SALPICOS DE CULTURA....
Bom, é um facto que as coisas que ouço na televisão e vejo escritas nas revistas e jornais sobre a Europa me têm ocupado tempo. Por isso, hoje volto a deixar neste texto algumas das minhas ideias sobre esta coisa que é ser cidadão europeu. Uma coisa prometo, não marcar as ideias centrais do texto que vou escrever por uma imagem pessimista que permita deixar a ideia de que me movem sentimentos antieuropeístas. Não porque me sinta enfeudado ao desígnio de que o futuro será como a atualidade, ou até de que esta terá de voltar aquilo que a humanidade já foi. Ao contrário, se algo me move é a ideia de que o amanhã será obrigatoriamente diferente do hoje, e que se o passado é importante, não é tanto para que o copiemos, mas mais para que dele saibamos extrair ensinamentos.
Contudo devo reconhecer que a imagem que alguns especialistas em relações internacionais contruiram de que muitos dos transeuntes que por aí encontramos parecem andantes que olham mas pouco vêem, e de que, no momento atual, existem demasiadas pessoas que transformam o “não se importar com o que vai acontecendo” numa forma de estar, deixa-me preocupado.
Bem, verdade se diga que também sou dos que pensam ter entendido o que Agostinho da Silva disse quando escreveu que estava convencido que o homem não nasceu para trabalhar, mas muito mais para “laborar, pensar e refletir”, sobretudo porque para o pensador português este “laborar” não significava executar até à exaustão uma determinada atividade, seja ela remunerada ou não, mas muito mais agir ao jeito do termo clássico grego que entendia o agir, o fazer, o executar, como uma arte que se ia aprendendo enquanto se procurava caminhar para o belo.
Ora, penso que cabe aqui voltar às questões da Europa, sobretudo porque a convicção que detenho é que os fundadores desta “ideia” tiveram em mente banir da existência muitas das formas anómalas de conviver, e sobretudo de trabalhar, tendo até como desígnio primeiro fazer com que a democracia se instalasse e expandisse e, por extensão, que justamente muitas das formas de exploração do homem pelo chamado “trabalho” se fossem desvanecendo.
Então alguns estudos em torno das questões anteriores têm-me chamado a atenção. Um deles é subscrito por Catherine Moury que, enquanto professora auxiliar no Departamento de Estudos Políticos da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova Lisboa, escreveu um livro muito interessante com o título “A Democracia na Europa” que, em 2016, foi editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Lembro-me que recentemente, nalgumas das minhas intervenções em cafés filosóficos, trouxe à superfície a ideia de que os regimes europeus estão em crise, e que grande parte da situação atual terá começado muito antes da crise “covídica”, sobretudo porque um certo alheamento dos indivíduos em torno de questões essências começou por enfraquecer tanto os modos de agir adequados, como o olhar refletido.
O livro de Catherine Moury, assemelha-se então para mim como algo de premonitório em relação a muitas das críticas que ouço e leio sobra a forma como a tal “ideia de Europa” se vai desenvolvendo. Primeiro, porque tal como dizem muitos dos políticos atuais, o Parlamento Europeu está demasiado preocupado em conquistar efetivo poder sobre os estados membros. Depois, porque, em consequência dos jogos de interesse, os países mais fortes, justamente através desse Parlamento, parecem exercer pressão sobre aqueles que sendo mais fracos acabam sempre por ser os menos beneficiados nas questões de ajuda.
Se a autora tem ou não razão nas suas asserções é juízo que deixo à consideração de quem se dispuser a ler este texto. Porém uma coisa constato, que os políticos portugueses demostram, nas sua intervenções, que conseguir a solidariedade dos tais vinte e sete países que compõem o Parlamento lhes tem dado muito trabalho, é um facto indiscutível, e que a tão desejada atitude democrática europeia é muito difícil de conseguir, mesmo quando em causa está ser solidário por razões humanitárias, como é o caso do que se passa com a atual pandemia.
Bem, por mim, e independentemente das considerações anteriores, prefiro aceitar que a “Ideia de Europa” veio para ficar, pelo menos por mais algum tempo, pese embora aceitar que a sua efetiva consolidação vai ainda ter de dar muitas voltas.
Despeço-me com amizade, até à próxima semana.
Luís Barbosa*
*Investigador em psicologia e ciências da educação
SALPICOS DE CULTURA, uma parceria com a Associação Internacional de Estudos Sobre a Mente e o Pensamento (AIEMP)