Domingos Chambel é o presidente da direção do Nersant e foi eleito em julho do ano passado com 234 votos de um total de 262 votantes. O empresário de Abrantes, administrador da TRM, analisa o distrito, os tempos de pandemia e aquilo que pode ser o futuro. Defende apostas claras na formação, principalmente na formação profissional, para que as empresas possam ter quadros para trabalhar nas suas unidades. A pandemia trouxe aos empresários muitos problemas, mas também várias oportunidades e o Plano de Recuperação e Resiliência vai ser fundamental para o futuro da economia. Aliás, defende que deveria apostar ainda mais nos apoios ao meio empresarial.
Entrevista por Jerónimo Belo Jorge
Temos mais de um ano de pandemia. Como está a a economia, como estão as empresas do distrito?
A situação económica da região não é muito diferente da nacional. Mas temos uma particularidade na nossa região. Estamos integrados no Médio Tejo e na Lezíria do Tejo e cada uma destas regiões tem as suas particularidades económicas. Temos dentro dessas sub-regiões uma riqueza incomensurável que, normalmente, não vem em inquéritos ou consultas de valor. Esta riqueza é a diversidade dos setores que as regiões têm e que se complementam. Temos a sul a Lezíria com o agroalimentar e a produção agrícola e norte temos o setor secundário e de serviços.
A pandemia foi transversal e apanha todos os setores. Mas há uma particularidade que nos diferenciou. Os portugueses, mesmo em pandemia, precisam de se alimentar. E foi esse fator que fez a diferença. Em dados de 2020 o Médio Tejo perdeu 21,54% das exportações. Em contrapartida conseguiu 8,31% das exportações. Valores positivos. Quer isto dizer que tudo quanto andou ligado ao agroalimentar e à terra teve um grande êxito.
Portanto esta diversidade valeu-nos qualquer coisa que nos distingue a nível nacional. Nós nas duas regiões decrescemos 6,56% das exportações, mas neste contexto é um valor altamente positivo, porque no país houve um decréscimo de 11,12%. O nosso decréscimo foi metade do país.
A economia não está bem, é certo, mas esta diversidade trás-nos um aporte muito grande para não termos efeitos tão nocivos.
O que é que mudou nos empresários, para além, claro, dos constrangimentos com as medidas de confinamento e todas as restrições de um ano e meio de vírus?
O que define um empresário é a ambição e a resiliência. A pandemia obrigou a reinventar a maneira de trabalhar. Nós estávamos no contacto pessoal, as vendas tinham esse contacto direto de olhos nos olhos. Tivemos que reinventar a comunicação online. A partir daí foram desenvolvidas plataformas que já existiam e que se afinaram. Tal como eu, muitos empresários viajavam muito para fazer negócios presenciais. Hoje tudo se transformou. Hoje conseguimos reunir no mesmo minuto os cinco continentes com 20, 30, 50 pessoas a falar dentro de uma plataforma como se estivéssemos ao lado uns dos outros.
A transição digital e o teletrabalho foi algo de positivo para o mercado do trabalho, dentro de todas as contingências?
A economia portuguesa tem uma carga de teletrabalho muito menor do que aquela que nos estão a fazer passar. Parece que tudo a nível nacional se resume a teletrabalho e isso não corresponde à realidade. Quem fala muito em teletrabalho parece que nunca passou de Setúbal para baixo e de Vila Franca para cima. Porque nestes territórios (Lisboa, Porto e uma parte de Leiria) há grandes concentrações de empresas de serviços e aí o teletrabalho justifica-se totalmente. Mas o país não se resume a estas áreas. A economia desenvolve-se em pequenas e médias empresas [que representam 98% do Produto Interno Bruto] e, não tendo nada contra o teletrabalho, a esmagadora maioria das empresas tem por exemplo muita correspondência que segue pelos CTT. E se não tiverem pessoas para abrir e tratar essa correspondência nos seus sítios, não é em casa que podem fazer esse serviço….
… ou seja, ainda não estamos tão avançados nesta questão da transição digital?
“Transição digital” é um chavão muito grande que serve muita coisa. O sentido está correto, mas a nossa economia é do sul [Portugal, Espanha e Grécia] e pertencemos a um segundo pelotão da Europa. A nossa economia ainda não está tão desenvolvida como a dos países nórdicos. O caminho está certo, mas não é para amanhã. Temos de preparar o caminho e a mentalidade dos empresários para conseguir apanhar esse rumo. Neste momento fomos confrontados com a possibilidade de melhores condições laborais, mas precisamos de muita massa humana dentro das empresas da qual não podemos prescindir.
O online entrou na economia e mudou muita coisa. Dentro da própria associação empresarial houve muitas mudanças?
