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CRÓNICA: «Questões de Longevidade», por Luís Barbosa

14/02/2021 às 10:40

SALPICOS DE CULTURA…

 

Questões de Longevidade

Tenho dedicado muito do meu tempo a lidar com idosos, e entre muitas das questões que me ocorre trazer para a mesa das preocupações onde se fala dos chamados seniores, duas existem que me suscitam mais atenção. São elas a problemática da chamada longevidade e a da saúde mental.

Os dias que vão correndo têm-me permitido ver na televisão muitas e diversas formas segundo as quais a nossa sociedade lida com as pessoas a que agora se chama pomposamente “gente de longa idade”. Tenho visto de tudo. Pessoas tratadas com dignidade, outras que nem por isso, e muitas, mesmo muitas, votadas a maus tratos.

A minha perplexidade face à forma como a sociedade atual lida com os indivíduos que vão andando na vida atingindo idades avançadas, não é de agora. Fui dos que comecei a lidar com este tipo de pessoas uns bons anos antes de ser corrente falar-se da chamada Gerontologia e mais recentemente daGeriatria, e retenho a forma como, passados alguns anos em que estas disciplinas eram, no mundo académico, entendidas com pouca relevância, se começou a ver nelas contributos científicos de largo alcance.

Ainda me lembro das reações que suscitei quando comecei a utilizar nalgumas disciplinas que lecionava o livro publicado por Guite Zimerman, titulado “Velhice – Aspetos Biopsicossociais”, mesmo quando para justificar a minha escolha fazia referência que esta autora era especialista em Saúde do Idoso, e que trabalhando no Serviço de Saúde do Idoso da Secretaria da Saúde e do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul, há perto de vinte e cinco anos, tinha profunda experiência na questão de entender o que era o ser humano de cabelo branco. Retenho até a forma preconceituosa como se olhava para a necessidade de introduzir substanciais mudanças na maneira de organizar e gerir as instituições orientadas para lidar com as pessoas a quem então, mais tarde, se deixou de chamar velhos e se passou a designar por idosos.

Porém, refletindo com os meus botões, tenho por vezes a ideia de que até parece que aquilo que o homem não faz, ou faz mal, o universo põe a nu e procura corrigir. É o que muitas vezes me acontece neste momento em que o Covid bateu à porta. Porquê? Porque de repente, no momento em que tanto se discutia as questões da gestão de lares de idosos, eis que a pandemia destapou, de modo proeminente, muitas más formassegundo as quais se lida com pessoas institucionalizadas.

Não vou aqui tecer considerações sobre o que tem sido noticiado, nem apresentarei juízos críticos a favor ou contra quem quer que seja. Porém uma coisa me parece certa. No momento em que as mortes nos lares de idosos são incontáveis, e quando imensas pessoas ligadas à saúde fazem das tripas coração para minimizar os efeitos dramáticos das práticas deficientes com que em muitos sítios se lida com pessoas de longa idade, noto que ainda são muitos os ouvidos que se mostram moucos,mesmo quando ao longo dos últimos anossão já imensos os alertas que têm sido dados quanto à maneira como a sociedade vem lidando com aquilo a que agora vem chamando pessoas pertencentes àgeração grisalha.

De facto, Guite Zimerman foi alguém que segui com atenção. Esta especialista em 2000 deixou expressa, logo na introdução da obra acima referida erepublicada em 2005 no Brasil pela Artmed Editora, a seguinte advertência:

Segundo a Organização Mundial de Saúde, a expectativa devida da população mundial, que hoje é de 66 anos, passará a ser de 73 anos em 2025. Hoje 120 países têm uma esperança de vida média dapopulação de mais de 60 anos e em 2025, segundo a OMS, em 26 países a esperança de vida deverá ser de 80 anos.”

A autora, para que a chamada de atenção se tornasse mais forte, assegurou que os estudos davam como certo um crescente aumento da população e para o fazer disse também que existiriam dois fenómenos a ter em conta: uma redução drástica da natalidade e um aumento significativo dalongevidade.

Tenho a ideia que do ponto de vista científico,tanto na área da Gerontologia, como da Geriatria, muito se tem estudado e descoberto nos últimos anos em torno destas duas questões. Contudo, se nos domínios da Saúde vamos tendo olhos mais atentos e ouvidos mais alerta, parece-me que do ponto de vista financeiro, económico e em última análise político, as sensibilidades são menores.

Bem, pode acontecer que o meu juízo esteja errado, porém face ao que vou vendo e ouvindo, confesso que tenho mais dúvidas que certezas.Mas como acredito que a ciência nos pode ajudar a ver melhor o caminho a percorrer, também não quero esquecer que hoje existe já quem garanta que a esperança de vida vai aumentar e que a curto passo seremos capazes de encontrar formas de lidar melhor com a pessoa de “longa duração”, quer do ponto de vista da sualongevidade,quer no que respeita à sua saúde mental, com a dignidade que ela merece.

Despeço-me com amizade,

Luís Barbosa*

*Investigador em psicologia e ciências da educação
SALPICOS DE CULTURA, uma parceria com a Associação Internacional de Estudos Sobre a Mente e o Pensamento (AIEMP)

 

 

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