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José Neves, uma vida inteira ligada ao desporto

7/10/2019 às 00:00

José Neves, natural do Pego, 63 anos e toda uma vida ligada ao desporto. Frequentou o ISEF - Instituto Superior de Educação Física, jogou futebol de alta competição, 2.ª divisão nacional. Tirou curso de treinador, depois árbitro, foi dirigente associativo e hoje trabalha nos serviços municipais de Abrantes, na área do desporto. Passou por todos os itens do desporto, pelo que compreende as dificuldades inerentes a todas as vertentes.

Tem um percurso muito grande que começou como jogador?
Sim, sempre tive uma apetência e um sonho no desporto, desde tenra idade. Comecei nos escalões de formação do Sport Abrantes e Benfica. Hoje há, desde cedo, a possibilidade de os jovens serem vocacionados para várias modalidades, o que é muito construtivo para a sua formação enquanto jovens e de futuros adultos.
Entretanto frequentei o ISEF, não conclui o curso, por outras opções que surgiram. Ainda dei aulas, passei 2 bons anos por Mação. Entretanto jogava na 2.ª divisão nacional mas tive uma lesão grave muito novo. Foi uma rotura dos ligamentos cruzados que, na altura, era complicado. Tive operação marcada, tive medo. Como não abusava continuei a jogar, estive na 3.ª divisão de futsal, com algumas limitações. Mas tenho os cruzados rotos e hoje em dia sai-me caro. Mas sinto-me feliz com o que faço.

O que prefere entre o jogar, treinar e arbitrar?
Isso é interessante. Nós passamos por várias etapas na vida e eu, enquanto jogador, era um pouco embaraçoso para os árbitros. Não era mal educado, mas tinha a mania que também sabia daquilo. Depois tirei o curso de treinador e por vezes achamos que nos estão a roubar. Depois fiz o curso de árbitro e passei a amar a arbitragem. É muito difícil ser árbitro, ser juiz, ter que decidir. É por isso que considero que para a minha própria conceção da vida, é muito importante este papel de decisor. E quando erramos, não há ninguém que fique mais triste do que eu.

Os árbitros são uma figura onde se descarrega muito.
Sim, e há alguns que erram e não dão o braço a torcer. Os árbitros falham, são humanos, e as pessoas às vezes não percebem as dificuldades, por vezes com um mau ângulo, e ter que decidir. Por vezes até eu como adepto penso como é que o colega não viu e só lá dentro é que percebemos as dificuldades.

O futebol é uma área em que há tanto dinheiro mas há áreas em que falta dinheiro.

Há muitas disparidades. Um arbitro, hoje não tanto, mas era ridículo o que recebiam e deixo entre comas que alguns podem ter cedido, pensando logicamente. Os árbitros recebiam grãos de trigo quando no futebol muitos eram pagos a arcas de ouro, percebe?! Hoje já não é bem assim. Já têm direito a hotel, enfim, outras comodidades que não havia.

 

O futebol de formação é a esperança no futuro e é uma missão sua.
O vídeo que a Federação de Futebol, o #deixajogar é muito importante. Nos escolinhas não está nada em causa a não ser a felicidade das crianças. O torneio de escolinhas foi das decisões mais felizes do Município de Abrantes, depois alargado a Mação e Constância e é um palco de festa e por vezes há pais que ainda aparecem que colocam muita pressão nos miúdos e que, em vez de lhes darem estímulo e ideias para melhorar os levam a abandonar. Isto está melhor mas ainda temos um pouco esta mentalidade de competitividade. Claro que ganhar é melhor do que perder, a vida é de luta e temos que lutar, é a lei da vida, mas ganhar, não a qualquer preço. E há ainda pessoas que veem estes torneios a olhar para o umbigo, de ganhar a A, B ou C, de vaidade e não é isso que os deve nortear.

Tem que se trabalhar o reforço positivo?
Não tenha dúvida. Mesmo no topo. Talento é bom, trabalho é excecional, resiliência... mas se a cabeça não for forte… Já apanhei atletas que não pareciam ter tanto talento mas que com trabalho e grande capacidade emocional, resiliência, chegam muito longe e outros, com grande potencial e talento que se perdem por não serem fortes a nível psicológico.
Quem atinge o sucesso, o difícil é manter-se no topo por causa da pressão. O Ronaldo é fortíssimo a nível emocional.

E como é que se consegue trabalhar essa forma, como diz, do pescoço para cima?

Pode tornar-se fácil quando o atleta acredita na pessoa que está à sua frente. Um treinador justo é muito importante, é uma referência. Quando estava na formação notava que os miúdos têm um sentido de justiça terrível. Se acham que fomos injustos estamos apanhados. Isso é fundamental.

