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António Matias Coelho: Casa-Memória de Camões “é uma causa de vidas, não de uma vida só”

1/03/2019 às 00:00

Preside à Associação Casa-Memória de Camões e está a iniciar o segundo mandato. A atual direção tomou posse a 19 de janeiro. Não é presidente “por desejo meu” mas porque, em 2016, “se verificou um vazio diretivo”. Percebeu que, ou avançava, ou “caminhar-se-ia no sentido da dissolução. Por outro lado, porque ainda estava viva a nossa fundadora, Manuela de Azevedo, e se ela soubesse que a Associação não lhe tinha sobrevivido, morria mais depressa e morria amargurada”. A Associação Casa-Memória de Camões tem, atualmente, 38 associados.

 

Qual é a função da Associação Casa-Memória de Camões?

A Associação é herdeira e depositária de uma herança que foi construída e deixada pela sua fundadora, Manuela de Azevedo, que dedicou metade da sua longa vida, foram cerca de 50 anos, a esta terra e à relação de Camões com Constância. Essa herança consubstancia-se fundamentalmente, em quatro aspetos: três deles têm a ver com os bens patrimoniais que existem em Constância, associados à memória de Camões. São eles o Monumento a Camões, de Lagoa Henriques, que é seguramente o lugar mais visitado da vila, o Jardim-Horto de Camões, desenhado pelo arquiteto Gonçalo Ribeiro Telles, um monumento vivo a Camões e único no seu género em Portugal e a Casa-Memória de Camões, um edifício novo que foi construído sobre as ruínas da casa que o povo diz que acolheu Camões na sua estadia em Punhete, atual Constância.

Para além destes três bens patrimoniais associados a Camões, há um outro bem muito importante, que em grande parte se deve a Manuela de Azevedo, que é o reforço da relação afetiva da comunidade de Constância com a memória de Camões. Não nos podemos esquecer que foi Manuela de Azevedo que sugeriu, em 1993, a criação das Pomonas Camonianas, que já vão com 23 edições. Isto numa altura em que as feiras medievais ainda não estavam na moda e com a intenção de criar, pelo 10 de junho, um momento de aproximação da comunidade à memória do poeta, sendo isso feito, fundamentalmente, com o empenhamento das crianças e dos jovens das escolas. A ideia era fazer das Pomonas Camonianas uma grande festa coletiva de afirmação da profunda relação de afeto que Constância tem com Camões, como nenhuma outra terra tem em Portugal.

É nossa função fazer com que esta herança se avolume, seja cada vez mais conhecida, a fortifique e que resulte em benefício para Camões, para Constância, para a região e para o país.

 

Mas é inegável o património que existe em Constância ligado a Camões...

Todos os três bens patrimoniais associados a Camões são de primeira água. Os autores, Lagoa Henriques, Gonçalo Ribeiro Telles e, no caso desta casa, a Faculdade de Arquitetura de Lisboa, são todos projetos de grandes artistas nacionais. Manuela de Azevedo pensou tudo em grande e sonhou esta casa, que é efetivamente muito grande.

 

A Casa-Memória tem sido um processo difícil...

Esta é uma Casa que foi pensada em grande por Manuela de Azevedo, como tudo o que ela pensou para Constância. Ficou terminada em 2006, num processo que demorou cerca de 20 anos e que foi sendo feito ao ritmo dos financiamentos que a própria Manuela de Azevedo ia conseguindo angariar. Foi sobre as ruínas quinhentistas que se ergueu este enorme edifício de cinco pisos, moderno e funcional, que se desenvolve ao longo da colina. Apesar de estar concluído há 13 anos, nunca foi inaugurado.

 

E porquê?

Porque não tem conteúdos. Ou melhor, não tem conteúdos bastantes e organizados. Considerando a história que está por baixo deste edifício, considerando a relação de Constância com Camões, que é única no país, considerando o lugar central que Constância ocupa no território nacional e as excelentes acessibilidades e considerando o nosso próprio empenhamento nesse sentido, esta Casa tem todas as condições para ser a Casa de Camões que Portugal não tem.

 

Esse facto é uma falha grave na cultura portuguesa, não é?

Nós pensamos que sim. Até porque Portugal tem casas-museu ou memória para grande parte dos seus escritores, poetas e outros ficcionistas mas não tem do seu nome maior que é Camões. Isso é algo incompreensível. Os outros países europeus que têm grandes poetas nacionais, como é o caso da Espanha com Cervantes, a Inglaterra com Shakespeare ou Itália com Dante, todos eles têm a casa do seu poeta. Camões não tem. Portugal não tem. E não tem, podendo ter, porque a casa existe. É uma casa nova que foi construída quase exclusivamente com dinheiros do Estado e que está quase vazia.

 

Mas de que conteúdos é que estamos a falar?

Nós é que temos que chamar a atenção para isto porque os governantes não adivinham e o país, sendo pequeno é grande e há muita coisa em que pensar. É nossa obrigação chamar a atenção e nós fizemo-lo e temo-lo feito.

 

Tem sido falta de vontade política?

Não sei... é falta de ação e de decisão. É que nem é preciso assim tanto dinheiro. O mais difícil nisto tudo é a casa e essa já está feita. (…) O Ministério da Cultura já nos prometeu, mas nunca chegou, um documento a reconhecer a importância cultural e a relevância nacional do projeto.

 

A quem se destina esta Casa-Memória?

A toda a gente. No entanto, nós definimos os públicos que queremos alcançar e que são fundamentalmente quatro: o público local, naturalmente, o público estudante, o público visitante, ou seja, os turistas, e o público entendido, intelectuais e camonistas. E temos pisos que podemos definir para cada tipo de público.

 

Gostava de ver este projeto concluído e inaugurado no seu mandato?

Eu gostava de ter vida suficiente para ver mas eu tenho 61 anos.

 

Não acredita?

Sou realista. Esta Casa já teve três presidentes, Manuela de Azevedo, Ana Maria Dias e eu. E sei que esta é uma causa de vidas, não de uma vida só. Manuela de Azevedo dedicou-lhe metade da sua vida, mas ela viveu 105 anos, que é coisa que eu não irei viver. Esta Casa e esta Associação têm sido processos difíceis. A construção da Casa foi o que foi e este processo da abertura da Casa-Memória, esperando eu que não seja nenhuma eternidade, não sou inocente ao ponto de pensar que se estala um dedo e acontece. Mas também lhe posso dizer que, há dois anos e oito meses quando tomei posse pela primeira vez, eu tinha a expetativa de que em janeiro de 2019, isto estaria muito mais adiantado do que efetivamente está. Andámos aqui a marcar passo, confiantes num conjunto de promessas. E como diz o nosso povo, prometer custa pouco e faltar ainda custa menos.

 

Patrícia Seixas

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