Sim. Dentro do Nersant mudámos completamente o figurino do trabalho a que estávamos habituados. Tivemos de apanhar o comboio e este já ia em andamento. Fizemos a adaptação [temos mais de 30 colaboradores] para ações semanais. E todos os contactos que tínhamos com os empresários passaram a ser feitos remotamente. Esta foi uma grande vantagem. Com estes meios conseguimos estar em Toronto, nos Estados Unidos, em França, na Eslováquia (…) e com estes roadshow’s conseguimos reunir o AICEP, todas as câmaras de comércio desses países, todos os embaixadores desses países e todos os responsáveis de associações industriais e empresariais desses países. Foi altamente positivo porque tivemos oportunidade de mostrar aos investidores desses países as potencialidades para virem investir na nossa região.
“Quem fala muito em teletrabalho parece que nunca passou de Setúbal para baixo e de Vila Franca para cima”
Mesmo que voltemos às feiras presenciais, as feiras digitais vieram para ficar?
Esta ideia de trabalhar à distância veio para ficar. E veio para ficar a nível mundial.
Mas não dispensamos, logo que possível [que a pandemia permita], o regresso aos contactos pessoais. No contacto pessoal trazemos os investidores à região, podemos leva-los dentro das unidades produtivas e isso é muito mais produtivo do que as reuniões online.
Este ano a Fersant já foi dividida entre o presencial e o online. Notou-se essa “fome” de voltar aos contactos presenciais?
A Fersant acontece em simultâneo com a Feira Nacional de Agricultura e, de acordo com as normas da DGS, foi reduzida a 50%. Mas já se nota muito interesse na atividade presencial, mas ainda sem o potencial que tínhamos antes da pandemia. E das conversas com os empresários, as feiras virtuais são muito importantes, mas o contacto presidencial nos negócios, para nós latinos, tem a particularidade do contacto presencial. E se for à mesa, onde podemos mostrar a nossa gastronomia e os nossos vinhos, melhores negócios vingarão.
Ainda pandemia, quais as maiores preocupações e dúvidas em que os empresários precisaram de ajuda da sua Associação?
Passada uma semana do país ser confrontado com a pandemia criamos um gabinete de crise dentro da Nersant. E foi um gabinete criado ao mais alto nível. Não desligávamos o telefone durante as 24 horas porque sabíamos que do outro lado os empresários tinham dúvidas e grandes incertezas no cumprimento da legislação e nas ajudas que precisavam. Criámos linhas diretas com o governo. Toda a legislação que saía era encaminhada, ao minuto, para os associados.
Vamos à nossa região, como é que se pode olhar para o Médio Tejo, do ponto de vista empresarial?
Quando olhamos para os números temos de ter a capacidade de os saber interpretar. O Médio Tejo tem, em 2020, uma redução de 21,54% exportações. Mas temos de analisar o porquê. É a norte [do distrito] que estão as grandes empresas. É a norte que estão os grandes exportadores [automóveis, metalomecânica…] e tendo o benefício de as ter na região, numa situação destas [pandemia] nota-se esta quebra.
Uma paragem na Mitsubishi, por exemplo, representa logo uma quebra…
…a Mitsubishi, a Renova, a Hitachi e outras ligadas ao setor da exportação. Quando começámos a ver os resultados percebemos a importância dessas empresas na balança. Não podemos ter sol na eira e água no nabal. Temos grandes empresas, mas quando há crise, como esta, há reflexo nos resultados.
Estamos em crise. Há sinais de melhoria?
A crise económica existe. Está difícil. Mas não está tão difícil como os resultados que temos em nosso poder. De acordo com um inquérito interno aos nossos associados, quando perguntámos se estavam em layoff 86% responderam que não. E só 13% [10 empresas] é que transmitiram que estavam em layoff. E na pergunta sobre a manutenção dos postos de trabalho, 75% das empresas responderam que querem manter os postos de trabalho. A situação não está famosa, mas de acordo com estes números, na nossa região não está tão negra como parece.
Deixe-me fazer-lhe uma pergunta mais “política”, qual a posição sobre Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e o Portugal 2030?
Quanto ao PRR, gostávamos que a filosofia que esteve na sua base fosse diferente. E temos fundamentos para basear a nossa ideia. Um empresário quando tem folga financeira e quando tem compromissos o que faz é agarrar na maior fatia e “investir no investimento” para que este investimento produza riqueza para pagar os compromissos. E não foi o que o Estado escolheu. Conseguimos perceber a filosofia que esteve subjacente mas não entendemos. Quando estão reservados 70% destes 16 mil milhões para o Estado e 29 a 30% para a iniciativa privada, penso que os valores deveriam ser divididos ao contrário.
Para o apoio às ajudas sociais que a população necessita os 30% chegavam. E os 70% é que deveriam ser para a iniciativa privada porque iríamos criar postos de trabalho e riqueza e, logo, pagar impostos para a saúde, cultura, educação (…) porque são importantíssimos para a nossa sociedade. O PRR é oportuno, mas tem falhas mesmo nos dois setores onde vai haver mais investimento: a transição climática e a transição digital. Quem esteja fora destas duas áreas muito dificilmente vai lá buscar dinheiro.
