Jorge Rosa é o CEO da Mitsubishi Fuso Truck Europe (MFTE), empresa sediada no Tramagal e que anunciou para 2019 o início da produção dos primeiros camiões totalmente elétricos do mundo. Na fábrica há 38 anos, ninguém conhece melhor os meandros da MFTE. Fomos falar do passado recente mas, acima de tudo, do futuro.
Atualmente há boas notícias mas vamos recuar um bocadinho...
… ao anúncio, em 2017, do fabrico de um veículo totalmente elétrico. Como surgiu essa tomada de posição, foi um imperativo do mercado?
Obviamente que o mercado é absolutamente determinante nas estratégias das empresas mas esta é uma história que começa mais cedo. Começámos com uma produção piloto de 10 unidades, na altura com uma designação diferente, e que começou em 2014. Já nessa altura o grupo percebia que o caminho passava pela eletrificação dos veículos. Estes foram os primeiros passos que nos conduziram à fase em que estamos hoje.
Houve consciência ambiental?
Claro que sim. A consciência ambiental está por detrás disto mas obviamente que o mercado é que determina estas decisões empresariais. Quando se percebe que a consciência ambiental do mercado empurra os fabricantes nesta direção, os fabricantes vão nesta direção, com maior ou menor antecedência às necessidades do mercado. No nosso caso, foi no tempo certo. Fomos pioneiros e estamos a ser pioneiros, sobretudo na área dos veículos comerciais.
No entanto, devido ao facto de se perceber que o veículo elétrico é mais económico e nada poluente, pode vir a trazer pressão sobre as cidades. A aposta terá que ser no transporte coletivo elétrico. No que diz respeito ao transporte de mercadorias, sobretudo a distribuição nos grandes centros urbanos, esse terá que ser feito por camiões. E, na medida certa, são os camiões que nós fazemos aqui, porque os grandes camiões não entram nas cidades. Portanto, há aqui um conjunto de fatores que nos permite pensar que estamos no caminho certo, no sítio certo e na hora certa.
No final de 2016, a Mitsubishi Fuso Truck Europe fecha o ano com uma subida na faturação e com aumentos extraordinários aos colaboradores...
Não teve nada a ver com os bons resultados. Claro que se a empresa estivesse com dificuldades financeiras, não teria tomado essa decisão, obviamente. Mas não houve uma relação direta. A empresa entendeu que se queria diferenciar dos demais, tendo consciência de que o nível salarial que tínhamos, sendo acima da média do ponto de vista regional, deveria ser diferenciador. Até no sentido de ser capaz de atrair pessoas novas para a empresa.
Notou-se no aumento da produtividade?
Senti as pessoas, momentaneamente, mais felizes. Isso sim. No momento em que fizemos o anúncio, as pessoas ficaram muito satisfeitas mas estas coisas depois tendem a dissipar-se. Mas o momento foi, de facto, muito bonito.
No entanto, em janeiro deste ano, a administração foi confrontada com um protesto laboral... o que foi reivindicado e de que forma chegaram a consenso?
Foi o protesto de um grupo de trabalhadores, minoritário, e teve a ver com a questão do Banco de Horas. Foi uma discussão muito programática e ideológica e teve a ver com a forma de organização do trabalho que nós entendemos que as empresas, nos tempos que correm e dentro dos limites da razoabilidade, devem ter. As empresas têm que se adequar às solicitações do mercado, é uma inevitabilidade, por mais que isso não seja simpático. Temos alturas em que há mais trabalho e, para evitar aquilo que, do meu ponto de vista é bastante negativo, que é andarmos a admitir e a despedir pessoas, preferimos encontrar mecanismos de estabilização no sentido de evitar esta flutuação de pessoas. E considerámos descabida a forma como o assunto foi tratado, sobretudo numa empresa onde o diálogo impera todos os dias. Não faz sentido nenhum esta manifestação, principalmente quando é feita para o exterior.
Os funcionário da empresa conseguem facilmente chegar à fala com a Administração?
Completamente. Aliás, temos um programa que se chama “Encontro com o Presidente”, onde qualquer colaborador da MFTE pode vir falar em privado comigo e colocar dúvidas e perguntas que gostasse de ver esclarecidas, propor sugestões para a fábrica ou desabafar sobre questões várias, inclusive problemas de origem pessoal. É uma conversa descontraída e absolutamente descomplexada.
Os tempos do lay-off, durante a crise, foram complicados de gerir?
Foram menos complicados do que há um ano atrás. Nessa altura conseguimos gerir de maneira bem mais racional pois as pessoas perceberam que o risco de encerramento da unidade era absolutamente iminente e o melhor era encontrarmos todos uma solução e encontrámos. Boas soluções, eu acho. Até porque nos trouxeram até aqui.
Quantos colaboradores têm neste momento?
Atualmente estamos com quatrocentos e muitos. Nunca tivemos tantos trabalhadores. Estamos perto dos quinhentos. Estamos no pico. Hoje em dia, estamos a atingir a produção de um carro a cada oito minutos e meio. Significa a produção de 54 carros por dia.
Ainda durante 2017, a empresa decidiu oferecer 3 veículos Canter a Corporações de Bombeiros, após os grandes incêndios de Pedrógão. A consciência social também é apanágio da Mitsubishi Fuso Truck Europe...
É e acho que isso tem sido patente ao longo dos anos. Uma empresa tem várias dimensões e a responsabilidade social é uma delas. Todos os anos reservamos um bocadinho do nosso orçamento para apoiar iniciativas de âmbito local.
