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O poeta que quis ser ilusionista e entrou em Direito para depois se licenciar em História

6/11/2019 às 00:00

Eu sei lá o que vos diga. Do tanto, atenção, que há para dizer. Decidi, entretanto, que não vou escrever numa forma normal, uma notícia ou reportagem como se deve fazer. Entrevista já tínhamos decidido que não seria. É um texto. Uma aventura. Uma não biografia resumida pois não há espaço para tão grande história. E homem. E Poeta!

Falo de José-Alberto Marques.

Acreditem que passei ali uns dias aborrecida com o meu outro, aquele que se acha das letras e da literatura, e que não conhecia este Poeta de tudo. Acima do nada já se é tudo e José-Alberto Marques parte sempre do nada. E consegue sempre tanto.

Comecemos por aí, por um início que já não era novo, 16 anos, mas cheio de questões para o mundo. Foi nessa altura que o miúdo, aluno no Colégio Andrade Corvo, em Torres Novas, adoeceu. Viu-se no hospital cheio de curiosidade sobre ilusionismo. Queria ser ilusionista. E o que fez? Ligou o i-phone e pesquisou na internet…

Ah! Calma... Não foi nada disso. Que estamos ali nos anos 40 para 50 do século passado. E creio que hoje não compreenderemos o que fez o miúdo. Achou-se de questões e escreveu-as aos Embaixadores de vários países em Portugal questionando sobre ilusionistas dos seus países de origem.

E, pasmemo-nos, o Embaixador do Brasil respondeu-lhe e falou-lhe não de ilusionismo mas de poesia experimental.

José-Alberto voltou a responder-lhe cheio de porquês, comos e quandos a que, na falta de uma resposta certa, o seu interlocutor lhe voltou a dar resposta com vários nomes e moradas desta nova vaga de poetas brasileiros.

E o miúdo, um miúdo ali de Torres Novas, o que fez? Escreveu-lhes. A todos.

Sim, e depois? Aconteceu que alguns lhe responderam e passou a trocar correspondência com poetas brasileiros que se dedicavam àquela coisa nova, vanguardista, a poesia experimental.

Podia ter estado acamado e a lamentar-se aos seus botões? Podia. Mas resolveu escrever aos Embaixadores representados em Portugal. Muito mais interessante, não?!

Sim, sim, o caminho faz-se. Temos que nos ir descobrindo, construindo, mas sempre a mexer, a remexer, que é assim que se descobrem coisas, pessoas e futuros. Não destinos, mas aquilo que nos quisermos destinado.

Também lhe acho piada, a este miúdo de quem ainda falamos, ali de Torres Novas, quando diz que saía do Colégio com um livro debaixo do braço e cachimbo, como sabia fazer-se em Paris. Porque nos diz, pasmemo-nos, que nesta encenação se encontrou. Parem, um pouco, releiam e vejam se percebem. "Naquela encenação, encontrei-me".

Mas houve mais vontades. Suas. De crescer e se fazer o homem que lhe apetecesse.

Perguntei-lhe umas poucas de vezes "porque fez isso?" e a resposta, certa, foi sempre "porque me apeteceu".

Não é, portanto, vulgar, nem comum, nem copião, nem seguidor. Recusa a banalidade. Prima pela liberdade. E nesta vontade de ser e fazer o que quer foge às luzes, aquelas que se voltam para os grandes vultos que todos lêem, ou porque são moda, ou porque o querem ser.

Nada de bicos de pés. Mas sempre de pé.

Estivemos na rádio outro dia e até ali lhe apetece falar de pé.

José-Alberto Marques, que na primeira vez que precisou falar a um público se calou, intensamente nervoso. Depois passou, voltou a tentar, porque lhe apetecia saber falar em público. E fez-se. O miúdo.

Outro dia Francisco Lopes escreveu-o assim "Respirem fundo, ganhem fôlego, façam o favor de o ler e o mínimo de esforço para o compreender e nunca mais ficarão na mesma." É isso. Façam-vos o favor!

Natural de Torres Novas, José-Alberto Marques frequentou a Licenciatura em Direito, que deixou pela História. Vive em Abrantes desde a década de 1960, foi professor de Português na Escola D. Miguel de Almeida. Tem uma obra vasta e muito interessante. Escreveu, em Portugal, o primeiro poema concreto. Fez no dia 4 de outubro 80 anos e no próximo dia 12 de novembro apresenta, em Abrantes, o seu mais recente livro. Impresso. Pois há outros na calha. Tanto para fazer. Tanto por escrever.

José-Alberto Marques escreveu, facto histórico e incontornável, o primeiro poema concreto publicado em Portugal, em 1958. E porque é que isto não se aprende na escola? Não sei.

Desde então, e muito por isto, pelo laço com o movimento da Poesia Experimental considera-se sobretudo um poeta. Depois, ficcionista embora considere ter poucos livros de ficção. Foi também Professor e diz-nos que não seria a mesma pessoa, e o mesmo escritor, se não tivesse sido professor, se não tivesse de fazer o esforço de tornar simples para os alunos o que para ele próprio se tornava complexo. Conta, sem esforço de fazer piada ou ser engraçado que às vezes, para trabalhos de casa, dizia aos alunos “tragam uma mão cheia de pedras”. E questiono o porquê. Não sabe. Era para o que apetecesse. Depois logo se via.