Agora há muitas coisas importantes neste plano. O Plano salvaguardou 1.359 mil milhões de euros para a qualificação das competências. A falta de mão de obra qualificada é um problema nacional. Hoje não se consegue um serralheiro, um mecânico (…) e o que temos de fazer é ir buscar esses profissionais a 300 quilómetros.
É vital para a nossa região um plano de formação profissional que consiga dar resposta às empresas para que estas tenham a competitividade suficiente para responder à sua expansão e à concorrência.
A Nersant tem tido contactos com os Politécnicos de Santarém e Tomar para serem criadas vias verdes para ir ao encontro de massa cinzenta para suprir estas dificuldades…
…a formação profissional é estratégica para a Nersant...
… e faz parte do nosso Plano Estratégico. Não é uma formação profissional qualquer. É de excelência. O Nersant está empenhado em transformar esta região numa região de formação profissional de excelência. Sabemos que se tivermos pessoas capacitadas no conhecimento e no saber fazer temos uma grande vantagem na atratividade do investidor, seja português ou estrangeiro.
“É vital para a nossa região um plano de formação profissional que consiga dar resposta às empresas”
Falamos muito na descarbonização. É um tema muito presente na região?
Quando se começou a falar neste tema fizemos, de imediato, um inquérito aos nossos associados sobre o assunto e os resultados foram muito residuais. Tirando a Central Termoelétrica do Pego, dentro nos nossos associados não há grandes preocupações com a descarbonização. O que nos preocupa é esta grande unidade. O nosso propósito é que a Central do Pego fique. Tem um projeto que faz todo o sentido. É baseado em quatro fatores: biomassa; solar; hidrogénio e metano. Penso que tem todas as condições para ser aprovado pelo governo e permite também a limpeza de toda a mancha florestal. Pode ser um exemplo a nível nacional.
Aeroporto de Tancos? Novas travessias sobre o Tejo? Ligação à aeronáutica de Ponte de Sor? São questões políticas para os políticos ou a Nersant está atenta e pode fazer a sua defesa?
Não são projetos políticos, a Nersant está atenta…
… um aeroporto regional era ou não importante?
Tenho muitas dúvidas. Já discutimos muitas vezes a questão do aérodromo de Tancos e faz sentido que se possa transformar numa plataforma de serviço comercial, não de passageiros, mas de mercadorias. Aquela estrutura tem um grande peso militar. E por os militares a trabalhar com a parte comercial tem sido, através dos anos muito difícil. Mas era importante que não deixássemos cair esta ideia. O nosso Plano Estratégico revela que a região tem todas as condições para ter ou ser uma grande plataforma logística. Temos aqui nas duas regiões a A1, a A13 e a A25, temos três linhas ferroviárias (norte, beira baixa e o ramal de Tomar), mas como isso não chega ainda temos esse aérodromo. Estas acessibilidades somadas à centralidade no país, somando ainda o terminal intermodal de Riachos, temos todas as condições para que se desenvolva uma plataforma logística de nível nacional.
“O nosso propósito é que a Central do Pego fique. Tem um projeto que faz todo o sentido”
Era importante todos “darem as mãos”, empresários e autarcas?
Em Portugal são proibidos os lobby’s, eu chamar-lhe-ia pontos de influência. Houve uma altura em que a região tinha dois grandes políticos que nos ajudaram nalgumas orientações. Hoje o peso da região no governo é pouco. Já dissemos isso aos dois maiores partidos.
Por exemplo, temos algumas carências que não estão a ser equacionadas como deve ser. Dou-lhe um exemplo, na ponte de Chamusca passam 900 camiões por dia. Desses, 400 vão para o Parque do Relvão com matérias perigosas. Passam por dentro da Chamusca, de Almeirim, Alpiarça (…) e se a ligação do IC3 (Barquinha) à A13 é importantíssima porque permitiria ao tráfego sair a malha urbana e entrar diretamente no Relvão. É uma infraestrutura importantíssima que está no Plano Nacional de Investimento, mas não está como prioritária. Vamos desenvolver esforços para que essa obra e a nova travessia do Tejo e a ligação à Ponte de Sor passem para o PRR para serem prioritários. Na Caima e na Mitsubishi temos um estrangulamento que precisavam destas obras.
Qual o grande desafio para este mandato, enquanto presidente da Nersant?
É o nosso Plano Estratégico. Há três questões fundamentais. Escolas de Formação. Se a Nersant conseguir criar uma escola de formação em Abrantes, se conseguir dinamizar a de Torres Novas e a de Tomar, é um dos grandes objetivos.
E depois queremos ainda criar seis incubadoras na região. Dessas seis, duas estão garantidas. Uma em Benavente, vai ser uma realidade, e outra vai ser em Ferreira do Zêzere. O caminho faz-se caminhando e se conseguíssemos as três escolas e as seis incubadoras era muito importante para a região.