Adelino Gomes é um nome incontornável nos Bombeiros, quer a nível local, regional ou mesmo nacional. É a voz que não se cala, é a pessoa que encara a sua carreira como uma missão. Após mais de 40 anos de serviço, 20 deles como comandante dos Bombeiros Voluntários de Constância, terminou o seu mandato no final de 2019. Mas não pense que se afastou. Fica na Corporação, agora como presidente da Direção da Associação Humanitária.
Bombeiro há mais de 40 anos e há 20 no comando dos Voluntários de Constância... Como é que se decide dedicar uma vida a esta causa? Foi por vocação?
Eu acho que sim, foi vocação e o espírito solidário que sempre tive. Desde os 16 anos que fiz parte de associações, estive sempre envolvido em atividades populares. Entrei para os Bombeiros numa altura em que se pensava formar a Secção de Santa Margarida e houve um pedido de voluntários para dar início ao processo por parte da Junta de Freguesia. Como sempre estive ligado às causas sociais rapidamente aderi e inscrevi-me. Cheguei onde cheguei, sou bombeiro de carreira, passei por todos os postos de bombeiros e no país são muito poucos os que não conheci. Só não fui cadete porque já entrei com 18 anos mas passei por todos os postos, desde ajudante de comandante a comandante. Depois saltei para cargos a nível nacional como foi o caso da Liga dos Bombeiros Portugueses onde fui vice-presidente, fui comandante nacional de Operações em Lisboa, presidente da Federação Portuguesa por três vezes e estive sempre ligado à Federação como vice-presidente ou como secretário técnico. Não me arrependo nada de ter feito esta carreira de bombeiro e de a poder continuar no futuro.
Olhando para trás, qual o balanço que faz da vida neste quartel?
Quando cheguei, estes bombeiros viviam com muitas dificuldades, não tinham quase nada, nem equipamentos. Recordo que a Secção de Santa Margarida, de onde sou oriundo, tinha uma ambulância Volkswagen que tinha sido oferecida pelos Bombeiros da Amadora. Já estava na sucata mas nós fomos buscar. Tínhamos um pequeno jipe de combate a incêndios que não tinha água, só tinha batedores mas que, quando passava, toda a gente sabia que ali iam os bombeiros. Íamos de botas de borracha, com enxadas mas apagávamos os fogos (ou ajudávamos a apagar os fogos). Portanto, eu cheguei aos bombeiros numa altura de muitas dificuldades. Entretanto, os bombeiros foram tentando modernizar-se e quando eu cheguei ao Comando, tinha na Associação quatro ambulâncias, algumas já velhas. Depois comprámos uma nova e tivemos o azar de ter um acidente e a ambulância ficou destruída. Mas fomos construindo a pouco e pouco.
Em relação ao que encontrou quando chegou, como deixa os Bombeiros Voluntários de Constância?
Hoje em dia, em termos de equipamentos, a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Constância tem oito viaturas de combate a incêndios e 24 ambulâncias. Conta com 28 profissionais e um corpo ativo de 120 elementos. Começou com uma escola de cadetes onde já aprendem 22 crianças, mas queremos chegar aos 60 elementos. Temos um enorme património com dois quartéis e isto é fruto do espírito de toda esta gente nos bombeiros, do espírito que foi criado entre os elementos de comando e as associações à volta. E esta foi a maneira de chegar onde chegámos. O Orçamento de 2019 foi de 2 milhões e 100 mil euros. Agora é altura de parar. Eu podia continuar no Comando mais algum tempo mas optei por ir para a Direção e passar esta “pasta” ao Marco, a quem eu reconheço uma grande capacidade para poder continuar este trabalho e desenvolvê-lo com outro tipo de ideias.
Foi sempre uma das vozes mais críticas nos anos dos grandes incêndios e sempre defendeu uma mudança de paradigma para que novas tragédias não se repitam. Porque é que a si nunca o conseguiram calar, ao contrário de outros?
