SALPICOS DE CULTURA....por Luís Barbosa
Perante a necessidade de escrever lembrei-me de voltar a ler uma pequena obra que há já algum tempo tinha comprado e que me deixou a pensar. O título é “A Ideia de Europa”, o autor é George Steiner, e a edição é da Gradiva, datada de 2007. O seu conteúdo sobre a Europa é curioso, e o prefácio de José Manuel Durão Barroso está escrito com interesse.
Lembro-me de ter adquirido esta obra quando em causa estava no auge a corrente aflição governativa face às questões da dívida pública, e quando lá por fora se dizia muito que Portugal era considerado um país de pequenos recurso, e onde existia uma população de mandriões, que só gostavam de gastar dinheiro com mulheres, cafés e bares.
Fui daqueles que me rebelei contra tais ideias, e posso mesmo dizer que a alguns dos tais estrangeiros vivaços cheguei mesmo a dizer coisas menos bonitas face à arrogância com que nos olhavam.
Ora, a escolha da compra da obra acima citada ocorreu num momento em que andando distraidamente pela baixa de Lisboa olhei para o pequeno livro e ao compulsá-lo tive a oportunidade de ler na contracapa a seguinte afirmação de George Steiner:
“A Europa é feita de cafetarias e de cafés. Estes vão da cafetaria preferida de Pessoa, em Lisboa, aos cafés de Odessa frequentados por gangsters de Isaac Babel. Vão também dos cafés de Copenhaga, por onde Kierkegaard passava quando dava os seus passeios, concentrado, aos balcões de Palermo. […] Desenhe-se o mapa das cafetarias e obter-se á um dos marcadores essenciais da ideia de Europa”.
Mas porquê então agora voltar a Steiner? Vou-me explicar. A ideia forte que penso poder-se extrair do conteúdo do texto que sustentou o último programa é que nós portugueses, e a Europa em geral, estamos num enorme sobressalto. Porquê? Porque face a uma pandemia, vêm-se os sistemas de saúde a colapsar, a economia a afundar-se e os regimes políticos a ficarem frágeis. Os mortos são muitos, e descobre-se finalmente que os chamados “velhos” foram muitas vezes colocados num limbo muito nubloso, mas que aos chamados “mais novos” o que se lhes vai propondo, com demasiada regularidade, é o desemprego.
Ora, quem lê a obra do autor anterior chega rápido à conclusão que o comentário de Steiner é feito em jeito de chamada de atenção, procurando evidenciar que na sua ideia o homem atual parece viver num momento em que satisfeitas as suas pequenas necessidades de ir ao café, consumir tudo o que lhe dá na real gana e poder assistir ao vivo, ou pela televisão, a uns quantos jogos de futebol, sente-se de bem consigo mesmo.
Eu, nado e criado em Lisboa, lá bem perto da estação de Santa Apolónia, onde em vez de grandes transatlânticos carregados de turistas via fragatas, e tomava banho na praia de Xabregas, nunca como agora vi tantos barcos grandes carregados de milhares de pessoas que se espraiam pelos chamados bairros populares percorrendo Lisboa, não com ares concentrados como os que Steiner diz que era timbre de Kierkegaard, mas com um ar de gente alheada, que olha sem ver o universo que a rodeia. Porém, sentando-se horas nos tais cafés a que Steiner se refere, lá vão gastando o seu dinheiro nas pequenas lojecas onde se pode ver que tudo é vendido. É estranho o que de facto sinto quando me cruzo com esta gente que parece alienada, que sai e entra dos chamados grandes navios, mas que parece completamente indiferente ao viver da outra gente que habita pelos sítios por onde vão passando. No Algarve sinto o mesmo, e até nas regiões mais a norte onde a marca cultural tem timbres mais religiosos, constato o mesmo sentir.
Então, dedicado a pensar no assunto disse de mim para comigo que de facto o autor poderá ter razão, se desenharmos o mapa das cafetarias por onde muitos humanos passam podemos obter marcadores capazes de nos darem indicadores do que possa ser para muitos deles a tal “ideia de Europa”. Uma Europa que segundo palavras de quem a comanda, respondeu mal às questões da onda migratória, atrasou-se a ajudar a Itália na sua luta contra a pandemia que está aí e que agora vacila face ao que economicamente deve ser feito.
Mas Steiner deixa um grito de alerta que penso poder ser lema para aqueles que governam esta Europa tão confundida. Na continuação do texto que compõe a contracapa da obra a que me referi diz: “É entre os filhos frequentemente cansados, divididos e confundidos de Atenas e de Jerusalém que poderíamos regressar à convicção de que a “vida não refletida” não é efetivamente digna de ser vivida”.
A expressão é forte, diga-se. Mas o conselho de voltar à antiguidade clássica grega e revisitar a forma como se andou pela Galileia, talvez ajudasse quem governa atualmente a Europa a encontrar um rumo mais acertado. Claro que nada tenho contra aqueles que percorrem o país e se sentam nos cafés como se não pertencessem a este mundo. Porém, também penso que nada de mal viria se ao menos dedicassem algum do seu tempo de vida a refletir nesta coisa que é andar por cá. Talvez então a Europa que agora se nos apresenta tão frágil ganhasse com isso.
Despeço-me com amizade, até à próxima semana.
Luís Barbosa*
*Investigador em psicologia e ciências da educação, escreve todas as segundas feiras em www.antenalivre.pt
SALPICOS DE CULTURA, uma parceria com a Associação Internacional de Estudos Sobre a Mente e o Pensamento (AIEMP)