Professor Jana ou amigo Jana. É conhecido de várias formas porque já encabeçou ou fez parte de vários projetos. É um homem do associativismo, da imprensa, da escola, dos sete ofícios...que não desiste da sua cidade e que nela há 66 anos tem deixado o seu contributo.
Não é natural de Abrantes. Como se concretiza a vinda para a nossa zona?
Nasci na maternidade Alfredo da Costa, a minha origem é o bairro de Alcântara, onde a minha mãe nasceu. O meu pai é natural da freguesia de Mação e era oficial de diligências no tribunal.
Naquela altura, ele concorreu para os tribunais desta região e foi colocado na Sertã, tinha eu 2 anos. E depois quis subir de categoria de uma comarca de terceira para uma de segunda, e ficou em Abrantes. Portanto, vivo em Abrantes desde os meus 7 anos.
Porquê a área da Filosofia?
Quando eu andava no secundário senti e percebi que a Filosofia era parecida com a matemática e com a geometria. Esta foi a razão fundamental, porque a lógica e a matemática “são primas direitas” para não dizer “irmãs gémeas”.
Outra razão, teve a ver com um colega meu, um bocadinho mais velho, que dizia muitas vezes “tu não existes, tu és apenas a imagem que os outros têm de ti”. E aquela frase fazia-me pensar. Casando as duas coisas, lá me fui interessando.
Em 1975, quando me fui matricular, quando abriu a faculdade, tinha três hipóteses: Filosofia, História e Psicologia. E a Filosofia era único curso que eu podia fazer como trabalhador estudante e, portanto, não haviam grandes hipóteses.
É sem dúvida uma área fundamental. É uma área que trabalha com o essencial que é o pensamento das pessoas. Filosofia é o ponto que define uma gramática de pensar.
Como foram os anos no ensino?
Estive no ensino cerca de 35 anos. Em 30 anos tive oportunidade de experimentar muitas coisas e o que me ficou, fundamentalmente, é que os alunos são boas pessoas e gostam de aprender. Contudo, às vezes não conseguem e as escolas não os ajudam.
E eu acho que o meu papel fundamental nem foi ensinar Filosofia, foi ajudar os meus alunos a serem capazes. É o que eu gosto de fazer, é ajudar as pessoas a serem capazes. Fui amigo, mas sempre procurei ser exigente para eles aprenderem.
O tempo como professor foi uma experiência em que eu investi uma boa parte da minha vida e teve um saldo positivo para mim e para os outros.
Guarda com saudade aqueles tempos de docente?
Não guardo com saudade porque os últimos anos foram muito difíceis. E ao longo destes anos acho que a escola não assimilou nada das investigações científicas dos últimos 100 anos. E, como tal, é inadmissível.
É um homem do associativismo. Porquê?
Uma razão terá a ver com o meu pai. Lembro-me quando vivia na Sertã de estar a dormir na barraca de comes e bebes na Carvalha porque o meu pai fazia parte da organização das festas. E daí talvez me tenha ficado qualquer coisa. Quando tinha 5/6 anos, ainda não sabia ler, mas já gostava de folhear e comecei a ler em latim, mas só descobri depois. Não lia, mas fingia que lia (risos). E rasguei as folhas e fui colá-las na janela para que as outras pudessem ler também. Ainda hoje faço isso, dou a ler o que ando a ler. A segunda razão, prende-se com o facto de ter começado a trabalhar com a malta do Pego em 1973 e criámos a extensão cultural da Casa do Povo, onde se fez muita coisa.
Envolveu-se em muitos projetos. Se tivesse de escolher alguns que “agitaram” a comunidade quais escolheria?
O Teatro no Pego e o Festival do Imaginário. No Pego, foi o primeiro grupo, que esteve durante uma dezena de anos. Corremos todo o distrito de Santarém e arredores, cerca de 200 jovens passaram por ali a fazer coisas. Por sua vez, o Festival do Imaginário foi uma das coisas maiores que a Palha de Abrantes já fez e que chegou mais longe. Até hoje não se fez nada que se parecesse com aquilo. Foi algo grande, bom e com impacto. De vez em quando ainda encontro pessoas que me falam sobre o festival e me desafiam a fazê-lo outra vez.
"Quando fazemos jornalismo comprometemo-nos com o mundo"
A ligação ao Jornalismo surge porquê?
Por duas razões: em primeiro lugar porque o meu pai era primo direito de um grande jornalista português, Francisco Mata e comprava o Século todos os dias e eu convivi com o Século desde pequenino. O Século fez parte do meu dia a dia. Por outro lado, porque no meu 9º ano, o meu professor convidou-me a escrever para o jornal “Reconquista” e eu escrevi. Escrevi sobre uma ribeira que deitava mau cheiro e estava cheia de lixo, portanto foi o meu primeiro texto em 1968 faz agora este ano 50 anos.
Não levou lápis azul?
Não, mas quiseram-me bater por causa disso. Porque vinha denunciar um problema em Alcains.
A direção do nosso JA e da rádio Antena Livre como correu?