Depois, outra situação, o enquadramento técnico. Hoje pensa-se de forma diferente. Durante muitos anos na formação trabalhava “quem aparecia”, quem gostava, os mais habilitados trabalhavam no futebol sénior. Desde sempre achei que na formação têm que trabalhar os melhores. Para a sua evolução é aqui que têm que aprender a fazer bem, ter comportamentos corretos, tudo o que é preciso incutir aos miúdos. E mais, é preciso bons técnicos e é preciso pagar-lhes. Investiram na sua formação e têm que ser pagos. Se não, não temos hipótese. Os clubes, pais, os municípios, todos temos que fazer mais.

E depois o apoio das famílias. Um miúdo, quando marca, quando faz algo bem, para onde é que olha? Para quem o está a apoiar na bancada, por quem têm afeto e é preciso estar lá, apoiar. O apoio, saber dizer se fez mal mas apoiar, reforçar pela positiva é muito importante.

Já lhe disse que pensei entrevista-lo exatamente por reparar na forma positiva como “trabalha” com os mais pequenos quando arbitra os jogos.

Quando arbitro os joguinhos dos pequenos, de futebol de quatro, aí é que se veem dificuldades, alguns são ainda muito pequenos. Num jogo em que uma equipa estava a ganhar por 10, os outros estavam super frustrados e, após falar com o treinador da equipa que vencia, lá se arranjou um penalti e a outra equipa marcou um golo. Ouça, aqueles golos soube-lhes melhor do que os outros dez. Os treinadores têm também aqui um papel fundamental.

E o trabalho de treinador, ficou para trás?

Estive em vários projetos que gostei muito, depois agarrei-me a um projeto em que acreditava muito mas Tive um problema grave de saúde e afastei-me um pouco do treino mas como tinha ainda a arbitragem agarrei-me mais a esta área. Já tive vários convites, um dia hei-de voltar ao Pego como treinador. Neste momento, condições familiares não o permitem ainda mas tenho este sonho de voltar à minha terra. Embora não seja fácil, por vezes, trabalhar na nossa terra. Mas criamos anticorpos e hoje percebo que ou me amam ou me odeiam e mesmo os que nos odeiam obrigam-nos a crescer, amadurecer.

É difícil ser-se imparcial?

Deixe-me contar-lhe uma situação que se passou. Uma altura fui treinador da equipa do meu filho. Ele era meu atleta e eu era, fora do campo pai do André e dentro do campo treinador do André. Ele e outro atleta, ambos bons alunos, ambos com atletas era super competitivos um com o outro. Uma das vezes o outro tinha tido um bom desempenho e convoquei-o para um jogo noutro escalão e ao meu filho não. Em casa, a minha esposa diz-me que o André estava chateado, falei com ele mas ele durante uma semana não foi treinar. Um dia foi ele que veio ter comigo, que já era inteligente, e disse que percebia, que no campo eu era o treinador. Estas coisas mexem connosco. E alguns pais podem não ter a capacidade de lidar bem com isto, de se trabalhar com filhos. Se não tivesse sido justo, podia ter perdido muitos dos meus atletas. E a ele consegui reconhecer sempre as capacidades e o desempenho que conseguia ter, sempre muito superior ao pai.

Quais as memórias que não esquece de toda a sua experiência de vida?

Fiz formação nos juvenis do Sport Abrantes e Benfica estas sucursais levavam alguns atletas ao Benfica. Um ano lá fui ao Benfica com o Manuel Mendes Alves fomos ao Benfica onde estivemos dez dias. Lá estivemos, com 16 anos, provincianos. Nós íamos tomar as refeições a um restaurante ali perto. Uma tarde fomos fazer o lanche. Olhamos para a vitrina e foi a primeira vez que vimos camarão. Pedimos um sumo, uma sandes e pedimos um pratinho daquelas coisas que estavam ali a chamar a atenção. No outro dia veio o diretor dizer, a rir-se, olhem lá, vocês comeram camarão ao lanche, olhem que aquilo é caro. E ainda hoje me rio com o Manuel com isto, foi a primeira vez que comemos camarão.

Outra memória, depois, quando alguns agentes do Benfica vieram falar com os meus pais para eu ir para lá. A minha mãe veio à porta, de avental, apercebeu-se, começou logo a chorar e a dizer “quem quer filhos, faça-os”. Não fui. Tinha muitos sonhos, fiquei muito triste mas não deixei de amar os meus pais por isso.

Algumas pessoas não sabem mas, pelo Inatel fui internacional pela seleção de futsal. Uma boa memória. Fui o único jogador de Santarém, a primeira vez que andei de avião, passámos 10 dias em França.

O Zé Neves não pensa passar as suas memórias para um livro?

Eu digo muitas vezes que a minha vida dava um livro. Não é nada que não me tenha passado pela cabeça. Tenho esta

Pois olhe que sim, que devia, pela postura, pelo exemplo, pelos valores que transmite, fundamentais nesta área, devia mesmo escrever o livro. Ficou o desafio.

O maior orgulho que tenho é quando vejo jovens a quem dei formação, a quem tentei transmitir bons valores e tentei dar um bom exemplo, vê-los a singrar nesta e noutras almas. Fico muito feliz.

Texto de Vera Dias António

Fotos de Jerónimo Belo Jorge

 

 

 

 

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