Em Abrantes já nada é como d’antes na intervenção social.
É esta a convicção de quem trabalha todos os dias na área da proteção de crianças e jovens e da promoção dos seus direitos.
O CAFAP - Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental, da Associação Vidas Cruzadas, celebra 10 anos e fomos falar com a Presidente da Direção desta Instituição Particular de Solidariedade Social e Assistente Social, Vânia Grácio.
CAFAP - 10 anos
O CAFAP celebra 10 anos este ano. Para quem ainda não sabe, o que faz este serviço?
O CAFAP foi o primeiro projeto/ serviço da nossa Associação. Era uma lacuna na nossa comunidade. As famílias de Abrantes precisavam de uma equipa que as apoiasse de uma forma mais sistemática, que as ajudasse a perceber as suas forças e como isso as pode ajudar a ultrapassar os seus problemas e desafios. E é isso que temos vindo a fazer ao longo destes dez anos. Eramos uma equipa muito jovem, em alguns casos foi o primeiro emprego e isso fazia com que sentíssemos que por vezes as outras entidades tivessem algumas reservas quanto à nossa capacidade de trabalho. O certo é que fomos crescendo, aprendendo em equipa e com os parceiros e hoje sentimos que somos um pilar na área da proteção da criança em Abrantes. Respeitamos e temos o respeito dos parceiros da comunidade e as pessoas confiam em nós. Ser pai e mãe não é fácil, por isso também não podíamos achar que trabalhar na área da parentalidade o fosse. Temos apostado na formação e especialização da equipa e temos integrado novas pessoas de modo a que possam trazer novas ideias e que possam aprender também. O CAFAP tem protocolo com a Segurança Social para o desenvolvimento da sua actividade em três modalidades: Preservação Familiar (intervenção em situações de negligencia, maus tratos, problemas de comportamento, abuso sexual, violência doméstica, entre outras), Ponto de Encontro Familiar (para o (re) estabelecimento de laços familiares, nomeadamente em situações de conflito parental) e Reunificação Familiar (para apoiar as famílias a criarem condições para o regresso das crianças quando estas se encontram acolhidas em instituição).
Em jeito de balanço, como caracteriza os últimos 10 anos? Quais as conquistas alcançadas?
Os últimos 10 anos foram de aprendizagem e crescimento. Temos uma equipa especializada em diferentes áreas de modo a conseguirmos dar resposta às diferentes situações que nos surgem. Conseguimos criar uma parceria informal com as diversas entidades do concelho com competência em matéria de infância e juventude, para articular esforços neste trabalho, que todos os meses se reúne com este propósito. Há uma maior articulação entre todos. Definimos protocolos de atuação em situações de abuso sexual, de negligencia e de maus tratos, de forma a que as diferentes entidades saibam como agir, nomeadamente as escolas. Se cada um fizer a sua parte e não ocorrerem sobreposições de intervenções todos ganham, principalmente as crianças. E tem resultado muito bem. Não é um mundo perfeito (ainda) mas havemos de lá chegar. Nestes dez anos, acompanhámos cerca de 500 crianças, com elevadas taxas de sucesso, isto é, com concretização dos objectivos da intervenção. O que consideramos mais importante no nosso trabalho é o respeito pelas famílias e a salvaguarda de que o bem estar das crianças não é colocado em causa. Temos de conseguir perceber que a realidade destas famílias pode não ser igual à nossa, que os nossos valores, os nossos princípios, aquilo que são as nossas prioridades, podem não fazer sentido para estas pessoas. Então temos de as respeitar. Faz parte da identidade da família, daquilo que querem para si. No entanto, aquilo que fazemos é garantir que estas questões individuais de cada família, não colocam em causa o bem-estar das crianças. Quer seja a nível físico, psíquico, emocional ou educativo. Estando isto salvaguardado, a família é livre de seguir a sua vida, sem acompanhamento dos serviços.
E o futuro?
Para o futuro, o que queremos em primeiro lugar é manter a equipa, garantir os postos de trabalho para que possamos continuar a apoiar a nossa comunidade. Queremos consolidar as aprendizagens que fazemos todos os dias, queremos aprender mais, fazer mais e melhor. Queremos continuar a merecer o respeito que conquistámos ao longo destes dez anos e continuar a ser o “braço armado” da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens e da Equipa Multidisciplinar de Assessoria Técnica aos Tribunais. Não nos queremos substituir a ninguém, queremos complementar a intervenção e o apoio às famílias de Abrantes. Costumamos propor às famílias que acompanhamos que pensem onde gostariam de estar daqui a cinco anos, ou daqui a dez, com o intuito de traçarmos objectivos para o futuro. Se nos perguntarem onde gostaríamos de estar daqui a cinco, dez ou mesmo vinte anos, a resposta será: aqui. Queremos continuar aqui, a fazer mais por todos nós. Sim, porque a comunidade, estas famílias, estas crianças, somos todos nós.
Espaço VIDAS CRUZADAS, no Edificio São Domingos em Abrantes
Entretanto, a Associação Vidas Cruzadas celebra este ano 11 anos de atividade. Qual é o balanço possível?
