Chama-se Francisco Lopes, como o seu pai, mas é Kiko para os amigos mais chegados. Tem 24 anos, reside na aldeia do Pego e é Jogador Profissional de Poker.
O Francisco abriu as portas ao Jornal de Abrantes e, numa atitude descontraída, contou-nos como tem sido esta passagem pelo mundo do Poker. O jovem ganhou mais de 47 mil euros na final da World Poker Tour DeepStacks Portugal, no Casino de Vilamoura, no passado mês de setembro.
Como foi o primeiro contacto com o Poker?
Acho que tinha 17 anos. Não se pode jogar com 17 anos (risos), mas foi nessa altura que comecei com o interesse pelo jogo. A primeira vez que tomei contacto com o jogo foi através da televisão. Situação que acontece com quase toda a gente. Há um programa na televisão e começamos logo com aquela curiosidade - que jogo é este? Depois, através da internet, comecei a jogar online, numa atitude descontraída, para ver como era.
Não cheguei a ir para a Universidade. Quando chegou a altura, já jogava Poker e já ganhava algum dinheiro e decidi tirar um ano para experimentar o jogo. Como já ganhava algum dinheiro, falei com os meus pais e disse que gostava de experimentar profissionalmente e correu bem.
O jogo online começou a ser estimulante porquê?
Porque o Poker é um jogo de pessoas. É interessante ver a reação em termos estratégicos das pessoas e foi isso que mais me cativou.
Cada pessoa tem uma “mão”, mas a forma como joga essa “mão” é que define o resultado a longo prazo. É um jogo muito estatístico, que está muito ligado à área da economia e da gestão financeira.
No jogo online, cada pessoa tem um nickname (um perfil) e hoje posso jogar com uma pessoa e daqui a 2/3 dias encontrá-la noutro torneio e lembrar-me da forma como ela jogou. Há sempre algo que se enquadra em cada jogador. Apesar de não estar a ver a reação delas, tenho sempre um historial do que já fizeram.
Quais são as principais diferenças de jogar ao vivo e como tem sido a experiência?
Tinha 19 anos quando joguei num torneio ao vivo. Foi no Casino Estoril, em Lisboa. Sentia-me um bocado nervoso quando joguei. Já estava habituado a jogar online, já era ganhador, mas jogava valores muito baixos, torneios de 2 a 3 euros de entrada e o jogo ao vivo custa no mínimo cerca de 70 euros, naquela altura eram 100.
No Estoril, era portanto um torneio mais caro e um registo ao qual não estava habituado, mas gostei da experiência, apesar de não me ter sentido muito à vontade.
E por onde está centrada a tua aposta agora?
A minha maior experiência é no jogo online. A regra é jogar online, a exceção é ir aos locais ao vivo. Porque os torneios ao vivo são muito caros - implicam 1000 a 2000 euros de entrada, sendo que já jogo no circuito europeu.
Joguei muitos anos online para acumular dinheiro para depois ir aos sítios. O jogo online tem vantagens, porque não existem despesas de viagens e de alimentação e normalmente há sempre pessoas para jogar.
O que jogo na maior parte das vezes são cash games, ou seja, são jogos onde cada ficha vale “x” dinheiro e as pessoas podem entrar e sair quando quiserem. Nos torneios presenciais, cada pessoa paga “x” de entrada e recebe um determinado número de fichas.
Como te preparas para os torneios ao vivo?
Já tenho muita experiência a jogar. A minha estratégia não muda por jogar ao vivo. Tento ter rotinas saudáveis antes de jogar. Como tenho de viajar a maior parte das vezes, sendo que em Abrantes não há este tipo de eventos, vou sempre no dia antes, mesmo quando o jogo é em Lisboa.
Tento dormir bem, o que é um bocado complicado, pois estou habituado a jogar à noite, uma vez que a maior parte do jogo online decorre durante a noite, o que me leva a deitar por volta das 4 da manhã. Assim, tento mudar a minha rotina uns dias antes para que no dia não esteja a fazer um esforço e tento comer bem.
Estive agora na República Checa durante 20 dias a jogar torneios. Já é a segunda vez que vou lá para jogar. Na primeira vez andava sempre muito cansado. Não estava a comer bem, nem a dormir, passados uns dias já não conseguia pensar e sentia-me mal, pois não estava a ter uma boa performance. Portanto, uma das coisas que tento melhorar, é a minha rotina.
Que objetivos levas contigo?
Claro que o objetivo é sempre ganhar, mas a minha intenção de jogar num torneio baseia-se em dois fatores: o valor da entrada – tem de estar dentro do teto máximo que eu estou disposto a jogar, ou seja, tem a ver com o dinheiro que eu tenho para investir e os riscos que estou disposto a ter. Se tiver tudo enquadrado, avanço e depois avalio se é um bom investimento.
Olho para as pessoas que estão a jogar, faço a minha avaliação e penso, por exemplo, neste torneio vou ganhar 50% do dinheiro que investi.
Os jogadores profissionais pensam em ganhar, mas sabem que é impossível ganhar sempre ou chegar sempre aos prémios. Portanto, o mais comum é pensarmos a percentagem do que vamos ganhar mediante o investimento feito.
É preciso praticar bastante?
