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Constância: Exposição das Memórias da Guerra Colonial «para que nunca seja esquecida»

19/04/2025 às 09:26

A exposição “Adeus, até ao meu regresso! – Memórias da Guerra Colonial de Ex-combatentes do Concelho de Constância”, está de regresso à Sala Polivalente do Cineteatro Municipal até dia 25 de abril, às quintas, sextas-feiras e sábados, das 14H00 às 18H00.

Um trabalho de recolha de Anabela Cardoso, responsável pelo Museu dos Rios e das Artes Marítimas de Constância, do investigador Miguel Luís e com recolha de som imagem de Tatiana Constantino. Com o objetivo de celebrar os 50 anos do 25 de Abril de 1974, o trabalho começou um ano e meio antes. A exposição já tinha sido inaugurada o ano passado, por alturas da efeméride e regressa agora para assinalar a data.

Mas se falamos da Revolução dos Cravos, porquê uma exposição sobre a Guerra Colonial? Anabela Cardoso explicou ao Jornal de Abrantes que quando iniciaram a pesquisa e começaram a perguntar às pessoas do concelho como tinham vivido o 25 de abril, “verificámos que, por aqui, passou um bocadinho ao lado. Ou seja, quem tinha rádio, apercebeu-se de alguma coisa, mas a maioria dos habitantes do concelho trabalhava no campo e foi lá que passaram o dia, na sua vida. Só mais tarde é que começaram a ouvir falar do que se tinha passado e, para a maioria das pessoas, o pensamento dominante não teve a ver com a ideia da liberdade, mas com o «terminou a guerra». Isso sim, foi a principal referência que ouvimos quando perguntámos pelo 25 de abril”. Até porque, como ouviu algumas vezes, e todos nós também já o ouvimos da boca dos mais velhos, “isto até foi liberdade a mais”. A mudança gerou alguns conflitos que ainda nos dias de hoje se manifesta. Mas adiante… Foi assim que surgiu a ideia de recolher tudo o que dissesse respeito aos 620 mancebos do concelho de Constância que foram cumprir serviço militar para o Ultramar. Contam-se quatro mortos na Guerra Colonial. “Três rapazes naturais da freguesia de Santa Margarida da Coutada e um da freguesia de Montalvo”. As suas fotos e os seus nomes estão expostos na exposição que também os homenageia. Para que nunca sejam esquecidos…

“Houve quem falasse e houve quem não quisesse sequer abordar o tema. Também tivemos quem nos dissesse que contava mas não falava de tudo”. Apesar de mais de 50 décadas passadas, “eles lembram-se de tudo, e de tudo ao pormenor. Muitos deles choraram”, disse Anabela Cardoso. Fez 38 entrevistas e são esses testemunhos que ficaram guardados em vídeo e cujo filme pode ser visto ao visitar a exposição.

“Também pedia sempre fotografias e aqui também havia diferenças. Tivemos antigos combatentes que trouxeram os álbuns inteiros, tivemos os que selecionaram algumas fotos e houve quem não trouxesse foto nenhuma. Isto porque, ou tinham-se perdido com o tempo ou porque não tinham mesmo. É que para ter as fotos, era necessário comprá-las e nem todos tinham posses para isso”. Mas nesta questão das fotografias, também há uma outra história. Muitos dos álbuns apresentavam sítios onde deviam constar fotos, mas que não estavam lá. E então, lá vinha a explicação: «isso foi a minha mulher que tirou». E porquê? Eram fotos onde apareciam outras mulheres e isso, pelos vistos, não era aceitável para as esposas. Um sorriso saiu-nos perante esta explicação.