É o espírito de bombeiro, o espírito de defesa dos homens, das instituições e quando alguém me tentou “meter uma rolha”, ou tentaram, eu disse imediatamente que a mim ninguém me cala. Eu vou estar sempre na fila da frente pois não tenho nada a perder nem a ganhar. Não estou preso politicamente, não estou preso a nada que me possa impedir de dizer aquilo que penso e dizer aquilo que acho importante fazer. Nos incêndios, quando as coisas não estavam a correr como devia ser, quando havia interesses pessoais e alguns interesses políticos de tentar dar uma imagem que não existia, alguém tinha que denunciar isto. E esse alguém, normalmente, era eu. A comunicação social já sabia que nestas coisas eu não me calava e toda a gente me perguntava «porque é o comandante fala e os outros não podem falar?» Os outros podiam falar mas, provavelmente, alguns deles têm receio de perder algum protagonismo ou até mesmo o próprio lugar. Eu não! Não estou preso a nada, ninguém me segura nestas coisas e vou continuar a dizer aquilo que sinto. E nunca ninguém foi capaz de me calar, por muitas ameaças que me tenham feito.
Houve ameaças?
Sim. Tive ameaças das estruturas dos Bombeiros, da própria estrutura governamental, das secretarias de Estado... Mas eu sempre me dei muito bem com todos os ministros e secretários de Estado que nestes últimos anos passaram pelo Ministério da Administração Interna. Quem está nestes cargos reconhece o valor e percebe quando tem ali alguém com quem pode debater certas coisas. E era isso que acontecia. Fossem eles de que partido fossem. Mas essas amizades nunca me toldaram de maneira a que eu pudesse tomar as minhas decisões e isso também era reconhecido por eles.
Neste momento, é um dos secretários da Mesa dos Congressos da Liga de Bombeiros Portugueses mas também já exerceu o cargo de vice-presidentes do Conselho Executivo. A luta pela dignificação da carreira de bombeiro vai ter um fim um dia destes? Vão conseguir?
Não sei se vamos conseguir ganhar esta luta mas o que vamos é tentar. E não se trata de ganhar ou perder. Aqui, trata-se de fazer prevalecer a nossa força, as nossas ideias e aquilo que entendermos. Podemos até estar errados, ou não, em algumas situações mas lutamos por aquilo que entendemos que é o melhor para os bombeiros, para o cidadão (que é esse que nos preocupa) e o que é melhor para o país. Esta é a nossa maneira de demonstrar as nossas posições. Se nos disserem ou se nos provarem que estamos errados, nós saberemos emendar e tentar entrar em consensos. O problema é que até hoje nós dizemos mas do outro lado está sempre alguém que não quer reconhecer nem aceitar que somos homens com experiência e que, no fundo, queremos colocar essa experiência ao serviço do país. Porque há aqui gente que anda nisto há muitos anos, como eu, o Jaime Soares e muitos outros que conhecem bem os problemas dos bombeiros nas mais diversas áreas. E nós só queremos que nos ouçam. Mas também sabemos que há muitos jovens nas áreas da Proteção Civil que não conhecem nada desta área porque são políticos e estão a desempenhar um papel político e têm uma venda. Disseram-lhes que tem que ser assim e vai ser assim. E nós pretendemos tirar essas vendas laterais para que as pessoas possam ver em ângulos diferentes e que reconheçam que nós estamos com razão e só queremos o melhor. Não anda aqui ninguém à procura de protagonismos, só queremos servir as comunidades e que o nosso país não sofra aquilo que tem sofrido e nós bem sabemos o que é que tem acontecido, com todas as mortes que poderiam ter sido evitadas, os hectares de floresta ardidos, as comissões que se vão criando e não servem para nada pois são só mais um grupo de gente que vem causar ruído... e é esta a nossa luta. Eu saí do Conselho Nacional, de vice-presidente da Liga porque me sentia um pouco cansado. Não me deixaram sair, atribuiram-me uma outra missão e acabei por reconhecer que era uma boa maneira pois dá-me liberdade, espaço e tempo para poder desenvolver a ação na defesa dos bombeiros.
Não se afastou por completo. É presidente da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Constância desde 23 de dezembro. É-lhe impossível “despir a farda”?
