SALPICOS de CULTURA…
“O Ter, o Ser e a Espiritualidade”
Os momentos de recolhimento a que o “Covidis-19” me tem obrigado têm sido passados a olhar para o que muitos cidadãos vão dizendo sobre o momento atual. Uma das afirmações que ultimamente me chamou mais a atenção foi a que li expressa num jornal. Dizia o articulista que um dos estudos feitos nos últimos tempos tinha detetado que as palavras mais correntes nas expressões dos humanos atuais eram: meditação, paz, amor e espiritualidade. Apresentava até alguns artistas e cantores em voga como exemplo de pessoas que tinha enveredado por orientar a vida em função de desígnios espirituais.
Ligado ao universo da investigação científica não posso deixar de dizer que registo o facto de assistir a decisões semelhantes levadas a cabo por colegas de profissão, e retenho mesmo muitas das discussões que as tendências acima referidas suscitam quando em causa está, dar ou não primazia, no âmbito da ciência tradicional, ao mundo espiritual.Tive a oportunidade de assistir a algumas das conferências dadas por Luís Portela quando por volta do ano de 2018 publicou, na Gradiva, o livro titulado “Da Ciência ao Amor”, e retenho também como ao tempo o autor expressava a dificuldade com que tinha vivido face ao facto de ter enverado pelo estreito caminho de tentar que a ciência “dita normal” se preocupasse com as questões de índole espiritual.
O autor é pessoa que sabe bem o que os humanos são. Licenciado em Medicina, fez clínica e foi professor de Psicofisiologia na Universidade do Porto. Foi empresário e aos 27 anos assumiu a presidência da Bial. Porém, nunca deixando de estar ligado ao mundo académico, acabou por fundar com esta empresa e o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas a “Fundação Bial”, destinada a desenvolver a investigação centrada no ser humano. Aos 40 anos foi condecorado pelo Presidente da República como Comendador da Ordem de Mérito, e aos 50 com a Grã-Cruz da mesma ordem.
Bem, se é um facto que a ciência tradicional continua a ter dificuldade em lidar com questões espirituais, verdade se diga que com as do amor, ainda muito mais. Sempre achei ousada a viagem de Luís Portela ao tentar que o amor passasse a fazer parte das preocupações dos investigadores tradicionais. Porém, também reconheci quetinha consciência dessas dificuldades. No seu livro, e logo à guisa de introdução, começa por referir que:
“Ao longo do século XX, a humanidade fez um enorme progresso nas áreas científicas e tecnológicas, que possibilita atualmente um grande domínio da matéria em geral e um grande conhecimento do corpo humano, com um enorme aumento da esperança média de vida à nascença]…[ Mas a existência nos seres humanos de um ou vários corpos não físicos, a vida para além da morte física e a fenomenologia chamada parapsicologia foram relativamente pouco estudadas, o que não permitiu um grande esclarecimento espiritual.” (pág. 7)
É uma afirmação com consequências. Porquê? Porque mais adiante o autor sublinha que, “existe então algum desequilíbrio na postura de um considerável número de seres humanos, muito focados no mundo físico, no ter e no parecer; dando uma importância menor aos valores universais, ao ser, à vida espiritual”.
Não tendo feito o texto com a intenção de ser moralista, quero, porém, aproveitar a oportunidade para partilhar com terceiros preocupações que os dias que correm me vão trazendo à mente.
Despeço-me com amizade,
Luís Barbosa*
*Investigador em psicologia e ciências da educação
SALPICOS DE CULTURA, uma parceria com a Associação Internacional de Estudos Sobre a Mente e o Pensamento (AIEMP)