SALPICOS DE CULTURA…
“Desporto e solidão”
Como pessoa ligada ao desporto não fiquei indiferente às notícias divulgadas pelo facto de uma atleta americana, tetracampeã mundial em ginástica, ter abandonado a competição olímpica por se sentir à beira de uma depressão. Também retive que poucos dias após este acontecimento, a imprensa portuguesa veio a terreiro desenvolver programas em que atletas nacionais falavam, em várias entrevistas, dos efeitos depressivos que tinham tido enquanto envolvidos em diversas competições.
Casos raros todos os que no parágrafo anterior são referidos? Claro que não. O stress desportivo é não só uma realidade, mas um fenómeno com o qual a humanidade tem vivido como se de uma enorme normalidade se trate. Não é preciso muito para que a afirmação anterior seja aceite, basta ver como certos dirigentes, atletas, treinadores e treinados são glorificados, e tenha-se em consideração como estes heróis de circunstância têm de transportar às costas as emoções alheias.
Por volta dos anos noventa tive a oportunidade de tecer considerações públicas sobre esta temática, e já ao tempo havia quem considerasse que mais tarde ou mais cedo constatar-se-ia que praticar o desporto até ao limite dos limites humanos traria consequências gravosas.
Então, aceite-se que falar deste tema é coisa banal. Porém, o que mais me saltou à mente foi o facto de a maior parte dos treinadores, atletas e dirigentes desportivos entrevistados terem aceite falar das constatações anteriores como “doença mental”, tendo até reparado que uma das atletas entrevistada deixou expressa a ideia que preferia abandonar a competição em que estava envolvida, por preferir tratar da sua saúde mental, em vez de se sujeitar ao stress a que a competição a estava a obrigar, tendo até avançado com a ideia que pretendia ser ajudada no momento presente, justamente para poder evitar que, mais tarde, a depressão lhe batesse aporta.
Satisfeito com o que acima deixo dito? Claro que não. Contudo, não posso deixar de manifestar um “até que enfim”, porquê? Porque nunca tinha ouvido, difundidas em tempos de antena, tais referências à desmedida forma como muita da aprática desportiva se desenvolve. E muito menos ouvir da boca de atletas palavras de descontentamento para com as exigências físicas, psíquicas e emocionais a que muitas vezes se sujeitam. Menos ainda ouvia alguma vez que as ditas expressões relacionassem os sentimentos vividos enquanto gente jovem dedicada ao desporto e a possibilidade de a doença mental instalada então na mente, enquanto se treina ou compete, vir a projetar-se na idade adulta.
Uma das questões que serviu de mote às entrevistas realizadas foi a solidão a que os atletas ficam sujeitos quando se determina que devam chegar a um considerado objetivo. Trata-se de conceber uma projeção ao longo da vida de uma mente pouco sã em corpos fortes. Aqui a problemática da solidão ganhou ênfase, ou seja, muitos destes atletas anteveem, enquanto jovens, a possibilidade de, caso não abdiquem das práticas desportivas a que estão sujeitos, poderem vir a sentir o mesmo que é manifestado por pessoas de idade avançada.
Morena Hertz na sua obra “O Século da Solidão – Como Restaurar as Ligações Humanas, publicada pelo Círculo de Leitores, em 2021, referindo-se à questão da solidão diz, a páginas 15, o que passo a citar: “Uma vez mais, este panorama perturbador assume uma escala global e tem vindo a agravar-se progressivamente nos últimos anos]…[Esta não é apenas uma crise de saúde mental. É uma crise que nos está a pôr todos fisicamente doentes]...[E é também uma crise política, que alimenta divisões e os extremismos nos EUA, na Europa e em todo o planeta]”. Em última referência a autora deixa dito que a solidão e a saúde mental andam de mãos dadas.
Então, refletindo no que acima deixo dito surgiram-me duas ideias: uma a de que muitos dos atletas entrevistados fizeram bem em travar os excessos impostos pelos quesitos competitivos, outra a de que o mundo do desporto, mesmo que fustigado por práticas abusivas, continua a valorizar o ser humano na sua integridade, acima de ganhos efémeros que possam advir de práticas desportivas em que a saúde mental é posta em segundo plano.
Despeço-me com amizade,
Luís Barbosa*
*Investigador em psicologia e ciências da educação
SALPICOS DE CULTURA, uma parceria com a Associação Internacional de Estudos Sobre a Mente e o Pensamento (AIEMP)