É um balanço muito positivo. É um desafio diário o nosso trabalho. Começamos devagarinho, fomos criando o nosso espaço de atuação e temos ao longo dos tempo conseguido clarificar a nossa linha de atuação. A Associação procurou na comunidade as lacunas existentes e tentou criar respostas para essas dificuldades. Tentamos não nos sobrepor a outras instituições do concelho, porque consideramos que o importante é complementar a resposta à comunidade e não fazer concorrência dentro do setor social. Por esse motivo, desde o nascimento da Associação temos trabalhado com famílias, na área da parentalidade e com a comunidade no geral, nomeadamente com criação de serviços especializados, como o CAFAP (Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental) mas também de outros mais abrangentes, nomeadamente a Loja Social, o Centro de Recursos de Ajudas Técnicas (projeto da Rede Social de Abrantes gerido por nós), o Banco de Livros Escolares e mais recentemente o SAAS-RLIS (Serviço de Atendimento e Acompanhamento Social – Rede Local de Intervenção Social.
Como é hoje olhar para trás e lembrar o nascimento da Associação?
É do conhecimento geral que a Associação surgiu da vontade de um grupo de pessoas de Tramagal. Foi lá que demos os primeiros passos. Inicialmente, não tínhamos um espaço de trabalho e então, contámos com o apoio da Junta de Freguesia que nos cedia o seu auditório para reuniões, e sempre nos apoiou desde o primeiro dia. Este apoio tem sido transversal aos diferentes executivos que por lá têm passado. Parece-me que é sinal de confiança mútua. Depois a Sociedade Artística Tramagalense acolheu-nos também em alguns momentos. Foi lá que realizamos a nossa Assembleia Constituinte. Estamos gratos pela partilha e pelo apoio. Mais tarde, o Teatro Tramagalense cedeu-nos um espaço que foi até há bem pouco tempo a nossa sede. Nunca encontraremos as palavras suficientes para agradecer a confiança e disponibilidade dos responsáveis pelo edifício TTL. Pouco a pouco fomos crescendo e a responsabilidade também foi aumentando.
Em 2008, estabelecemos um protocolo com a Segurança Social para o desenvolvimento do CAFAP que ia abranger todo o concelho. Neste sentido o Município cedeu-nos as instalações em Abrantes para que pudéssemos estar mais centralizados.
Hoje, temos um espaço com melhores condições em Abrantes para trabalharmos, com maior dignidade para os nossos trabalhadores e para as pessoas que nos procuram. Temos também um espaço em Tramagal que não sendo nosso, mas é assim que o entendemos, onde estabelecemos a nossa sede. A confiança que as entidades públicas depositam em nós, aumentam-nos a responsabilidade, mas julgo que temos feito por merecer também.
Em que áreas começou a Associação a trabalhar (e porquê) e como se expandiu?
Antes de estabelecermos protocolo com a Segurança Social para o desenvolvimento do CAFAP, a primeira atividade desenvolvida por nós foi a Loja Social. Funcionava inicialmente numa pequena sala dos camarins do TTL e mais tarde passou para a sala de baile.
Recuperamos a máquina de cinema da explanada do edifício e voltamos a ter cinema ao ar livre em Tramagal no verão, com sessões com mais de duzentas pessoas.
O Centro de Recursos de Ajudas Técnicas veio logo a seguir e ainda hoje está em funcionamento para todo o concelho, tal como todas as respostas da Associação. A Associação está ainda presente em diversas parcerias e projetos da Rede Social, nomeadamente a Rede Especializada de Intervenção na Violência de Abrantes e o Bairro Convida.
Aquilo que tem sido a nossa preocupação ao longo dos anos, é conseguir que os nossos serviços cheguem a todas as pessoas do concelho. Somos Tramagalenses de origem, mas não somos satélites. Temos responsabilidades na Rede Social, tal como todas as instituições do concelho. Se nos unirmos, somos mais fortes. Não adianta fecharmo-nos no nosso casulo e dizermos que só trabalhamos aqui ou ali. Isso pode fazer sentido em respostas específicas, em que é necessário definir o território de atuação, como os Centro de Dia por exemplo, ou o Apoio Domiciliário. Respostas como as que a Associação desenvolve, têm de ser abrangentes, ter alguma escala, senão perdem o sentido. É por isso que temos um serviço itinerante da Loja Social que uma vez por mês se desloca às restantes freguesias. Era mais fácil para nós ficarmos à espera que as pessoas viessem a Tramagal. Mas que vantagem teria isso? Todos sabemos como é a nossa rede de transportes e como há pessoas que tão pouco têm facilidade de se deslocar. Então vamos nós lá. Tal como acontece com o Serviço de Atendimento e Acompanhamento Social da RLIS. Todos os dias temos atendimento em Abrantes, mas três dias por semana estamos nas diferentes freguesias a realizar atendimento, rotativamente. Assim, chegamos a muitas mais pessoas. Só para terem ideia temos cerca de 130 pessoas inscritas na Loja Social de Tramagal e temos mais de 800 no serviço itinerante, por exemplo. Se não fossemos até às pessoas, a nossa área de abrangência e a capacidade de resposta às necessidades da comunidade era muito menor.
