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OPINIÃO: «Experiências antigas, saberes modernos», por Luís Barbosa

30/08/2021 às 12:00

SALPICOS DE CULTURA....

 

 

Experiências antigas, saberes modernos

Amigo meu, interessado nas questões da meditação, convidou-me para o acompanhar num evento a realizar na Universidade Clássica de Lisboa. O convite colheu-me de surpresa, mas o interesse manifestado por quem mo fez determinou a minha anuência.

Para mim foi muito interessante voltar a uma casa onde passei grande parte da minha juventude. Há largos anos que não entrava no edifício onde percorri muitos dos seus espaços, quer andando pelos enormes corredores, que pareciam não ter fim, conversando com colegas, quer sentando-me nas cadeiras onde, ao tempo, assisti a inúmeras práticas letivas. O certo é que foi com expectativa que desta vez franqueei a enorme porta de entrada do então chamado edifício de Letras, e onde frequentei o curso de Filosofia.

O departamento das coisas filosóficas ficava à direita do edifício. Lembro-me que enquanto aluno achava o estabelecimento algo degradado. As salas mais fustigadas pelo tempo necessitavam de obras de vulto, e as cadeiras onde nos sentávamos nem sempre se abriam ou fechavam sem ruídos estranhos. Tenho bem presente, como fazer obras de reparação nas estruturas era reivindicação muito corrente, e quando já formado, abandonei a Universidade Clássica fiquei com a ideia que esta reivindicação tinha mesmo de ser satisfeita.

No dia da ação para que fui convidado voltei a calcorrear alguns dos sítios por onde andei. Foi uma experiência interessante. Porquê? Porque transportando o interesse em saber até que ponto as tais obras tinham ou não sido feitas, coloquei o meu olhar sobre os espaços que me tinham servido de casa. Constatei que tal como outrora a maioria das salas onde se lecionava Filosofia ficavam à direita do corredor de entrada da Faculdade, e tive a oportunidade de ver que, embora algumas paredes tenham sido pintadas, nem todas as salas se apresentavam de cara lavada. Por isso acabei dizendo para mim mesmo que afinal, passados tantos anos, e embora a Universidade se mantenha de pé, facto é que as estruturas não sofreram as melhorias que tanto necessitavam.

Porém, levado pela companhia de meu amigo cedo constatei que o sítio onde o evento se ia realizar era no lado oposto àquele em que tinha focado a minha atenção. Então, virando a cara para a minha esquerda pude constatar que à minha frente se apresentava um local de estruturas novas, com boa claridade, salas bem apetrechadas, e um anfiteatro com ar moderno. Fiquei mais satisfeito. Mas a maior surpresa deu-se quando caminhava para o referido antiteatro. Entre dois ou três comentários de agrado, trocados entre mim e o meu amigo, por estarmos num espaço arejado e convidativo, reparei que numa das paredes, sobre uma das portas, se lia “Departamento de Estudos Indianos”.

Tive mesmo de parar para refletir um pouco no que via. Confesso que esperava ter algumas surpresas, já que há muito tinha deixado aqueles lugares. Mas verificar que junto às salas onde ouvi tanta vez repudiar os ensinos das coisas orientais, ver que a evolução do pensar tinha permitido que no Departamento de Filosofia da Universidade Clássica de Lisboa se viesse a estudar o pensamento indiano, ultrapassou todas as minhas expetativas. É que, enquanto lá fui aluno, o Bhagavad Gita tinha-me chegado às mãos a muito custo e às escondidas, não fosse o diabo tecê-las. É que na altura, ter acesso a um texto hindu feito para contar a canção do bem-aventurado" ou "canção divina", datado do século IV a.C. que relata o diálogo de Críxena/Krishna (suprema personalidade de Deus) com o herói Arjuna (discípulo guerreiro) no campo de batalha de Kuruksetra, era ousadia que se podia pagar cara.

 

Porém a surpresa não acabou aqui, é que ao entrar no referido anfiteatro reparei que o evento para que fora convidado era dinamizado por professores de filosofia, que resolveram juntar psicólogos, psiquiatras, assistentes socias e religiosos de diversos credos e correntes, portugueses e estrangeiros, para discutir questões de meditação.

 

Fiquei então com uma outra ideia das vicissitudes por que a minha tão querida, outrora casa de estudo, tinha passado desde que lá fui aluno e os momentos de agora, em que me encontro noutra situação. À saída resolvi comprar um livro que estava à venda numa das bancas de editoras apoiantes do evento. O seu título é “Meditação - Um programa de oito pontos para transformar a vida”, e foi editado pelo Centro Lusitano de Unificação Cultural, em 2019. O seu autor é Eknath Easwaran que logo no prefácio diz que tendo lido os Upanishads, que são parte das escrituras Shruti hindus, onde se apresentam discussões de índole religiosa consideradas pela maioria das escolas do hinduísmo, instruções práticas a seguir pelos crentes, e que contêm transcrições de vários debates espirituais, onde 12 dos seus 123 livros são entendidos como fontes básicas para se descobrir a tremenda herança cultural da Índia, ficou bem ciente que a meditação não é um exercício de experiência menor, mas algo que procura prender o ser humano a dimensões cosmológicas e universais.

 

No fim do evento dei por muito bem empregue o tempo que nele passei a ouvir tantos e tão diferentes saberes, e fiquei feliz por ter constatado também que afinal, a casa que serviu de lugar para a minha formação académica, embora tenha ainda algumas paredes a necessitar de limpeza, continua a ser o sítio onde muitos cidadãos procuram realizar os objetivos de tornar a sociedade mais sábia, e por isso mais nobre.

Despeço-me com amizade,

Luís Barbosa*

*Investigador em psicologia e ciências da educação
SALPICOS DE CULTURA, uma parceria com a Associação Internacional de Estudos Sobre a Mente e o Pensamento (AIEMP)

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