Uma Europa em crise, que aceita estrangeiros para depois os “jogar para o lixo”, é o tema central da peça “Sweet home Europa”, que se estreia na quinta-feira na sala Estúdio, do Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, e que tem escala agendada para o Centro Cultural Gil Vicente, em Sardoal, no dia 14 de abril.
Da autoria do dramaturgo italiano David Carnevali (Milão, 1981), “Sweet home Europa” (“Doce lar Europa”, em tradução livre) retrata uma Europa em crise de identidade e de valores sem que mencione qualquer época.
Uma Europa que aceita estrangeiros e refugiados e os integra, para depois os abandonar e desprezar, é uma constante nesta peça para três atores, com cada um a vestir diferentes personagens, ao longo dos cem minutos que dura a representação.
Num estrado inclinado com pregos no chão, como se de uma cama de faquir se tratasse, dois homens e uma mulher vão falando sobre os seus problemas e a sua vivência na Europa, num cenário limitado a uma mesa azul e duas cadeiras, com umas flores amarelas de papel espalhadas pelo chão, simbolizando um jardim.
Enquanto os dois homens e a mulher vão representando diversos papéis sem nome, ao mesmo tempo, ao piano, um homem interpreta transcrições da 9.ª Sinfonia de Beethoven – a dita Sinfonia “Coral” cujo último andamento, “Ode à Alegria”, com arranjos do maestro alemão Herbert von Karajan, deu origem ao hino da União Europeia.
A estrutura da peça tem sempre presente a dicotomia entre o natural, o autóctone, e o outro, o estrangeiro, assim como as diferenças entre litoral e interior, pesca e agricultura.
O outro é o refugiado, o islâmico, o estrangeiro, vários outros com um traço em comum: aquele que sai da sua terra natal e parte para outra em busca de uma vida melhor.
A mulher, por seu lado, debate-se, durante todo o drama, com os problemas da condição feminina, com a marginalização sempre presente: salários mais baixos aos dos homens e uma igualdade que é apenas reconhecida no papel, sem correspondência na vida real.
O homem, esse, é o natural da Europa, aquele que detém o poder político, económico, cultural.
Para o encenador da obra, João Pedro Mamede, o interesse do convite que o diretor do Teatro D. Maria, Tiago Rodrigues, lhe fez para representar esta peça, integrada no ciclo “Portugal em vias de extinção”, reside no facto de ela não se situar em nenhuma época nem em nenhum país.
“A peça tanto pode passar-se no início da construção da União Europeia, como agora, com esta crise de refugiados que assola a Europa, como num futuro em que a Europa já não exista”, disse o encenador aos jornalistas.
“No fundo, o texto dá uma ideia de ‘Europa albergue’, mas também de uma Europa que acaba por jogar os outros para o lixo”, acrescentou João Pedro Mamede.
“‘Sweet home Europa’ é uma peça sobre as relações entre as pessoas e sobre a não-aceitação e a exclusão do outro”, sublinhou, acrescentado tratar-se de uma característica bem patente no continente europeu, na política europeia.
“Penso que a Europa tem de se posicionar doutra forma. Acredito numa Europa que mude de cor, que vá buscar as pessoas para cá e que as aceite”, frisou, porque a Europa “até pode ser só uma, mas deve ser maior e mais interessante do que isto que é hoje”, argumentou.
Com tradução de Tereza Bento, “Sweet home Europa” é interpretada por João Pedro Mamede, João Vicente e Isabel Costa. A música é de Daniel Bernardes, a cenografia de Ângela Rocha e o figurino de Gonçalo Quirino.
Vai estar em cena na sala Estúdio até 27 de março, com espetáculos às quartas-feiras, às 19:30, de quinta a sábado, às 21:00, e, aos domingos, às 16:30.
A 11 de março haverá uma sessão com linguagem gestual, será lançado o livro “Sweet home Europa” e haverá uma conversa com os atores e com o autor da peça, que será moderada pela jornalista Maria João Guardão.
“Sweet home Europa” inicia a 06 de abril uma digressão pelas salas da Rede Eunice, com espetáculos no Teatro de Vila Real (06 de abril), Centro Cultural Gil Vicente, no Sardoal (14 de abril), Teatro Municipal Baltazar Dias (Funchal, 26 de maio) e no Teatro Municipal de Portimão, a 30 de junho.
Lusa