No fim de semana de 05 e 06 de Setembro, a pista da Boavista em Mação vai acolher a 4ª prova do PTRX 2020. Até aqui tudo normal, não fosse uma curiosidade adjacente: António Pedro Santinho Mendes vai, aos (quase) 80 anos de idade, participar pela primeira vez numa prova de Rallycross.
Esta situação foi proporcionada pelo neto António Santinho Mendes, Campeão Nacional da modalidade, que por motivos pessoais não vai poder participar mas endereçou o convite ao avô e disponibilizou a sua viatura Opel Astra para que se estrear na modalidade.
Simultaneamente, António Pedro Santinho Mendes vai ser alvo de uma merecida homenagem pelos seus 50 anos de desporto motorizado, onde vai contar com a presença de quase todos os co-pilotos que ao longo dos anos consigo partilharam os carros de competição.
Recorde-se que o piloto abrantino iniciou a sua carreira em 1970 e ao longo destes 50 anos foi Campeão Nacional em quase todas as modalidades em que participou.
Curiosamente, a sua carreira desportiva até começou com relativo sucesso no ciclismo – aos 16 anos já era Campeão regional em Évora e Beja e chegou inclusive a participar por duas vezes na volta a Portugal e um Porto-Lisboa onde conseguiu um honroso 6ª lugar. Entre outras equipas, correu pelos Águias de Alpiarça numa época em que Benfica, Porto e Sporting também competiam.
“Nunca fui um grande ciclista, não tinha muito tempo para treinar. Na altura a prova mais dura que tínhamos, mais dura que a Volta a Portugal, era a Porto-Lisboa. Saíamos do Porto às 7 da manha e chegávamos a Lisboa por volta das 5, 6 da tarde, sempre a pedalar. Participavam os melhores ciclistas do País. Terminávamos a prova no estádio José Alvalade. Por vezes chegávamos a ser 150 a 200 ciclistas. Ganhei muitas provas em circuitos”, lembra o piloto.
Mas a paixão era mesmo pelos carros, e depois de vários anos nas perícias, no inicio da década de 70 acontece a incursão pelo desporto automóvel em provas federadas, através da Datsun de que não fica dissociada a mudança para Abrantes através da abertura de um concessionário da marca no concelho.
“Fui experimentador no Cipriano Flores, era muito amigo do dono, que adorava correr, fazia a Volta a Portugal e eu fui-me entusiasmando pelos carros. A Datsun convidou-me para ficar com o concessionário em Abrantes”.
Promove a marca com o famoso Datsun 160J, com vitorias no Troféu Datsun 1200 em 1971 e 1972, duas vezes Campeão Nacional de Velocidade em 1973 e 1974, Vencedor da Volta a Portugal em 1975, 2º Lugar no Campeonato nacional de Rallyes e um honroso 5º lugar no Rally de Portugal em 1976 com um Opel GT – a sua melhor classificação em rallyes de Portugal.
“A minha primeira prova foi em Monsanto, em Montes Claros. Ninguém me conhecia e eu cheguei lá com o Datsun 1200 e fiz o 2º melhor tempo entre 50 ou 60 carros, mas acabei a prova em 7º ou 8º. Estavam lá os melhores pilotos desse tempo. Na época nem usávamos capacete. Lembro-me que na altura, o jornal A Bola dizia: o novato deu água pela barba a toda a gente.
“Em 1974 fui Campeão Nacional de Velocidade com dois carros: um Datsun e um Sinca. Comecei a época com o Datsun mas surgiram os Sinca Rally que eram mais rápidos. Então, quando faltavam duas provas para o final do Campeonato, comprei um Sinca, preparei-o, ganhei essas últimas corridas e assim consegui revalidar o título de Campeão Nacional.
Em 1976 consegui o 5º lugar no Rally Tap Portugal com um Opel 1904, que era do Mêqêpê. O Manel – como lhe chamava- perguntou-me se queria ficar com o carro, fez-me um preço bom e assim foi, comprei, inscrevi-me e fiquei em 5º Lugar. Foi espetacular. Nesse ano ganhou o Sandro Munari e o Mêpêpê ficou em 3º com um carro novo que mandou vir, um Opel Kadett GT.”
A década de 80 continua a ser recheada de êxitos, em 1980 vence a Volta a Portugal e sagra-se Campeão Nacional de Rallyes, feito que repetiria em 1981. Em 1982 vence de novo a Volta a Portugal e fica em 2º Lugar no campeonato Nacional. Em 1983 sagra-se Campeão ibérico no grupo 1. Em 1985 – 8º Classificado no Rally de Portugal Vinho do Porto, com um Nissan 240RS.
“Nesta altura houve uma evolução enorme por parte das fábricas, das marcas e nós, privados, sem ter o estatuto de “fábrica”, não tínhamos carros com força suficiente para os acompanhar.”
É por isso que decide experimentar outros registos e surge o Autocross. Na segunda metade da década de 80, dedica-se ao Autocross sendo um dos seus maiores impulsionadores.
“Abrantes foi pioneira no Autocross. Nós tivemos o primeiro circuito onde se começaram a fazer essas provas no Vale de Roubam”.
Também nesta modalidade arrebata o título de Campeão Nacional, em 1986 e 1987. Em final dos anos 80 e início da década de 90, mais uma modalidade, desta feita o Todo o Terreno e, para não fugir à regra… mais títulos. Em 1987 fica em 2º lugar no Portalegre 500 – Prova mítica do todo terreno, que adorava fazer mas que nunca conseguiu vencer… Ficou por duas vezes em 2º lugar (um dos quais a 55 segundos do 1º lugar – com o filho Vítor Hugo e outro com o filho José Mendes), um 3º lugar…
Ficou sempre com este “amargo de boca” em relação à Baja Portalegre, por nunca ter conseguido vencer?