Não é fácil. A farda de Comandante, comecei a despi-la já há alguns meses com a passagem para o 2º Comandante. Até porque para começar a trabalhar aquilo que eu entendo que deve ser a gestão da Associação Humanitária. Essa farda eu dispo. Agora a farda dos bombeiros eu não sou capaz de despir. A minha família não gostou muito que eu continuasse nos bombeiros até porque lhes roubei muitos anos e muitos momentos em conjunto. Tive também a felicidade de ter um filho que gosta muito dos bombeiros e de ter uma mulher que também foi bombeira mas reconheço que durante estes anos todos, eu roubei à minha família o prazer de ter uma vida diferente. Não me arrependo disso e eles também não, sempre estiveram do meu lado. Mas esta farda da defesa dos bombeiros, da comunidade e da defesa das minhas ideias, que não devem estar muito erradas porque em qualquer debate que entre, todos me dizem que penso diferente mas de maneira assertiva,esta farda eu não consigo despir. Razão pela qual decidi ficar como presidente da Direção e para que a minha Associação Humanitária de Bombeiros não caia porque custou muito a levantar. Quero manter vivo o reconhecimento nacional dos Bombeiros de Constância até porque é a segunda Associação do distrito com mais capacidade, quer humana quer de materiais. É mais uma missão que eu assumo e sei que vai ser espinhosa, difícil mas tem um bom ADN.
A passagem de comando foi “menos traumática” por ser o Marco o novo comandante, sendo que o Marco Gomes é seu filho?
O segundo comandante era o Marco, podia ter sido outro. Desde que eu reconheça que tem capacidade e consegue desenvolver a defesa dos bombeiros e esta Associação, para mim era indiferente. Calhou a ser o Marco. Mas quero dizer que o Marco era segundo comandante não por nomeação nem proposta do pai. Foi porque os bombeiros votaram nele para este cargo na altura. Havia mais dois ou três que se propunham a isso e o Corpo de Bombeiros, maioritariamente, votou no Marco. Todos os que passaram desde adjuntos a comandantes, e já desde o tempo do Avô Dias, foram sempre escolhidos pelo pessoal. Até porque é isso que faz sentido porque é com eles que têm que trabalhar.
No meio do trabalho de bombeiro ainda arranjou tempo para fazer umas incursões na política municipal. Que balanço faz dessas candidaturas por um partido de direita, num concelho maioritariamente de esquerda?
Quero dizer que também fui candidato pelo Partido Socialista. Fui vereador na Câmara de Constância pelo PS. Mas o PS desvinculou-se daquilo que era o Partido Socialista, que eu considero neste momento que não tem aquilo em que eu me revia, em termos sociais e até mesmo na área da Proteção Civil, em que não está a fazer as coisas como devia. Esta incursão fui um pouco “empurrado” por aquilo que estava a acontecer e também teve a ver com as amizades que eu tinha na altura no Ministério da Administração Interna. Por exemplo, ao Filipe Lobo D'Ávila (CDS-PP), de quem sou amicíssimo e que foi secretário de Estado e me desafiou a fazer uma lista em Constância. Na altura, falei com uma série de gente que me sempre me apoiou e fomos em frente. No segundo mandato, entendi que já não o devia fazer. É óbvio que não esperava ganhar as eleições em Constância, como é evidente mas, sinceramente, esperava ser vereador e não fui. No segundo mandato o PS também não se portou muito bem com o Marco e eu perguntei-lhe se queria ser candidato pelo CDS. E foi. Isto não tem nada a ver com ambições mas sim com a tal participação cívica que eu acho que tem que haver neste país. Seja ela de direita, de esquerda, do centro...
Agora que saiu do Comando, pensa regressar à política?
Não, não tenho intenção nenhuma de voltar a meter-me na política mas depende, não podemos dizer nunca. Estou a ser pressionado já há algum tempo para participar num projeto, não no concelho de Constância mas num concelho vizinho mas não sei ainda. Neste momento quero é dedicar-me aos bombeiros, quero pôr aquela Associação na mó de cima novamente e isso é que é a minha preocupação. A política a mim diz-me pouco até porque deixei de acreditar nos políticos há uns tempos atrás. Continuo a ter muitas amizades em todos os partidos políticos e quero mantê-las. Mas isso nunca me turvou as minhas ideias nem nunca vai turvar. Os meus objetivos são patrióticos, são cívicos, são de bem-estar das minhas populações. Isso é que me interessa.
Patrícia Seixas