Pela exposição já passaram e continuam a passar os mais pequenos, os meninos do Agrupamento de Escolas. A história é-lhes explicada e mostrada através das fotografias, dos dados recolhidos e dos muitos objetos que podem observar. A grande maioria nunca ouviu falar da Guerra Colonial mas há palavras e nomes que identificam. “Sabem a diferença entre ditadura e democracia. Reconhecem e identificam nomes dessa altura como Salazar ou PIDE. Já não é mau”. Anabela Cardoso pede depois aos alunos que façam um desenho sobre a exposição e o filme que visionaram. “Tenho desenhos destes desde há 30 anos. Venho fazendo essa recolha e, no futuro, quem sabe surja um novo projeto sobre a evolução das memórias e do conhecimento destes factos ao longo dos anos e das gerações. Vai ser engraçado ver as diferenças”, reconhece Anabela Cardoso cuja mente inquieta já projeta novo desafio.

Mas o objetivo maior desta exposição é “homenagear esta gente, estes homens que, na minha opinião, não foram nada protegidos nem valorizados pelo que viveram lá. Eles não vieram bem, todos eles”. E adianta que no Dia Internacional da Mulher teve um testemunho “de uma senhora que esteve na apresentação de um livro e que vinha acompanhada por um ex-militar. Na altura deu-nos vontade de rir, mas não é, de todo, assunto para rir. Ela contou que, dois dias antes, o marido lhe tinha tentado apertar o pescoço enquanto dormia. Passados tantos anos, isto ainda lhes acontece. As esposas sabem e sentem que eles não vieram bem e não tiveram nenhum cuidado a nível médico. Nem protegidos a nível monetário”.

Esta também é uma história que merece ser contada e que vai constar do livro que irá ser apresentado ainda este ano, “mais lá para o fim do ano”. O papel das mulheres, das esposas, das que ficaram e das que acompanharam os maridos, das madrinhas de guerra “que foram fundamentais para dar ânimo e para que eles quisessem voltar. Que lutassem mas que viessem para constituir a família”. Também as esposas que ficaram cá e, “por outro lado, os filhos que quando os pais vieram, muitos não os reconheciam”.

“Temos também os militares de carreira, que fizeram várias comissões, e que puderam lá ter a família, mas muitos não levaram todos os filhos. E há quem hoje conte que nota que o desapego dos filhos é devido a isso. Ao não terem estado nas fases marcantes da infância ao lado dos filhos. São coisas que marcam”.

Voltámos aos militares mortos na Guerra Colonial. “Dos três de Santa Margarida não sabíamos nada, não havia famílias… às vezes as famílias perdem-se”, disse. Mas lá conseguiram o contacto de uma senhora de Tramagal, “a dona Saudade Laranjo, uma senhora que tem uma memória fantástica, conseguimos também de um outro, falar com a dona Isabel Batista, de Santa Margarida. São irmãs de dois dos falecidos. E aí conseguimos saber um pouco mais de como era a vida deles, de como elas souberam da morte, o que é que lhes foi contado na altura. A notícia de uma morte chegava através de um telefonema para a mercearia da aldeia e depois alguém ia transmitir. Era horrível. As famílias viviam sempre num pranto, faziam-se promessas, as idas a Fátima… a dona Isabel Batista contou-nos que a mãe ia sempre ao cemitério rezar a Nossa Senhora. Após a morte, contou que a mãe dizia «com ouvidos e não me ouviu, tem olhos e não me viu… e deixou morrer o meu filho». Contou a dona Isabel Batista que a mãe mudou de religião porque desistiu da católica. Esse corpo veio para Santa Margarida, mas não vieram todos. O irmão da dona Saudade Laranjo não está, mas a família está a pensar pedir a trasladação do corpo. É que, no início, o Estado não pagava a vinda do corpo e as pessoas duvidavam dos corpos, os caixões vinham fechados e não se podiam abrir… As pessoas sofreram muito com a questão de não verem”.

Também há aqueles, muitos, que vieram feridos. “Uns mais ligeiros e que “para mal dos pecados deles, ainda tiveram que voltar e outros feridos mais graves que terminaram a comissão. Mas foram muitos os feridos”.

Para além do livro, todo o espólio recolhido vai ser posteriormente divulgado no site do Município de Constância.

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