E as dificuldades neste percurso de 11 anos?
Costumo responder em tom de brincadeira que se isto fosse fácil não era para nós. Mas sinceramente é o que sinto. As principais dificuldades são as financeiras porque este tipo de instituições dificilmente consegue autossustentar-se. Principalmente se não tiver respostas comparticipadas pelos utentes, como é o nosso caso. Portanto tem de haver uma gestão muito rigorosa dos recursos e muitas vezes fazer as “omoletes com os ovos que temos”...quando temos.
Por exemplo, lembro-me que quando começamos a trabalhar, não tínhamos financiamento para comprar uma viatura, mas precisávamos de nos deslocar no terreno. Então através do mecenato compramos um carro muito usado com pouco mais de 500,00€. Era o dinheiro disponível na altura, não dava para mais. O carro tinha condições de segurança, mas o manómetro do combustível não funcionava. Então nunca sabíamos se tínhamos combustível. Íamos adivinhando, contando quilómetros e vendo até onde podíamos ir. Algumas vezes ficávamos no caminho. Mas pronto, estas coisas também nos fortalecem. As dificuldades fortalecem as pessoas, aguçam a nossa capacidade para procurar soluções. Se o fazemos todos os dias com as pessoas que nos procuram, também nós o temos de fazer internamente.
Mas além das dificuldades, há depois as vitórias que vos dando alento para continuar certo?
Sim...a maior vitória para nós é o reconhecimento da comunidade. Por exemplo, o Galardão Responsabilidade Social 2012 - Antena Livre/ Jornal de Abrantes, terá sempre um gosto especial porque foi o primeiro. Um orgulho imenso ficámos de alma cheia. Depois recebemos outros dois muito, muito importantes também para nós. O prémio Apoio Social na 8ª Gala de Cultura e Desporto de Tramagal em 2013 (atribuído pela Junta de Freguesia de Tramagal) e a Medalha de Honra da Cidade de Abrantes, na cerimónia da comemoração do centenário de elevação de Abrantes a cidade (14/06/2016). São sinais de que se calhar aquilo que fazemos faz a diferença, que se calhar temos o nosso lugar na comunidade.
Ana Dias, Vânia Grácio e Telma Orvalho da Direção da Associação Vidas Cruzadas
Quantas pessoas fazem a Associação Vidas Cruzadas hoje em dia.
Neste momento temos 12 pessoas a trabalhar diariamente na associação nas diferentes respostas sociais. A maioria está efetiva, temos uma estagiária de Psicologia e uma pessoa colocada através dos Contratos Emprego Inserção. Dentro dos recursos financeiros da Associação é o quadro de pessoal possível no momento.
E estas valências/projetos têm continuidade assegurada?
Alguns projetos têm acordos mais prolongados, que transmitem outras garantias à associação. Outros projetos são apresentados, aprovados e financiados ano a ano. Mas podemos dizer que a atividade da associação estará mais ou menos garantida, sim.
Com que apoios pode a Associação contar para viver?
A Associação vive essencialmente dos financiamentos públicos, dos projetos e protocolos estabelecidos, quer com a Segurança Social, quer através do Município e isto está claramente identificado e sublinhado pelo nosso Conselho Fiscal, sendo uma constante preocupação nossa. Os apoios do mecenato e da comunidade também vão chegando, mas seria impossível garantir a sustentabilidade da associação com eles. A resposta à comunidade e os postos de trabalho são garantidos essencialmente com fundos públicos, tal como a maioria das instituições desta natureza. Por esse mesmo motivo, há que gerir rigorosamente este orçamento, porque para além de ter de ser tudo criteriosamente justificado perante a entidade que financia, é dinheiro de todos nós.
A loja social do Tramagal, instalada num edifício antigo da vila, que passou recentemente a ser a sede oficial da associação, foi recentemente recuperado (ainda está a ser recuperado) pela associação, mantendo arquitetura original do edifício. É um investimento da Associação?
Sim, é um investimento da Associação, do Mecenato, da Autarquia e do Fundo de Eficiência Energética, através de uma candidatura que efetuámos a este fundo para isolarmos a cobertura e para a substituição das janelas. Realizamos ainda a pintura exterior embora o edifício careça ainda de mais requalificações, mas no momento estamos a fazer aquilo que é possível. É um edifício centenário com todas as questões que um edifício desta idade apresenta. Vamos tentando mantê-lo da melhor forma, respeitando a confiança que o Município e a Junta de Freguesia depositaram em nós, na gestão deste edifício que é da comunidade.
Loja Social e Sede da Associação Vidas Cruzadas em Tramagal
Há 11 anos atrás a direção pensava que a Associação iria crescer desta forma?
Sempre fomos ambiciosos, até porque sem ambição, não se consegue nada. Como referi no início da nossa conversa, fomos procurando o nosso espaço para nos encaixarmos na comunidade e queríamos chegar aqui. Conseguimos. Claro que queremos chegar mais além, mas vamos dando pequenos passos, com garantias de solidez para não escorregarmos.