“Foi uma experiência maravilhosa, tanto alunos como professores querem saber sempre mais”
Professora do primeiro ciclo, aposentada, Maria Fernanda Antunes dedica-se agora ao voluntariado: a cuidar do neto, a ensinar as primeiras letras em Abrantes, Alvega e Concavada e… recentemente regressou de Moçambique onde esteve, em Chibuto (Gaza, Moçambique), a 300 km`s de Maputo, como cooperante, colocada pela Associação Ser Mais Valia.
Como foi isso?
Ainda a exercer, já tinha a ideia de ir trabalhar nos PALOP’s. Depois, em 2013, vi na televisão a saída do primeiro grupo de cooperantes da Ser Mais Valia. No mês seguinte à aposentação, em 2014, fui ao Instituto Camões perguntar como poderia fazer cooperação. Indicaram-me a Mais Valia e fiquei contente, porque tinha gostado do que vi na televisão. Em Maio concorri, em Agosto fui à entrevista e em Novembro fiz a formação. Depois, fiquei a fazer parte da bolsa de voluntários, ou seja à espera de que houvesse um pedido a que eu pudesse dar resposta. Até que em Julho e Agosto deste ano estive em Moçambique, a fazer animação de leitura em escolas e bibliotecas e a fazer formação de animadores de leitura.
Como foi recebida?
Muito bem, tanto pela AID Global como pelas pessoas, que são muito abertas, recebem-nos muito bem. Como se nós fôssemos da família.
Com que organização?
Fui colocada pela Ser Mais Valia, mas em resposta a um pedido da AID Global, que tem lá o projeto de dotar o distrito de uma Rede de Bibliotecas Escolares do distrito de Chibuto. Tem já 27 bibliotecas, 6 em edifício, e as restantes móveis, 11 em bibliotchova (carrinho improvisado) e 10 maletas de livros.
Como trabalhava?
A primeira semana foi conhecer as pessoas, [as autoridades locais] e as pessoas com quem ia trabalhar. Depois comecei pelas escolas: 11 sessões de leitura em 11 escolas que só tinham acesso a biblioteca móvel; depois mais uma numa escola secundária. Nesta, ia preparada para ler para uma turma de 45 ou 50 alunos, mas o colega pôs-me a ler para toda a escola, debaixo de uma árvore. Depois, entraram em interrupção letiva, que este ano foi maior pois os professores estavam envolvidos no senso. Então, uma das minhas funções foi organizar uma sala de leitura infanto-juvenil na Biblioteca Municipal do Chibuto. Mas a sala estava ocupada, então comecei, com uma estagiária, a fazer leitura no jardim em frente à biblioteca. Resultou muito bem, as crianças vinham para ouvir. O sucesso da iniciativa até ajudou a que a sala ficasse pronta mais cedo. Então, enquanto ia montando os livros na sala, continuei com as sessões de leitura, o que permitiu que as crianças e jovens vissem a sala de leitura a compor-se. Além disso, fiz também 6 sessões de leitura no jardim de infância Boa Nova e também fazia leitura no centro de saúde para jovens mães que estavam ali à espera de consulta. Fiz ainda formação de animação de leitura para pessoal não docente e o II Encontro de Bibliotecários das bibliotecas móveis, as bibliotchovas e as maletas. Numa escola fizemos ainda formação para todos os professores da escola.
Como vê a experiência?
Foi muito difícil para mim ver as crianças, muito pequenas, a trabalhar. Também me meteu impressão, a princípio, nalguns casos, ver as crianças no chão e com o material no chão, a professora com o quadro em cima de dois blocos de cimento, algumas salas de aula em palhotas, porque as salas em alvenaria nunca chegam e a palhota é a solução mais fácil. Sentia isso como falta de condições. Mas acabei por perceber que mesmo numa palhota é possível ter uma boa escola. Por exemplo em Chaimite, com uma professora extraordinária e alunos muito participativos. Nós cá é que tempos condições excecionais. Enfim, foi uma experiência maravilhosa, tanto alunos como professores querem saber sempre mais. E as pessoas são muito acolhedoras. Mas sinto que fiz tão pouco, num sítio onde é preciso fazer muito… E trago a ideia, que quero desenvolver, de ajudar a equipar os jardins-de-infância do Chimundo e da Boa Nova: têm boas instalações e pessoas muito empenhadas, mas têm uma grande falta de material didático.
Teve algum efeito sobre o modo como vê a nossa vida cá?
Que não precisamos de tanto para viver, de que se consegue viver com tão pouco. Às vezes parecia-me que não tinha nada para fazer o almoço, mas a D. Vitória fazia, por exemplo, com folhas de abóbora, leite de coco e caril, um manjar divinal, que eu jamais conseguiria fazer. Eles vivem com muito pouco. Nós achamos sempre que temos pouco, e temos tanto…
Voltava lá?
Voltava. Voltava mesmo. Para continuar o trabalho. Ficou um sabor a pouco. O próprio vereador, na avaliação, disse que gostava de dar continuidade ao projeto.
Ser Mais Valia
www.sermaisvalia.org
«A “Ser Mais Valia” é uma associação de voluntários, constituída por cidadãos com mais de 55 anos, que pretendem partilhar e rentabilizar [em Portugal ou nos PALOP’s] os seus conhecimentos, competências e experiências profissionais em projetos de cooperação e desenvolvimento, num exercício ativo de direitos e deveres de cidadania e de intervenção social.»
A “Ser Mais Valia” não presta serviço direto em África. Atua através de voluntários que vão “ser” uma “mais valia” para organizações que trabalham no terreno, respondendo aos pedidos que lhe chegam.
Foi fundada em fins de 2016, na sequência de um projeto promovido pela Fundação C. Gulbenkian.
Alves Jana