Sim. Nos últimos 4/5 anos, todas as segundas-feiras, estudo cerca de 8 horas o jogo. Estudar sem jogar. Estudar estatística e estudar a teoria dos jogos. No início ia à procura da informação nos livros, depois, à medida que se evolui, os livros ficaram para trás e comecei a ir à internet, onde existem sites, que pagando uma assinatura mensal, conseguimos ver dos melhores jogadores do mundo a comentar e a jogar.
O Poker é um jogo complexo?
Muito complexo. Este ano, o jogo foi resolvido por um computador num jogo “um contra um”. Foi uma Universidade Americana que fez este estudo. Já o anda a fazer há muitos anos e não lhes interessa o Poker em si, estão a estudar como vencer o Poker, porque é um jogo de informação incompleta – um jogador nunca sabe as cartas do outro, mas imagina.
O que caracteriza um jogador de Poker?
Acho que é muito importante ser autocrítico. Vejo muitos jogadores que, estrategicamente, são muito bons, mas depois falham porque gastam demasiado dinheiro, jogam jogos que não deviam de jogar porque não os vencem. É preciso ser autocrítico. É preciso ponderar e pensar bem.
Depois, é preciso gostar do jogo e de matemática que era uma disciplina que até gostava, mas depois deixei de gostar tanto porque muitas vezes as matérias não eram palpáveis, eram abstratas e no Poker eu percebo todo o processo, o que me faz gostar hoje de matemática.
Onde já jogaste Poker?
Sobretudo na Europa, em Nottingham, Barcelona, Marbella, na República Checa…. Em Portugal já joguei no Estoril, Vilamoura, etc. O meu maior feito foi em Vilamoura. Lá fora já ganhei alguns prémios, mas ainda não ganhei nenhum torneio. Mas também só comecei a jogar mais ao vivo este ano.
No mês passado venceste um torneio em Vilamoura. Como foi a experiência?
Cada pessoa recebeu 30 mil fichas. Eu passei ao segundo dia do torneio com 80 mil e fui ganhando. No terceiro dia, passei para mesa final, sendo o terceiro jogador com mais fichas.
No dia da final, não estava muito nervoso, sinceramente, apesar de nunca ter jogado para tanto dinheiro.
O primeiro prémio eram 55 mil euros e eu ganhei cerca de 47 mil, uma vez que fiz um acordo com o jogador que jogou contra mim.
O Omar Lakhdari, que é argelino, foi quem jogou a final comigo. Ele tinha uma maneira muito particular de jogar. A presença dele na mesa irritava as outras pessoas, estava sempre a espalhar as fichas de maneira a confundir e a fazer com que as pessoas não soubessem quantas fichas tinha. Ele tinha muita experiência a jogar Poker ao vivo e fazia com que as pessoas se sentissem desconfortáveis - era uma estratégia a favor dele. Eu não uso esse tipo de estratégia e não me afetou, porque já joguei muitos torneios e já estou habituado.
Acabámos por dividir o prémio porque eu tinha 4 milhões de fichas quando começámos a jogar e ele tinha 3. Ele propôs-me dividir o prémio ao meio. No princípio, não aceitei, porque estava em vantagem, mas ao intervalo fizemos o acordo. A diferença eram 15 mil euros entre o 1º e o 2º lugar. O 2º recebia 40 mil e o 1º lugar recebia 55 mil euros. Se dividíssemos cada um ganhava 47 mil euros e uma entrada para um torneio do World Poker Tour em Berlim, em janeiro de 2018, e foi o que fizemos. Eu ganhei-lhe o jogo, mas não me importei pelo acordo feito. É muito comum isso acontecer.
O máximo que tinha ganho eram 9 mil euros num torneio online. Em Vilamoura foi uma boa sensação, os meus amigos vieram todos ter comigo e depois tive uma hora a dar entrevistas, algo que nuca tinha feito (risos).
O que fizeste ao prémio?
Guardei para investir mais tarde.
Se tivesses que parar de jogar, como lidarias?
Seria um choque porque é a minha fonte de financiamento. Quando o site do Poker Star foi fechado estava no Nos Alive e estava-me a divertir quando li a notícia que a partir daquela segunda-feira não tinha emprego. Fiquei preocupado, triste e acabei por gastar praticamente todo o dinheiro que tinha acumulado nos meses seguintes, até cheguei a ponderar sair do país para jogar. Quando o site voltou, voltei também à normalidade.
O que define o Poker? Há muitas pessoas a jogar profissionalmente no país?
O Poker é um jogo de pessoas e de escolhas. Se não pensarmos numa mão isolada e se pensarmos numa amostra de mãos, cada pessoa foi colocada no jogo exatamente nas mesmas situações, mas depois seguem-se as escolhas que definem o desfecho.
Há muita gente a jogar Poker e profissionalmente há muitos jogadores. Só eu conheço uns 80 a 90 jogadores que vivem do Poker.
A família apoia experiência?
Eu tenho muita sorte, a minha família apoia. É normal eu dizer em casa, e até para a minha avó, que vou jogar Poker para República Checa (risos)!
Joana Margarida Carvalho
Fotos na final da World Poker Tour DeepStacks Portugal, no Casino de Vilamoura (crédito DR)