E depois foi performer. Tem percorrido o país com as suas apresentações, a jeito de fazer poesia com o corpo, no palco, reproduz-se num quadro de madeira e faz o público pensar nos gestos do dia-a-dia, no cortar o cabelo, no escovar os dentes, depois despe as calças, tudo tão a mesmice dos nossos dias e ali somos convidados a pensar em cada gesto, em cada ação. Desculpem mas não vos consigo explicar melhor pois nunca assisti mas achei fascinante, pelo que me explicou. Há uns anos foi ao Brasil abrir um Festival de Poesia e fazer uma das suas performances. Artes performativas, em português.

Na apresentação de um dos seus livros (do British Barthes), Alves Jana explicou-o assim ao público “um livro de poesia é, em muito, a leitura que dele fazemos – a vida que nele pomos. Por isso digo: Este livro não é um livro. Este livro é um vaso. À espera do que nele havemos de pôr, da vida que há-de ganhar com a re-escrita que dele fizermos na leitura. Insisto, sobretudo em voz alta.

Sendo assim, este livro não é um livro, é só meio livro - à espera do outro poeta, o leitor, que há-de abri-lo para a vida. É um vaso à espera do vinho ou do sangue que nele havemos de deitar – e que dele havemos de beber.”

Nesse mesmo livro José-Alberto Marques diz que “ninguém conhece as minhas palavras por dentro”. É um desafio ler este Poeta!

Que escreveu sobre Abrantes, sobre o Benfica, sobre os sinais de pontuação, livros infantis e outros que não. Teatro e, enfim, o que lhe vai apetecendo. Disse-me que gosta de fazer coisas que ainda não foram feitas. Preenche espaços que nem se sabiam em branco. Até que lhes dá forma, e cor, e palavra.

Encontrei um artigo de 1992, brasileiro, em que após a publicação do seu livro Loendro, diziam assim: “São só alguns meses que medeiam entre a publicação do último livro de José-Alberto Marques, Loendro (embora datado de 1991), mas são muitos anos em que deste poeta quase se não fala, ou não fala mesmo. Isto parece-me, se não grave, pelo menos triste. Porque José-Alberto Marques é um poeta raro, numa escala de exigência que coloca na zona fria muitos dos nomes hoje (transitoriamente) bem cotados. Essa escala é a minha. E é esse meu critério de exigência (que evidentemente não está na moda) que me leva a ficar triste com o silêncio que se abate sobre poetas como José-Alberto Marques, principalmente porque esse silêncio é um sinal do empobrecimento a que todos nós vimos estando sujeitos, em nome rigorosamente de nada. De nada, porque nada, efetivamente, pode substituir o prazer de ler um poeta de qualidade”. Quem escreveu isto, que até me parece bastante atual, convenhamos, foi Ernesto Manuel de Melo e Castro, poeta, ensaísta e Doutor em Letras pela Universidade Católica de São Paulo.

José-Alberto Marques refere que foi no ensino secundário que se aproximou da literatura portuguesa. Olhando para mais de 60 anos dedicado às letras refere que o essencial foi a leitura. Depois, os mestres que teve e os contactos que foi fazendo ao longo dos anos.

Como referência diz ter Mário de Sá-Carneiro, o próprio Fernando Pessoa, Herberto Hélder, ou António Ramos Rosa.

Será este o grande conselho que deixa à humanidade, a cada um de nós. Não tenham medo. Atirem-se às coisas. Vão ao encontro das pessoas. Arrisquem. Referindo ter feito sempre caminhos de vanguarda diz também que ninguém está satisfeito com aquilo que fez. Mas que fez o seu melhor. Por isso, é o melhor de que foi capaz. Simples!

Quando fala, além da forma que dá às frases, gesticula. Diz que tem o defeito de se armar em poeta quando fala, é uma tendência natural a que acha piada. Já com as mãos, faz um certo contorcionismo para, diz, torcer as palavras.

Eu sei, caro leitor, que o texto não está bem estruturado e que, se calhar, podia ter ficado mais bem esclarecido. Mas escrevi, deixe-me que lhe diga, a conselho do próprio sobre quem vos escrevo, como me apeteceu. Como ainda não tinha sido escrito. Podem pesquisar sobre os prémios, as dezenas de obras editadas. Tudo. Mas a minha chamada de atenção eram duas: os muitos feitos a que se fez o favor, para se fazer, enquanto homem e poeta. Este ser-se arrojado, de vanguarda. E, depois, a necessidade que temos de o ler, ainda que não saibamos. Porque é diferente daquilo que já leu. E faz-nos pensar no bom que é fazer o que ainda não foi feito, escrever o que ainda não foi escrito e ser-se único, como nenhum outro. E precisamos tanto disto!

Por fim, o agradecimento a Alves Jana que me ensinou que o mundo tem José-Alberto Marques. E a José- Alberto Marques por ter tanto para nos dar. E mostrar. Eu já vos disse que um dos seus livros de poesia tem formas geométricas ao longo das páginas?! Não?! Levantem-se, caras pessoas, e vão ao seu encontro. Nos livros e, claro, dia 12 de novembro, às 18 horas, na Biblioteca de Abrantes.

Vera Dias António

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