SALPICOS DE CULTURA...
“Consenso e ideia dominante”
A problemática do consenso é algo que de há muito me faz pensar, e agora que ela tem vindo tanto à baila na nossa sociedade, tornou-se mesmo num fenómeno no qual reflito mais. Como gosto de pensar a vida a partir das experiências que vou tendo, entendi que podia escrever este texto justamente a partir de uma recente reunião onde estive, e na qual a ideia era justamente procurar consensos.
O promotor do encontro havia deixado estas ideias expressas em documento que a cada participante enviou, e eu lá fui pensando no que entendia dever transmitir aos meus companheiros de jornada. Porém, como o objetivo era ouvir o maior número de ideias possíveis sobre um determinado assunto, entendi por bem que o melhor era ir falando com os meus botões, mais do que começara trocar impressões com este ou aquele que sobre o assunto me pudessem aduzir ideias externas à minha maneira de pensar.
No dia da dita reunião, cedo constatei que esta minha forma de agir tinha contrariado muitos dos presentes que, ao contrário,resolveram ir trocando impressões,quer por via telefónica quer até pessoalmente.
Eramos doze pessoas, e depois de termos sido convidados pelo promotor da reunião a sentarmo-nos à volta de uma mesa redonda, o dito responsável pela reunião, tendo-se levantado, resolveu expressar a ideia que, entretanto, já tinha deixado escrita no bilhete de convite que tinha enviado a cada um dos presentes.
Depois de concluído este momento, foi a vez de cada um dos restantes apresentar as ideias que achavam significativas. Tive então aí a minha primeira prova de admiração face ao tal consenso que se pretendia estabelecer. É que percebi que os tais contactos prévios que alguns tinham já estabelecido, tinham tido por efeito que algumas das ideias eram apenas a repetição do que o orador anterior havia transmitido e que, chegados ao final da primeira ronda de apresentação de ideias, estas estavam resumidas a duas ou três.
O promotor da reunião aproveitou então o momento para dar a sua opinião e como entendeu que das ideias apresentadas três estavam descontextualizadas em relação ao assunto em discussão, resolveu pô-las de parte, sem que das mesmas se fizesse fosse que discussão fosse.
Claro que para mim, daqui em diante a reunião tornou-se mais um fenómeno de observação em torno do que é, na nossa sociedade, procurar o consenso, que propriamente um momento de interesse em discutir com os presentes o que ali nos tinha levado. A reunião continuou, mas entenda-se bem, três das doze possíveis ideias a discutir já estavam postas de parte. Os outros nove presentes continuaram a expor o que entendiam por bem dizer. Porém, apelando a um curto intervalo, o promotor da reunião convidou-nos para bebermos um café. Foi convite a que todos acedemos. Contudo, no regresso à mesa de reunião informou que durante o intervalo havia feito uma rápida colheita de opiniões e que afinal tudo se resumia a ter de serem discutidas duas ideias. Expô-las em pormenor e no final, com voz calma e serena, perguntou qual a opinião dos presentes. Eu abstive-me, outros também o fizeram, mas as tais duas ideias foram aceites. No dia a seguir o promotor da reunião apresentou as referidas ideias, não só como sendo coisa sua, mas mais como algo que havia sido legitimado pelo grupo.
Não vou aqui dizer como cada um dos presentes reagiu a este comportamento, mas vou aproveitar o texto para deixar expressa a ideia que no atual momento civilizacional que estamos a viver, muitos de nós confundem consenso com a procura da ideia dominante, e desde que esta apareça no seio de um grupo, entendem que a podem transmitir como sendo resultante de discussões aprofundadas e de ideias bem refletidas. O expediente não é novo, mas que está agora bem na moda, lá isso é verdade.
Despeço-me com amizade,
Luís Barbosa*
*Investigador em psicologia e ciências da educação
SALPICOS DE CULTURA, uma parceria com a Associação Internacional de Estudos Sobre a Mente e o Pensamento (AIEMP)