Sempre trabalhei em equipa nunca fiz nada sozinho, não tenho nada que possa reivindicar: isto é obra minha. Fiz sempre parte da equipa que renovou o Nova Aliança, que criou o Notícias de Abrantes, da equipa que renovou o Correio de Abrantes, etc. Quanto ao JA e à Antena Livre foi interessante. A equipa sabia daquilo e eu sabia um bocadinho de jornalismo. O trabalho foi o de coordenar uma equipa que existia e nós em conjunto, mais uma vez, definimos um projeto e relançamos as coisas. O Jornal de Abrantes foi recriado completamente. Tive um mês para o redesenhar. Foi muito duro, mas foi um desafio interessante.
E hoje em dia mantém ainda esta ligação com a imprensa?
Mantenho porque vocês são uns chatos e não me largam (risos).
Mas é algo que efetivamente faz com gosto porque acaba por ser um exercício?
É, porque quando nós fazemos jornalismo comprometemo-nos com o mundo e, portanto, o mundo nunca nos passa a ser indiferente. Eu às vezes dou comigo a observar isto e aquilo e a mandar uma pista uma sugestão uma coisa qualquer e o mesmo se passa em termos do associativismo. Ando lá por Lisboa, vejo isto e vejo aquilo, ou leio isto ou aquilo, e penso isto devia ser feito em Abrantes, isto precisava de ser feito em Abrantes, isto merecia a pena ser feito em Abrantes.
Tudo por Abrantes. A cidade está muitas vezes no seu foco?
Eu casei com Abrantes em 1973.
Mas a cidade tem tratado bem o Alves Jana?
Isso não é importante, porque eu não estou para que a cidade me trate bem. Acho é que a cidade não me tem sabido aproveitar o suficiente para aquilo que as pessoas precisam, ao contrário da Antena Livre e do JA que me tem “estimado” e nisso faço-lhes honra. Mas, cada um é que sabe o que é que quer e o que é que precisa.
Nesse âmbito que olhar é que faz sobre a sua cidade?
Nós fizemos um trabalho importante em Abrantes e Abrantes está a desfazer o trabalho que foi feito sem fazer nada em alternativa. A cidade está a perder sem nada em alternativa que se esteja a construir.
Um sonho?
Não morrerei descansado se não conseguir deixar o meu pensamento no mínimo escrito.
Estamos a falar de um livro?
No mínimo um livro. Ao longo destes anos sempre fui um investigador de Filosofia, mas um investigador não académico. Por isso, quando fui fazer a minha tese de mestrado não fiz a tese de mestrado que a universidade queria. Quando fiz a minha tese de doutoramento não fiz a tese que a universidade queria, fiz a que eu achava que deveria de fazer. Assim, o meu pensamento precisa de ser publicado e eu gostava de não morrer sem o deixar pelo menos disponível.
Então venha esse pensamento. O Jana tem algumas particularidades. Gosta muito de mochos…e tem sempre um livro consigo. Porquê?
Sim tenho uma coleção de mochos. O livro é um vício, mas eu acho que o livro me faz companhia, permite-me aproveitar o tempo. Um livro é sempre uma boa companhia e permite-me aproveitar um tempo quando eu tenho tempo que pode ser aproveitado.
Outra vertente em que tem apostado é na vertente da formação?
Sempre. Fiz todos os anos pelo menos um curso e aí, foi isso que me manteve, eu diria, uma certa frescura de pensar e de fazer coisas novas. Ainda hoje mantenho essa regra, e vou com frequência a um curso de formação ou a uma conferência.
Tempo para a família há?
Há. A minha família sempre sofreu pelo facto de eu andar metido em mil coisas, mas também sempre foi a minha primeira prioridade. Se a minha família precisar inscreve-se na minha agenda porque não fica para último lugar.
Joana Margarida Carvalho
Alves Jana
1952 – Nasce em Lisboa
1959 – Aos 7 anos, passa a residir em Abrantes
1973 – Começa a lecionar, no Sardoal
1980 – Licenciatura em Filosofia
1993 – Mestrado em Filosofia
1999 – Pós-graduação em Direção Executiva
2009 – Aposenta-se do ensino
2011 – Doutoramento em Filosofia
Criações ou Relançamentos (Re)
1973 – Grupo de Teatro do Pego
1974 – Secção Cultural da Casa do Povo do Pego
1979 – Rancho Folclórico da Casa do Povo do Pego (Re)
1980 – ADEPRA – Associação para a Defesa e Estudo do Património da Região de Abrantes
1986 – Delta.Pego
1992 – Abranfoco – Centro de Formação de Professores de Abrantes
1995 – Palha de Abrantes – Associação de Desenvolvimento Cultural
(e Escola de Pintura, Universidade da Terceira Idade, Grupo de Teatro…)
2006 – Cres.Ser – Associação de Desenvolvimento Pessoal e Comunitário
2009 – Antena Livre (Re)
2012 – Clube de Filosofia de Abrantes
2017 – Cres.Ser (Re)
Jornais e revistas
1974 – Correio de Abrantes (Re)
1974 – Nova Aliança (Re)
1980 – Notícias de Abrantes
1980 – Boletim da ADEPRA
1982 – ABRANTES: cadernos para a história do município
1986 – O Ribatejo (Re)*
1992 – Nova Aliança (Re)
2003 – Zahara
2005 – Gazeta do Tejo (Re)
2009 – Jornal de Abrantes (Re)
2012 – Filosofalando (digital)
* correspondente em Abrantes