“Portalegre podia ter ganho uns poucos mas é assim… lembro-me do 1º Portalegre que fiz, mais o meu “Zé Manel” - já não me lembro bem, só tínhamos um carro com tração atrás e eu preparei o carro de forma a que se os jipes batessem por trás não causassem tantos danos, não me amachucassem atrás. Estava mais preocupado que me batessem por trás e veja bem… ficámos atascados na lama e então quando os Jipes se aproximavam, eu coloca a mão de fora e pedia-lhes que nos empurrassem…tiravam-nos do lamaçal e seguíamos.
Houve um ano, com o meu Vítor Hugo, perdemos por 55 segundos… Nessa prova vínhamos na frente e a 3 ou 4 km do fim, está um indivíduo com um sinal e mandou-nos ir para a direita. O Vítor Hugo ainda me disse “ Ó pai, não é para a direita, é em frente”, mas eu disse-lhe, “se o homem nos manda ir para a direita, vamos para a direita”. Andei uns 40 ou 50 metros e … não podia passar para lado nenhum. Fui de marcha atrás para apanhar o caminho outra vez… e pronto…
No final, nesse dia, chegaram-me a dar os parabéns pela vitória mas no dia seguinte vieram-me dizer que afinal tinha perdido por 55 segundos…
Em relação a Portalegre, fiquei sempre com o amargo de boca, poderia ter vencido, sem exagero, 3 ou 4 provas.”
Em 1997, Vence o 1º Campeonato Nacional de Todo o terreno (Absoluto e em T3). E eis que surge uma outra aventura: o Dakar, prova em que participou em 1999 e 2000. Em 1999, desistiu na primeira experiência na prova… Em 2000, termina em 53º lugar e é o melhor piloto português no Dakar. As imagens que correram mundo foram as do acidente de Carlos Sousa e a forma como parou para o socorrer...
“ Perdemos mais de uma hora a prestar essa assistência. O helicóptero só chegou meia hora depois ou mais… quando retomámos, estávamos atascados… perdemos muitas horas, fomos penalizados, no outro dia partimos em último. Terminámos o Dakar em 53º lugar, a meio da tabela.”
Terminar uma prova desta natureza era um autêntica aventura...
“O Dakar é impressionante, é uma prova muito dura. Não há amigos, não há nada. Se tivéssemos um problema no carro à noite, pedíamos ajuda aos franceses, para emprestar material, ou uma máquina de soldar mas só a troco de 20 ou 30 francos, qualquer coisa que precisássemos deles…estávamos feitos.”
2017 - Fronteira, uma prova – quatro pilotos - três gerações
Em 2017 um dos momentos mais marcantes da carreira foi a participação nas 24 Horas de Fronteira, em equipa com os filhos José Mendes e Vítor Hugo Mendes e o neto António Santinho Mendes, na altura com apenas 16 anos. Ficaram em 18 º lugar depois de muitos problemas mecânicos.
Pela primeira vez as três gerações em prova na mesma equipa, uma situação única em Portugal…
Arrisco a perguntar, de entre tantos momentos brilhantes, vitórias, títulos, campeonatos, este foi o momento mais marcante da carreira? Reunir numa prova as três gerações? Correr com os dois filhos e o neto de 16 anos?
“Foi sem dúvida, um dos momentos mais marcantes da minha carreira, com a família”.
Já em 2019, no Fronteira – 24 Horas de Todo o Terreno, conseguem um 8º lugar na geral e a melhor equipa totalmente portuguesa, só com pilotos portugueses…
“Ficámos em 8º lugar, entre 90 e tal equipas. Foi muito bom.”
De todos estes carros – dezenas - que teve o privilégio de conduzir, se tivesse de escolher um em especial, para ficar no museu junto às vitrinas de troféus… qual escolheria? Aquele de que mais se recorda com saudade, por um ou outro motivo…
“ Escolhia três: O Seat Toledo Maraton - que era um carro espectacular… fui Campeão Nacional Todo o Terreno com ele e fiz os dois Dakar – mas não podia usar o motor que tinha de origem…tive de lhe meter um outro motor porque na altura eram proibidos os turbos. Escolhia ainda o Datsun 1200 e o Datsun 160J. Foram realmente carros que marcaram a minha carreira.”
E uma prova marcante, a mais marcante, que lhe vem sempre à memória sempre que rebobina o filme da carreira?
“O que realmente me fica na memória foram as Voltas a Portugal. Havia várias provas, o melhor é que ganhava, geralmente era o Américo Nunes, ganhou algumas sete. Eu venci por três vezes (1975,1980 e 1982). Eram organizadas pelo Clube 100 à Hora. Foram das que considerei serem mais marcantes”.
Agora, nos dias 5 e 6 de setembro, acontece a estreia no Ralicross e uma homenagem em Mação. Depois de perícias, velocidade, rallys, Autocross, Todo o Terreno… faltava o Rallycross… estreia-se pista da Boavista...
“É uma brincadeira…vou fazer a vontade ao Vítor Hugo… já não tenho andamento para “aquela gente” …
Mas, se calhar, ainda tem...
“ Não, não!”
Na homenagem vai ter a presença de quase todos os navegadores que consigo colaboraram ao longo da carreira…
“ O meu Vítor Hugo está a fazer essa surpresa… já me disse qualquer coisa… estou desejoso de ver os meus “velhos” amigos e companheiros…
E a continuidade do sucesso está assegurada… José Mendes, Vítor Hugo Mendes e António Santinho Mendes (Júnior)…
São 50 Anos de história de um campeão que ganhou tudo o que havia para ganhar…
Miguel Pequeno