não raro fico com a impressão que os conselhos dados ao público foram por vezes consequência de outros interesses que não apenas os culturais.
Bem, mas isto são conjeturas minhas. Valem o que valem.
Contudo, motivado por estas perplexidades, lembrei-me de voltar a Oscar Wilde e à sua famosa obra “O Retrato de Dorian Gray”. Porquê? Porque justamente, logo no prefácio, o autor tece considerações em relação àquilo que para ele constitui utilizar um livro, ou uma obra de arte, como instrumento cultural.
Repare-se nalgumas frases que o escritor expressa na obra referida: numa delas diz que “o artista é um criador de coisas belas”, noutra afirma que “revelar a arte e esconder o artista é o fim da arte”. Ainda no mesmo prefácio deixa dito que “um livro nunca é moral ou imoral. Está bem ou mal escrito. E é tudo”, e por fim acaba a parte introdutória do referido prefácio afirmando que:
“Podemos perdoar um homem por ter feito uma coisa útil, que não a admire. A única desculpa que tem em fazer uma coisa inútil é que haja alguém que a admire intensamente”.
Bem, depois de ler este conjunto de frases escritas por Oscar Wilde fiquei a pensar que pese embora eu ache que a tal forma de apresentar os livros nos referidos programas de televisão, por mim entendida comopouco bela, possatalvez ser para outros considerada interessante e útil.Aceito que assim seja.
Despeço-me com amizade,
Luís Barbosa*
*Investigador em psicologia e ciências da educação
SALPICOS DE CULTURA, uma parceria com a Associação Internacional de Estudos Sobre a Mente e o Pensamento (AIEMP)