As maratonas tecnológicas, o Hey Hackathon, que mais valias tem trazido para a empresa?
Tem-nos, sobretudo, agitado o espírito que é o que mais precisamos. Esta lufa lufa de termos que fazer carros com qualidade e a tempos e horas, por vezes faz-nos entrar numa espiral que nos bloqueia a visão para o exterior. De vez em quando, é importante fazermos entrar aqui olhos novos e cabeças novas porque nós vivemos aqui fechados a resolver problemas. Esta inquietação que estas gerações mais novas nos trazem são fundamentais para nós.
E têm-nas aproveitado?
Temos alguns casos práticos que saíram dali mas não muitos. No entanto, o importante é toda a gente perceber que há olhares diferentes sobre a empresa e que a empresa que temos não é uma verdade absoluta. Quem vê de fora, vê com outros olhos. E este ano vamos fazer uma coisa diferente. A 16 e 17 de outubro, vamos fazer o Innovation Forum que vai ser parcialmente no Edifício Pirâmide, em Abrantes, e parte aqui na fábrica. Queremos discutir mais uma vez os sistemas da digitalização com um conjunto de entidades que vamos convidar e, dentro da fábrica, estas empresas tecnológicas vão ter pequenos stands a fazer demonstrações a todos os trabalhadores daquilo que estão a desenvolver e a aplicar.
E agora, há novo anúncio, nova linha de produção. A Mitsubishi Fuso Truck Europe vai iniciar o fabrico de camiões elétricos em 2019. Que significado tem para a empresa?
Será no final de 2019 ou mesmo mais no início de 2020. Em termos do processo de produção aqui, a alteração não é significativa. As linhas de produção vão ser muito semelhantes, vão ser adaptadas, até porque numa fase inicial vamos viver num misto de produção de carros elétricos e carros convencionais e, tendencialmente, o elétrico substituirá o diesel. Ninguém sabe se será dentro de 3, 5 ou 10 anos mas eu estou convencido que o diesel nunca desaparecerá por completo.
De que tipo de camiões é que estamos a falar?
Camiões de pequena dimensão, de 3,5 toneladas até as 8 toneladas e, portanto, a fábrica não precisará de alterações drásticas. Não estamos a falar de grandes investimentos.
Vai haver aumento do número de trabalhadores?
Não prevemos que esta situação implique um aumento do número de trabalhadores. Tem mais a ver com o volume global de produção que estaremos a fazer em cada momento.
Onde vê a Mitsubishi Fuso Truck Europe daqui a 10 anos?
Ui... (risos)
Prevendo que o país e o mundo não caiam novamente numa crise...
Sabe que estes crescimentos assustam-me muito. É que, normalmente, a seguir a um crescimento, vem uma queda. Estes efeitos cíclicos são sempre preocupantes mas eu vejo a Mitsubishi Fuso Truck Europe, daqui a 10 anos, no mesmo sítio, a desempenhar um papel importante para o grupo e a funcionar como linha avançada da Mitsubishi Fuso na Europa. Vejo-a a desempenhar o mesmo papel daqui a 10 anos. Não vejo razão para que algo mude, só se tiver mais algumas valências. Eventualmente no desenvolvimento do produto, extravasando um pouco o âmbito que hoje é meramente de produção e lutando por isso. Ou seja, alargar um pouco os nossos horizontes para nos permitir fazer no futuro algo mais do que só produção. Mas eu diria que, daqui a 10 anos, cá estaremos a fazer carros e, eventualmente, a acrescentar mais algum valor.
As acessibilidades são, como sabemos, um problema. Acredita na construção de uma nova ponte sobre o Tejo? Que importância tem para a empresa?
Tem muita mas eu nem falo da ponte, falo de acessibilidades. No mínimo, que a EN118 seja transitável, coisa que hoje não é. Quando recebemos convidados, como alemães ou japoneses, eles interrogam-se como é que foram fazer uma fábrica num sítio destes. Porque ninguém percebe isto e realmente não faz sentido. Depois é preciso explicar que há uma história por trás desta empresa. Mas ficam todos muito incomodados. Tem sido possível sobreviver com esta condição mas temo que no futuro isto possa ser uma condicionante para, por exemplo, se pensar num projeto de aumento desta unidade. De certeza que a primeira questão que se colocaria era se faria sentido nestas condições e neste sítio.
Já passaram muitos governantes por esta fábrica e com certeza já lhes expôs este problema. Que respostas é que tem tido?
Como sabe, tem havido flutuações ao longo dos anos. Foi, inclusivamente, aqui anunciada a construção da ponte por um primeiro-ministro. Mas enfim, tem havido uma série de condicionantes. Eu acredito que toda a gente gostasse e anunciar ou de fazer uma ponte mas sabemos hoje que as obras públicas estão quase paradas. Contudo, eu continuo a afirmar que entre Santarém – se excetuarmos a ponte Salgueiro Maia – e Abrantes, não se constrói uma ponte desde o século XIX. Portanto, isto não é um problema de Governo nem de regime. A última ponte é do tempo da Monarquia.
Tem sido ouvido a este respeito?
Eu tenho falado com a presidente da Câmara de Abrantes, que é a presidente da Comunidade Intermunicipal do Médio Tejo e já quase não precisamos de falar. A necessidade e melhorarmos as acessibilidades aqui à fábrica é indiscutível. E não só à fábrica, é à margem sul do Tejo.
Patrícia Seixas